14/06/2017

Leitura espiritual

A CIDADE DE DEUS 

Vol. 2

LIVRO XV

CAPÍTULO XIII

Se no cálculo dos anos é de seguir a autoridade dos Hebreus de preferência à dos Setenta Intérpretes.

Mas quando isto afirmo, logo me replicarão que se trata de uma mentira dos Judeus, como acima já foi suficientemente relatado — pois os Setenta Intérpretes, varões celebrados com tantos louvores, não podiam ter mentido.

Se eu perguntar o que será mais de acreditar: 

que o povo dos Judeus, por toda a parte espalhado, tenha podido conspirar de com um acordo para consignar esta mentira e, por inveja aos outros, privar-se ele próprio da verdade,

ou que setenta homens, eles próprios judeus também, reunidos no mesmo lugar, porque Ptolom eu, rei do Egipto, os convocara para esse trabalho, tenham sentido inveja de comunicarem aos povos estrangeiros a própria verdade, e tenham procedido assim de com um acordo

— quem não verá o que se é levado a crer com mais facilidade? Longe de nós o pensamento de que um homem sensato admita que os Judeus tenham podido ter tal perversidade e tal malícia nos seus livros tão numerosos e tão difundidos por toda a parte, — ou que os setenta memoráveis varões tenham tido o mesmo desígnio de privar, por inveja, os povos da verdade.

Portanto, o que se poderá dizer com bastante credibilidade é que, quando se começaram a copiar os Setenta na biblioteca de Ptolomeu, se pôde cometer um erro deste género num único códice mas transcrito em primeiro lugar e, a partir daí, largam ente espalhado; podia, de facto, ter havido um erro de copista. E não é absurdo que isto se suspeite em relação à questão da vida de Matusalém; e o mesmo se diga naquele outro caso (de Lamech), em que, pela diferença de vinte e quatro anos, não concorda a soma.

Mas nos outros casos, em que se repete o que parece um erro, tais como:

antes do nascimento do filho que é intercalado na ordem, numa parte sobram cem anos e na outra faltam;

mas depois de nascer, onde faltavam, sobram, e onde sobravam, faltam, de maneira que as somas são iguais (e isto acontece na primeira, segunda, terceira, quarta, quinta e sétima geração):

— com o que parece que o erro seguiu um a constante, o que, mais do que casualidade, parece mostrar uma certa premeditação.

Portanto, estas divergências de números que se verificam nos códices hebreus por um lado, e nos códices gregos e latinos por outro lado, respeitantes aos cem anos acrescentados e depois tirados através de tantas gerações, não podem ser atribuídas nem à malícia dos Judeus nem à prudência e cálculo dos Setenta, mas a erro do primeiro copista que transcreveu o códice da biblioteca real. Mesmo agora, quando os números não reclamam uma atenção especial para algo que possa facilmente ser compreendido ou que se apresente com o de útil aprendizagem, pouco cuidado se põe na sua transcrição e menos ainda na sua
correcção. Quem, de facto, se pode julgar obrigado a saber quantos milhares de homens poderia ter cada tribo de Israel? Julgará alguém que isso não tem interesse — mas quantos haverá capazes de lhes ver a profunda utilidade?

Aqui, porém, — onde, através de tantas e emaranhadas gerações, ora se juntam ora se tiram cem anos, e depois do nascimento do citado filho faltam onde estavam e estão onde faltavam, de modo que a soma concorde quem isto escreveu parece querer persuadir-nos de que os antigos viveram tantos anos porque eles eram muito curtos. E tenta prová-lo pela maturidade da puberdade já capaz de gerar filhos. E naqueles cento e dez anos julgou insinuar aos incrédulos os nossos anos com receio de que não aceitassem que os homens tinham vivido tanto tempo:

acrescentou cem quando não encontrou idade apta para a geração;

e, para que a soma concordasse, tirou-os depois do nascimento dos filhos.

Desta maneira quis tornar aceitável a referência das idades aptas para a geração da prole, mas de forma que no número não falsificasse a idade total de cada um dos que existiam.

Mas o facto de não ter feito isto na sexta geração mostra bem que, quando o fez, foi pela razão indicada, não se verificando essa razão onde nada alterou. Efectivamente, encontrou nessa geração, segundo os Hebreus, que Jared, antes de gerar Henoc, viveu cento e sessenta e dois anos que, segundo o cômputo dos anos curtos, se reduzem a dezasseis anos e um pouco menos de dois meses. Esta idade já é apta para gerar e por isso é inútil acrescentar cem anos curtos para se perfazerem vinte e seis dos nossos, nem tirar depois de nascido Henoc os que não tinha acrescentado antes dele nascer. Assim, acontece que nenhuma divergência se encontra aqui entre os dois códices.

Mas surge de novo a questão: porque é que na oitava geração, antes de Lamech nascer de Matusalém, ao passo que nos Hebreus se lêem cento e oitenta e dois anos, se encontram menos vinte e dois nos nossos códices, onde habitualmente há cem a mais, e depois de nascido Lamech se restituem para completarem a soma que nos códices de uns e de outros não discorda? Se se tinha querido designar por cento e setenta anos os dezassete por causa da maturidade da puberdade, nada era preciso tirar nem acrescentar  pois se encontrara a idade apta para a geração de filhos: para a obter onde faltava é que se acrescentavam cem anos. Poder-se-ia ver nisto dos vinte anos um erro acidental se aquele que antes os tinha tirado não tivesse tido o cuidado de os acrescentar de novo a seguir para encontrar uma soma perfeita. Terem os, acaso, de pensar que foi com astúcia que assim se procedeu para encobrir a costumada habilidade de primeiro se juntarem cem e depois se retirarem, quando se fazia algo de semelhante onde não era preciso, não certam ente com cem anos mas com qualquer número tirado primeiro e acrescentado depois?

Entenda-se isto com o se quiser, acredite-se ou não que assim aconteceu, quer seja assim definitivamente quer não seja — quanto a mim, quando se encontra nos dois códices algum a divergência e não podem, um e outro, conformar-se com a verdade dos factos, não tenho a menor dúvida de que se procede rectamente se se der a preferência à língua donde a versão foi realizada por tradutores para outra língua. Mesmo em alguns códices — três gregos, um latino e um sírio, todos concordantes — verifica-se que Matusalém morreu seis anos antes do Dilúvio.


(cont)


(Revisão da versão portuguesa por ama)

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