19/05/2019

Leitura espiritual


COMPÊNDIO 
DA DOUTRINA SOCIAL
DA IGREJA


PRIMEIRA PARTE



CAPÍTULO I

O DESÍGNIO DE AMOR DE DEUS
A TODA A HUMANIDADE




IV. DESÍGNIO DE DEUS E MISSÃO DA IGREJA


c) Novos céus e nova terra

56 A promessa de Deus e a ressurreição de Jesus Cristo suscitam nos cristãos a fundada esperança de que para todas as pessoas humanas é preparada uma nova e eterna morada, uma terra em que habita a justiça (cf. 2 Cor 5, 1-2; 2Pd 3, 13).

«Então, depois de vencida a morte, os filhos de Deus ressuscitarão em Cristo e aquilo que foi semeado na fraqueza e na corrupção revestir-se-á de incorruptibilidade; e permanecendo a caridade com as suas obras, todas as criaturas que Deus criou por causa do homem serão livres da servidão da vaidade» [i].

Esta esperança, longe de atenuar, deve antes impulsionar a solicitude pelo trabalho referente à realidade presente.

57 Os bens, quais a dignidade do homem, a fraternidade e a liberdade, todos os bons frutos da natureza e da nossa operosidade, esparsos pela terra no Espírito do Senhor e de acordo com o Seu preceito, limpos de toda a mancha, iluminados e transfigurados, pertencem ao Reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz que Cristo entregará ao Pai e lá os encontraremos novamente.
Ressoarão então para todos, na sua solene verdade, as palavras de Cristo: «Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim (...) todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes» (Mt 25, 34-36.40).

58 A realização da pessoa humana, actuada em Cristo graças ao dom do Espírito, matura na história e é mediada pelas relações da pessoa com as outras pessoas, relações que, por sua vez, alcançam a sua perfeição graças ao empenho por melhorar o mundo, na justiça e na paz.
O agir humano na história é de per si significativo e eficaz para a instauração definitiva do Reino, ainda que este continue a ser dom de Deus, plenamente transcendente.
Tal agir, quando respeitoso da ordem objectiva da realidade temporal e iluminado pela verdade e pela caridade, torna-se instrumento para uma actuação sempre mais plena e integral da justiça e da paz e antecipa no presente o Reino prometido.

Configurando-se a Cristo Redentor, o homem apercebe-se como criatura querida por Deus e por Ele eternamente escolhida, chamada à graça e à glória, na plenitude do mistério de que se tornou partícipe em Jesus Cristo [ii].

A configuração a Cristo e a contemplação do Seu Rosto [iii] infundem no cristão um anelo indelével por antecipar neste mundo, no âmbito das relações humanas, o que será realidade no mundo definitivo, empenhando-se em dar de comer, de beber, de vestir, uma casa, a cura, o acolhimento e a companhia ao Senhor que bate à porta (cf. Mt 25, 35-37).

d) Maria e o Seu «fiat» ao desígnio de amor de Deus

59 Herdeira da esperança dos justos de Israel e primeira dentre os discípulos de Jesus Cristo é Maria, Sua Mãe.
Ela, com o Seu «fiat» ao desígnio de amor de Deus (cf. Lc 1, 38), em nome de toda a humanidade, acolhe na história o enviado do Pai, o Salvador dos homens.
No canto do «Magnificat» proclama o advento do Mistério da Salvação, a vinda do «Messias dos pobres» (cf. Is 11, 4; 61, 1).
O Deus da Aliança, cantado pela Virgem de Nazaré na exultação do Seu espírito, é Aquele que derruba os poderosos de seus tronos e exalta os humildes, sacia de bens os famintos e despede os ricos de mãos vazias, dispersa os soberbos e conserva a Sua misericórdia para aqueles que O temem (cf. Lc 1, 50-53).

Haurindo no coração de Maria, da profundidade da Sua fé expressa nas palavras do «Magnificat», os discípulos de Cristo são chamados a renovar cada vez melhor em si mesmos «a certeza de que não se pode separar a verdade a respeito de Deus que salva, de Deus que é fonte de toda a dádiva, da manifestação do seu amor preferencial pelos pobres e pelos humildes, amor que, depois de cantado no Magnificat, se encontra expresso nas palavras e nas obras de Jesus» [iv].

Maria, totalmente dependente de Deus e toda orientada para Ele, com o impulso da sua fé «é o ícone mais perfeito da liberdade e da libertação da humanidade e do cosmos» [v].


CAPÍTULO II

MISSÃO DA IGREJA E DOUTRINA SOCIAL

I. EVANGELIZAÇÃO E DOUTRINA SOCIAL

a) A Igreja, morada de Deus com os homens

60 A Igreja, partícipe das alegrias e esperanças, das angústias e das tristezas dos homens, é solidária com todo homem e a toda a mulher, de todo lugar e de todo tempo, e leva-lhes a Boa Nova do Reino de Deus, que com Jesus Cristo veio e vem em meio a eles [vi].

A Igreja é, na humanidade e no mundo, o sacramento do amor de Deus e, por isso mesmo, da esperança maior, que activa e sustém todo autêntico projecto e empenho de libertação e promoção humana. É, no meio aos homens, a tenda da companhia de Deus ― «o tabernáculo de Deus com os homens» (Ap 21, 3) ― de modo que o homem não se encontra só, perdido ou transtornado no seu empenho de humanizar o mundo, mas encontra amparo no amor redentor de Cristo.
Ela é ministra de salvação, não em abstracto ou em sentido meramente espiritual, mas no contexto da história e do mundo em que o homem vive [vii], onde o alcançam o amor de Deus e a vocação a corresponder ao projecto divino.

61 Único e irrepetível na sua individualidade, todo o homem é um ser aberto à relação com os outros na sociedade.
O conviver social na rede de relações que interliga indivíduos, famílias, grupos intermédios em relações de encontro, de comunicação e de reciprocidade, assegura ao viver uma qualidade melhor.
O bem comum que eles buscam e conseguem formando a comunidade social é garantia do bem pessoal, familiar e associativo [viii].

Por estas razões, se origina e toma forma a sociedade, com os seus componentes estruturais, ou seja, políticos, económicos, jurídicos, culturais.
Ao homem «enquanto inserido na complexa rede de relações das sociedades modernas» [ix], a Igreja dirige-se com a sua doutrina social.

«Perita em humanidade» [x], a Igreja é apta a compreendê-lo na sua vocação e nas suas aspirações, nos seus limites e nos seus apuros, nos seus direitos e nas suas tarefas, e a ter para ele uma palavra de vida que ressoe nas vicissitudes históricas e sociais da existência humana.

b) Fecundar e fermentar com o Evangelho a sociedade

62 Com o seu ensinamento social a Igreja entende anunciar e actualizar o Evangelho na complexa rede de relações sociais. Não se trata simplesmente de alcançar o homem na sociedade ― o homem qual destinatário do anúncio evangélico, - mas de fecundar e fermentar com o Evangelho a mesma sociedade [xi].

Cuidar do homem significa, para a Igreja, envolver também a sociedade na sua solicitude missionária e salvífica.
A convivência social, com efeito, não raro determina a qualidade da vida e, por conseguinte, as condições em que cada homem e cada mulher se compreendem a si próprios e decidem de si mesmos e da própria vocação.
Por esta razão, a Igreja não é indiferente a tudo o que na sociedade se decide, se produz e se vive, numa palavra, à qualidade moral, autenticamente humana e humanizadora, da vida social.
A sociedade e, com ela, a política, a economia, o trabalho, o direito, a cultura não constituem um âmbito meramente secular e mundano e portanto marginal e alheio à mensagem e à economia da salvação. Efectivamente, a sociedade ― com tudo o que nela se realiza ― diz respeito ao homem. É a sociedade dos homens, que são «a primeira e fundamental via da Igreja» [xii].

63 Com a sua doutrina social a Igreja assume a tarefa de anúncio que o Senhor lhe confiou.
Ela actualiza no curso da história a mensagem de libertação e de redenção de Cristo, o Evangelho do Reino.
A Igreja, anunciando o Evangelho, «testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua dignidade própria e sua vocação à comunhão de pessoas; ensina-lhe as exigências da justiça e da paz, de acordo com a sabedoria divina» [xiii].

Evangelho que, mediante a Igreja, ressoa no hoje do homem [xiv], a doutrina social é palavra que liberta.
Isso significa que tem a eficácia de verdade e de graça do Espírito Santo, que penetra os corações, dispondo-os a cultivar pensamentos e projetos de amor, de justiça, de liberdade e de paz.
Evangelizar o social é, pois, infundir no coração dos homens a carga de sentido e de libertação do Evangelho, de modo a promover uma sociedade à medida do homem porque à medida de Cristo: é construir uma cidade do homem mais humana porque mais conforme com o Reino de Deus.


[i] CONCÍLIO VATICANO II, const. past. Gaudium et Spes, n.º 39, AAS 58, 1966, p. 1057.
[ii] Cf. JOÃO PAULO II, carta encícl. Redemptor Hominis, n.º 13, AAS 71, 1979, p. 283-284.
[iii] Cf. JOÃO PAULO II, carta apost. Novo Millennio Ineunte, n.º 16-28, AAS 93, 2001, p. 276-285.
[iv] JOÃO PAULO II, carta encícl. Redemptoris Mater, n.º 37, AAS 79, 1987, p. 410.
[v] CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, instr. Libertatis Conscientia, n.º 97, AAS 79, 1987, p. 597.
[vi] Cf. CONCÍLIO VATICANO II, const. past. Gaudium et Spes, n.º l, AAS 58, 1966, p. 1025-1026.
[vii] Cf. CONCÍLIO VATICANO II, const. past. Gaudium et Spes, n.º 40, AAS 58, 1966, p. 1057-1059; JOÃO PAULO II, carta encícl. Centesimus Annus, n.os 53-54, AAS 83, 1991, p. 959-960; ID., carta encícl. Sollicitudo Rei Socialis, n.º 1, AAS 80, 1988, p. 513-514.
[viii] Cf. CONCÍLIO VATICANO II, const. past. Gaudium et Spes, n.º 32, AAS 58, 1966, p. 1051.
[ix] JOÃO PAULO II, carta encícl. Centesimus Annus, n.º 54, AAS 83, 1991, p. 859.
[x] PAULO VI, carta encícl. Populorum Progressio, n.º 13, AAS 59, 1967, p. 263.
[xi] Cf. CONCÍLIO VATICANO II, const. past. Gaudium et Spes, n.º 40, AAS 58, 1966, p. 1057-1059.
[xii] JOÃO PAULO II, carta encícl. Redemptor Hominis, n.º 14, AAS 71, 1979, p. 284.
[xiii] Catecismo da Igreja Católica, n.º 2419.
[xiv] Cf. JOÃO PAULO II, Homilia da Missa de Pentecostes no Centenário da Rerum Novarum

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