
Questão 35: Da dor e da tristeza em si mesmas.
Art. 5 — Se alguma tristeza é contrária ao prazer da contemplação.
(III, q. 46, a . 7, ad 4, III Sent., dist. XV, q. 2, a . 3, qª 2, ad 3, dist. XXVI, q. 1 a . 5, ad 5, IV, dist. XLIX, q. 3, a . 3, qª 2, De Verit., q. 26, a . 3, ad 6, a . 9, ad 8, Ompend. Theol., e. CLXV).
O
quinto discute-se assim. — Parece que alguma tristeza é contrária ao prazer da
contemplação.
1. — Pois, diz o Apóstolo (2 Cor 7, 10): A tristeza que é segundo Deus produz para a salvação uma penitência estável. Ora, pensar em Deus compete à razão superior, à qual é próprio o entregar-se à contemplação, segundo Agostinho 1. Logo, a tristeza se opõe ao prazer da contemplação.
2.
Demais — Os contrários são efeitos dos contrários. Se pois a contemplação de um
contrário é causa de alegria, a de outro sê-lo-á de tristeza. E, assim, a
tristeza será contrária ao prazer da contemplação.
3.
Demais — Assim como o objecto do prazer é o bem, o da tristeza é o mal. Ora, a
contemplação pode implicar a noção de mal, pois, como diz o Filósofo, é
inconveniente meditar em certas coisas 2. Logo, a tristeza pode ser
contrária ao prazer da contemplação.
4.
Demais — Qualquer operação que não sofra impedimento é causa do prazer, como
diz Aristóteles 3. Ora, a operação contemplativa pode ser impedida
de muitos modos, de maneira a dissipar-se totalmente ou realizar-se com
dificuldade. Logo, na contemplação pode haver tristeza contrária ao prazer.
5.
Demais — A aflição da carne é causa de tristeza. Ora, diz a Escritura (Ecl
12, 12): a meditação frequente é aflição da carne. Logo, a contemplação
implica a tristeza contrária ao prazer.
Mas,
em contrário, diz a Escritura (Sb 8, 16): a sua conversação, i. e,
da sabedoria, não tem nada de desagradável nem a sua companhia nada de
fastidioso, mas o que nela se acha é satisfação e prazer. Ora, a conversação e
a companhia da sabedoria se dá por meio da contemplação. Logo, nenhuma tristeza
é contrária ao prazer da contemplação.
Acidentalmente
porém, a tristeza pode misturar-se com o prazer da apreensão, e isto de dois
modos: por parte do órgão e por impedimento da apreensão. — Por parte do órgão,
a tristeza ou dor mistura-se com a apreensão, directamente, nas potências
apreensivas da parte sensitiva, que se servem de órgão corpóreo. Isto provém do
sensível, contrário à compleição normal do órgão, e assim o gosto é contrário
ao amargo e o olfacto, ao fétido, ou da continuidade do sensível próprio que
pela sua assiduidade produz o embotamento da potência natural, como já dissemos
7, e assim torna fastidiosa a apreensão sensível, que antes era
deleitável. Ora, esses dois factos não se realizam directamente em relação à
contemplação da mente, porque esta não é função de nenhum órgão corpóreo. Por
isto, o passo citado da Escritura diz que, a contemplação mental, nada tem de
desagradável nem de fastidioso. — Como porém a mente humana se serve, para
contemplar, das potências apreensivas sensitivas, cujos actos são susceptíveis
de lassidão, daí vem que, indirectamente, alguma aflição ou dor pode misturar-se
com a contemplação.
Mas
de nenhum desses modos a tristeza, misturada acidentalmente com a contemplação,
pode contrariar o prazer desta proveniente. Pois a tristeza causada pelo
impedimento da contemplação não vai contra o prazer desta, antes, tem com ela
afinidade e conveniência, como do sobredito resulta (a. 4). A
tristeza porém ou a aflição proveniente do cansaço corpóreo não cabe nesse
mesmo género, e portanto é completamente desproporcionada dele. E assim é
manifesto que nenhuma tristeza é contrária ao prazer fundado na própria contemplação,
e que, salvo acidentalmente, nenhuma tristeza se pode com ele mesclar.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A tristeza segundo Deus não procede da
contemplação própria da mente, mas de algo que ela contempla — o pecado, e que
considera como contrário à divina deleitação.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Coisas contrárias na realidade da natureza não têm contrariedade,
enquanto existentes na nossa mente. Assim, as noções dos contrários não são
contrários, mas antes, um é a razão de conhecermos o outro, e por isso a
ciência dos contrários é uma só.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A contemplação em si mesma não pode implicar nunca a noção de
mal, pois ela não é senão a consideração da verdade, bem do intelecto.
Acidentalmente porém pode-o, quando a contemplação do que é vil impede a do
melhor, ou quando o apetite deseja desordenadamente a coisa contemplada.
RESPOSTA
À QUARTA. — A tristeza proveniente do impedimento à contemplação não contraria
o prazer da mesma, antes, tem afinidade com ela, como já dissemos.
RESPOSTA
À QUINTA. — A aflição da carne pode misturar-se, acidental e indiretamente, com
a contemplação da mente, como já dissemos.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. XII De Trinit., cap. III,
IV.
2. XII Metaph., lect. XI.
3. VII Ethic., lect. XII, X
Ethic, lect. VI.
4.
Nemesius, lib. De Nat. Hom.
5.
I Topic. (cap. XIII) e X Ethic. (lect. III).
6.
Q. 31, a. 1.
7.
Q. 33, a. 2.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.