Cristo que passa 46 a 50
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A fé e a vocação de
cristãos afectam toda a nossa existência e não só uma parte dela.
As relações com Deus são
necessariamente relações de entrega e assumem um sentido de totalidade.
A atitude de um homem de
fé é olhar para a vida, em todas as suas dimensões, com uma perspectiva nova: a
que nos é dada por Deus.
Vós, que hoje celebrais
comigo esta festa de S. José, sois todos homens dedicados ao trabalho em
diversas profissões humanas, formais diversos lares, pertenceis a diferentes
nações, raças e línguas. Adquiristes formação em centros de ensino, em oficinas
ou escritórios, tendes exercido durante anos a vossa profissão, estabelecestes
relações profissionais e pessoais com os vossos companheiros, participastes na
solução dos problemas colectivos das vossas empresas e da sociedade.
Pois bem: recordo-vos,
mais uma vez, que nada disso é alheio aos planos divinos.
A vossa vocação humana é
uma parte, e parte importante, da vossa vocação divina.
Esta é a razão pela qual
vos haveis de santificar, contribuindo ao mesmo tempo para a santificação dos
outros, vossos iguais, precisamente santificando o vosso trabalho e o vosso
ambiente: a profissão ou ofício que enche os vossos dias, que dá fisionomia
peculiar à vossa personalidade humana, que é a vossa maneira de estar no mundo:
o vosso lar, a vossa família; e a nação em que nascestes e que amais.
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O trabalho acompanha
necessariamente a vida do homem sobre a terra.
Com ele nascem o esforço,
a fadiga, o cansaço, as manifestações de dor e de luta que fazem parte da nossa
existência humana actual e que são sinais da realidade do pecado e da
necessidade da redenção. Mas o trabalho, em si mesmo, não é uma pena nem uma
maldição ou castigo: os que assim falam não leram bem a Sagrada Escritura.
É a hora de nós, os
cristãos, dizermos bem alto que o trabalho é um dom de Deus e que não tem
nenhum sentido dividir os homens em diversas categorias segundo os tipos de
trabalho, considerando umas tarefas mais nobres do que outras.
O trabalho, todo o
trabalho, é testemunho da dignidade do homem, do seu domínio sobre a criação.
É um meio de
desenvolvimento da personalidade.
É um vínculo de união com
os outros seres; fonte de recursos para sustentar a família; meio de contribuir
para o melhoramento da sociedade em que se vive e para o progresso de toda a
Humanidade.
Para um cristão, essas
perspectivas alargam-se e ampliam-se, porque o trabalho aparece como
participação na obra criadora de Deus que, ao criar o homem, o abençoou
dizendo-lhe: Procriai e multiplicai-vos e enchei a terra e subjugai-a, e
dominai sobre todo o animal que se mova à superfície da terra.
Além disso, ao ser
assumido por Cristo, o trabalho apresenta-se-nos como uma realidade redimida e
redentora: é, não só o âmbito em que o homem vive, mas também meio e caminho de
santidade, realidade santificável e santificadora.
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Convém não esquecer,
portanto, que esta dignidade do trabalho está fundamentada no Amor.
O grande privilégio do
homem é poder amar, transcendendo assim o efémero e o transitório.
O homem pode amar as
outras criaturas, dizer um tu e um eu cheios de sentido.
E pode amar a Deus, que
nos abre as portas do Céu, que nos constitui membros da sua família, que nos
autoriza a falar também de tu a Tu, face a face.
Por isso, o homem não pode
limitar-se a fazer coisas, a construir objectos.
O trabalho nasce do amor,
manifesta o amor, ordena-se ao amor. Reconhecemos Deus não só no espectáculo da
Natureza, mas também na experiência do nosso próprio trabalho, do nosso
esforço.
O trabalho é, assim, acção
de graças, porque nos sabemos colocados por Deus na terra, amados por Ele,
herdeiros das suas promessas.
É justo que se nos diga:
quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a
glória de Deus.
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O trabalho é também
apostolado, ocasião de entrega aos outros homens, para lhes revelar Cristo e
levá-los até Deus Pai, consequência da caridade que o Espírito Santo derrama
nas almas.
Entre as indicações que S.
Paulo dá aos de Éfeso sobre como deve se manifestar a mudança que representou
para eles a sua conversão, a sua vocação ao Cristianismo, encontramos esta: o
que furtava, não furte mais, mas trabalhe, ocupando-se com as suas mãos nalguma
tarefa honesta, para ter com que ajudar a quem tenha necessidade.
Os homens têm necessidade
do pão da terra que sustente as suas vidas e também do pão do Céu que ilumine e
dê calor aos seus corações.
Com o vosso próprio
trabalho, com as iniciativas que se promovam a partir dessa ocupação, nas
vossas conversas, no convívio com os outros, podeis e deveis concretizar esse
preceito apostólico.
Se trabalhamos com este
espírito, a nossa vida, no meio das limitações próprias da condição terrena,
será uma antecipação da glória do Céu, dessa comunidade com Deus e com os
santos, na qual só reinará o amor, a entrega, a fidelidade, a amizade, a
alegria.
Na vossa ocupação
profissional, corrente e ordinária, encontrareis a matéria - real, consciente,
valiosa - para realizar toda a vida cristã, para corresponder à graça que nos
vem de Cristo.
Nas vossa ocupações
profissionais, realizadas face a Deus, pôr-se-ão em jogo a Fé, a Esperança e a
Caridade. Os incidentes, as relações e os problemas que o vosso trabalho traz
consigo alimentarão a vossa oração.
O esforço por cumprirdes
os vossos deveres correntes será o modo de viverdes a Cruz, que é essencial
para o Cristão.
A experiência da vossa
debilidade e os fracassos que existem sempre em todo o esforço humano
dar-vos-ão mais realismo, mais humildade, mais compreensão com os outros.
Os êxitos e as alegrias
convidar-vos-ão a dar graças e a pensar que não viveis para vós mesmos, mas
para o serviço dos outros e de Deus.
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Para servir, servir
Para viver assim, para santificar
a profissão, é necessário, primeiro que tudo, trabalhar bem, com seriedade
humana e sobrenatural. Quero recordar-vos agora, por contraste, o que conta um
dos antigos relatos dos evangelhos apócrifos: O Pai de Jesus, que era
carpinteiro, fazia arados e jugos.
Uma vez - continua a
narração - foi-lhe encomendada uma cama, por certa pessoa de boa posição. Mas
aconteceu que um dos varais era mais curto que o outro, pelo que José não sabia
o que fazer.
Então o Menino Jesus disse
ao seu Pai: põe os dois paus no chão e acerta-os por uma extremidade.
Assim fez José. Jesus
põe-se do outro lado, pegou no varal mais curto e esticou-o, deixando-o tão
comprido como o outro.
José, seu Pai, ficou cheio
de admiração ao ver o prodígio e encheu o Menino de abraços e beijos dizendo:
ditoso de mim, porque Deus me deu este Menino
José, não daria graças a
Deus por estes motivos; o seu trabalho não podia ser assim. S. José não é o
homem das soluções fáceis e milagreiras, mas o homem da perseverança, do
esforço e, quando é necessário, do engenho.
O cristão sabe que Deus
faz milagres; que os realizou há séculos, que continuou a fazê-los depois e que
continua a fazê-los agora, porque non est abbreviata manus Domini, não diminuiu
o poder de Deus.
Mas os milagres são uma
manifestação da omnipotência salvadora de Deus, e não um expediente para
resolver as consequências da inépcia ou para facilitar o nosso comodismo.
O milagre que o Senhor vos
pede é a perseverança na nossa vocação cristã e divina, a santificação do
trabalho de cada dia: o milagre de converter a prosa diária em decassílabos, em
verso heróico, pelo amor com que realizais a vossa ocupação habitual.
Aí vos espera Deus para
que sejais almas com sentido de responsabilidade, com zelo apostólico, com
competência profissional.
Assim, como lema para o
vosso trabalho, posso indicar-vos este: para servir, servir.
Porque para fazer as
coisas, é necessário, em primeiro lugar, saber concluí-las.
Não acredito na rectidão
da intenção de quem não se esforça por conseguir a competência necessária para
cumprir bem os trabalhos de que está encarregado.
Não basta querer fazer o
bem; é preciso saber fazê-lo.
E, se queremos realmente,
esse desejo traduzir-se-á no empenho por utilizar os meios adequados para fazer
as coisas bem acabadas, com perfeição humana.
(Continua)
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