Art.
6 — Se a dor da paixão de Cristo foi maior que todas as outras dores.
O sexto discute-se assim. — Parece que a dor
da paixão de Cristo não foi maior que todas as outras dores.
1. — Pois, a dor do paciente aumenta
conforme a gravidade e a duração do sofrimento. Ora, certos mártires padeceram
sofrimentos mais graves e mais longos do que Cristo; assim, Lourenço, assado em
grelhas, e Vicente cujas carnes foram laceradas por unhas de ferro. Logo,
parece que a dor dos sofrimentos de Cristo não foi a máxima.
2. Demais. — A força do espírito
mitiga a dor, a ponto de os estoicos ensinarem que a alma do sábio não é
susceptível de tristeza. E Aristóteles diz que a virtude moral faz conservar o justo meio nas paixões. Ora, Cristo
teve a virtude perfeitíssima da alma. Logo, parece que Cristo sofreu a mínima
das dores.
3. Demais. — Quanto mais sensível é um
paciente, tanto maior é a dor da paixão. Ora, a alma é mais sensível que o
corpo, pois, pela alma é que o corpo sente. E também, Adão parece ter tido, no
estado de inocência, um corpo mais sensível que o de Cristo, que assumiu o
corpo humano com as suas deficiências naturais. Logo, parece que a dor da alma
padecente no purgatório ou no inferno, ou ainda a dor de Adão, se alguma
sofreu, teria sido maior que a dor da paixão de Cristo.
4. Demais. — A perda de um maior bem
causa uma dor maior. Ora, o pecador, pecando, perde um maior bem que Cristo,
sofrendo, porque a vida da graça é melhor que a da natureza humana. Demais,
Cristo, que perdeu a vida, havendo de ressurgir três dias depois, parece que
perdeu um bem menor do que aqueles que perdem a vida, havendo de permanecer
mortos. Logo, parece que a dor de Cristo não foi a máxima das dores.
5. Demais. — A inocência do paciente
diminui a dor da paixão. Ora, Cristo sofreu inocentemente, segundo a Escritura:
Eu era como um manso cordeiro que é
levado a ser vítima. Logo, parece que a dor da paixão de Cristo não foi a
máxima.
6. Demais. — Nada do que Cristo teve
era supérfluo. Ora, uma dor mínima de Cristo bastaria para o fim da salvação
humana, pois, teria uma virtude infinita, por causa da sua pessoa divina. Logo,
foi supérfluo assumir a máxima das dores.
Mas, em contrário, a Escritura diz, da
pessoa de Cristo: Atendei e vê-de se há
dor semelhante à minha dor.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
A objecção colhe quanto a uma só das causas de sofrimento enumeradas, a saber,
a lesão corpórea, causa da dor sensível, Mas, as outras causas aumentaram muito
mais a dor de Cristo na sua paixão, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A virtude moral
não mitiga do mesmo modo a tristeza interior e a dor sensível externa, Assim, diminui
directamente a tristeza interior, estabelecendo nela a mediação, como em
matéria própria. Ao passo que a virtude moral constitui a mediação nas paixões,
como estabelecemos na Segunda Parte, introduzindo nelas não uma quantidade
real, mas uma quantidade proporcional, de modo que a paixão não ultrapasse a
regra racional. E como os estoicos reputavam a tristeza totalmente inútil, por
isso criam que ela se divorcia totalmente da razão e, por consequência, deve
ser totalmente evitada pelo sábio, Mas, na verdade das causas, há uma certa
tristeza digna de louvor, como o prova Agostinho: é a procedente de um amor santo, como quando nos entristecemos dos
pecados próprios ou dos alheios, e também é considerada como útil quando tem
por fim satisfazer pelas pecados, segundo aquilo do Apóstolo: A tristeza, que é segundo Deus, produz para
a salvação uma penitência estável. Por isso Cristo, a fim de satisfazer pelos
pecados de todos os homens, assumiu uma tristeza máxima pela sua quantidade
absoluta, mas que não ultrapassava a regra racional. - Mas quanto à dor
exterior do sentido, a virtude moral não a diminui directamente, porque essa
dor não obedece à razão, mas resulta da natureza do corpo. Diminui-a, porém
indirectamente pela redundância das potências superiores para as inferiores. O que
não se deu com Cristo, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A dor da alma
do padecente, separada, é própria do estado futuro de danação, que excede todos
os males desta vida, como a glória dos Santos excede todos os bens da vida
presente. Por isso, quando dizemos que a dor de Cristo foi máxima, não a
comparamos com a dor da alma separada. - Quanto ao corpo de Adão, ele não podia
sofrer se não tivesse pecado, tornando-se assim mortal e passível. E, sofrendo,
padeceria menos que o corpo de Cristo, pelas razões referidas. — Donde também
resulta que mesmo se, por impossível, considerássemos que Adão no estado de
inocência sofreu, a sua dor teria sido menor que a de Cristo.
RESPOSTA À QUARTA. — Cristo não
somente sofreu perdendo a vida do seu próprio corpo, mas também pelos pecados
de todos os homens. Porque a dor de Cristo ultrapassou toda dor de qualquer
paciente. Quer porque procedia de uma sabedoria e caridade maiores, que
aumentam a dor do padecente; quer também porque sofreu simultaneamente por todos
os pecados, segundo a Escritura: Verdadeiramente
ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas. — Mas a vida corporal de
Cristo foi de tão grande dignidade, e, sobretudo, pela divindade que lhe estava
unida, que sofreu mais, perdendo-a, mesmo momentaneamente, que qualquer outro
homem perdendo a sua, por qualquer tempo que fosse. Donde o dizer o Filósofo,
que o virtuoso tanto mais ama a sua vida,
quanto mais a tem como melhor; e, contudo, a expõe pelo bem da virtude. E
semelhantemente, Cristo, tendo uma vida amável por excelência, a expôs pelo bem
da caridade, segundo a Escritura: Dei a
minha amada alma às mãos de seus inimigos.
RESPOSTA À QUINTA. — A inocência do
paciente diminui numericamente a dor da paixão; porque quando padece por culpa,
sofre não só pela pena, mas também pela culpa; sendo inocente, porém, sofre só
pela pena. Contudo a sua inocência aumenta-lhe a dor, porque sabe que não
merece o mal que lhe é infligido. E por isso são tanto mais repreensíveis os
que não se compadecem dele, conforme a Escritura: O justo perece e não há quem considere no seu coração.
RESPOSTA À SEXTA. — Cristo quis
libertar o género humano dos pecados, não só pelo seu poder, mas ainda por
justiça. Por isso, não só levou em conta a grandeza do poder que tinha a sua
dor, em virtude da divindade que lhe estava unida, mas também o quanto bastava
essa dor pela sua natureza humana, para tão grande satisfação.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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