04/05/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 16, 12-15

12 Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não as podeis compreender agora. 13 Quando vier, porém, o Espírito da Verdade, Ele vos guiará no caminho da verdade total, porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e anunciar-vos-á as coisas que estão para vir. 14 Ele Me glorificará, porque receberá do que é Meu e vo-lo anunciará. 15 Tudo quanto o Pai tem é Meu. Por isso Eu vos disse que Ele receberá do que é Meu e vo-lo anunciará.

Comentário:

O Espírito Santo não virá dizer-nos coisas diferentes das que Jesus Cristo nos disse.

Mas, então, porque se dará essa compreensão mas almas que em muitos casos, parece faltar aos que ouvem Jesus?

Porque traz consigo os seus Dons, nomeadamente os de ciência e de entendimento que abrirão as inteligências e ajudarão as almas a compreender e, compreendendo, a acreditar.


(ama, comentário sobre Jo 16, 12-15, 2013.05.26)



Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES


LIVRO DÉCIMO-TERCEIRO

CAPÍTULO XXII

Sentido místico da criação do homem

Assim, Senhor, nosso Deus e nosso Criador, quando os nossos afectos mundanos, que nos causam a morte porque nos faziam viver mal, se afastarem do amor do mundo, quando a nossa alma, vivendo bem, se tornar alma viva, e quando se cumprir a palavra que proferiste pela boca do teu Apóstolo: “Não vos conformeis com o mundo em que vivemos” – então seguir-se-á aquilo que acrescentaste imediatamente ao dizer: “Mas reformai-vos na novidade de vossa mente”. – E já não será “segundo a vossa espécie” – como se fosse imitar os nossos predecessores ou viver seguindo os exemplos de alguém melhor que nós. Não disseste: “Que o homem seja feito de acordo com a sua espécie” – mas “façamos o homem à nossa imagem e semelhança” – para que pudéssemos reconhecer a tua vontade. Para tanto, o divulgador do teu pensamento, que gerou filhos pelo Evangelho, não querendo que continuassem como crianças os que alimentara com leite e agasalhara no teu seio como uma ama, dizia: “Reformai-vos renovando o vosso coração, para discernir a vontade de Deus, que é bom, agradável e perfeito”. – Também não dizes: “Faça-se o homem” – mas “à nossa imagem e semelhança”. Aquele que é renovado no espírito, que compreende e conhece tua verdade, não mais carece que um outro lhe ensine a imitar a sua espécie. Graças às tuas lições, ele reconhece por si qual é a tua vontade, o que é bom, agradável e perfeito. Tu ensinas-lhe, pois agora é capaz deste ensinamento, a ver a Trindade da Unidade e a Unidade da Trindade. Eis por que, depois de falar no plural: “Façamos o homem” se diz no singular: “E Deus criou o homem”. Depois deste plural: “À nossa imagem” – este singular: “À imagem de Deus”. Assim o homem “se renova pelo conhecimento de Deus, à imagem do seu criador” – e “tornando-se espiritual, julga todas as coisas”, que certamente hão-de ser julgadas, “mas ele não é julgado por ninguém”.

CAPÍTULO XXIII

O julgamento do homem espiritual

Ele julga tudo, significa que tem autoridade sobre os peixes do mar, sobre os pássaros do céu, sobre os animais domésticos e selvagens, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que nela se arrastam. Exerce esse poder pela inteligência, pela qual percebe as coisas que são do Espírito de Deus. Mas, elevado a tão grande honra, o homem não entendeu a sua dignidade, igualou-se aos jumentos insensatos, tornando-se semelhante a eles.

Por isso, na tua Igreja, Senhor, pela graça que lhe concedeste – pois somos obra tua, e criados para obras boas, tanto os que governam como os que obedecem segundo o Espírito tem o dom de julgar. Porque assim fizeste a criatura humana homem e mulher, na tua graça espiritual, onde não há distinção conforme o sexo, nem judeu nem grego, nem escravo nem homem livre. Os espirituais, portanto, tanto os que presidem como os que obedecem, julgam espiritualmente. Eles não julgam conhecimentos espirituais que brilham no firmamento, pois não lhes cabe fazer juízos sobre tão sublime autoridade. Nem julgam a tua Escritura, mesmo nas suas passagens obscuras nós lhe submetemos a nossa inteligência, e temos certeza de que até aquilo que está oculto à nossa compreensão é justo e verdadeiro. O homem, pois, embora já espiritual e renovado pelo conhecimento, conforme a imagem do seu criador, deve ser cumpridor da lei, e não seu juiz. Nem pode ajuizar sobre o que distingue espirituais e carnais. Somente os teus olhos, meu Senhor, os distinguem, mesmo que nenhuma obra sua os tenha revelado a nós, para que os reconheçamos pelos seus frutos. Mas tu, Senhor, já os conheces e os classificaste, e os chamaste no segredo de teu pensamento, antes de ter criado o firmamento.

Tampouco julga, o homem espiritual, os povos inquietos deste mundo. De facto, porque julgaria ele os que estão fora, ignorando quem alcançará a doçura da tua graça, e quem permanecerá na eterna amargura da impiedade?

Por isso, o homem que criaste à tua imagem, não recebeu poder sobre os astros do céu, nem sobre o mesmo céu misterioso, nem sobre o dia e a noite que chamaste à existência antes da criação do céu, nem sobre a massa das águas, que é o mar. Mas recebeu poder sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre todos os animais, sobre toda a terra, e sobre tudo o que se arrasta pela superfície do solo.

Ele julga e aprova o que acha bom, e reprova o que acha mau, quer na celebração dos sacramentos, com que são iniciados os que na tua misericórdia tira das águas profundas, quer no banquete em que se serve o peixe tirado das profundezas para alimento da terra fiel; quer nas palavras e expressões sujeitas à autoridade do teu Livro que, semelhantes aos pássaros, voam sob o firmamento: interpretações, exposições, discussões, bênçãos e invocações que brotam sonoras da boca, para que o povo responda: Amém! É necessário que essas palavras sejam enunciadas fisicamente, por causa do abismo do mundo e da cegueira da carne que, impossibilitada de ver o pensamento, tem necessidade de sons que firam os ouvidos. Assim, sem dúvida é sobre a terra que as aves se multiplicam, embora tenham as suas origens na água.

O homem espiritual julga também aprovando o que acha correcto e reprovando o que é vicioso nas obras e nos costumes dos fiéis. Julga as suas esmolas, comparáveis aos frutos da terra; julga a alma viva pelas paixões domadas pela castidade, os jejuns, e pelos pensamentos piedosos, na medida em que essas coisas se manifestam aos sentidos do corpo. Em resumo, é juiz de tudo o que pode se corrigir.

CAPÍTULO XXIV

Crescei e multiplicai-vos

Mas que é isto? Que mistério é este? Abençoas os homens, Senhor, para que eles cresçam, se multipliquem, e encham a terra. Não queres nisto dar-nos a entender alguma coisa?

Por que não abençoaste também a luz, que chamaste dia, nem a terra, nem o mar? Eu diria, meu Deus, que nos criaste à tua imagem, diria que quiseste conceder especialmente ao homem esta bênção, se não tivesses abençoado igualmente os peixes e os cetáceos, para que cresçam, se multipliquem, encham as águas do mar, e os pássaros para que se multipliquem sobre a terra.

Afirmaria ainda que essa bênção foi reservada às espécies vivas que se reproduzem por meio de geração, caso a encontrasse também nas árvores, nas plantas, nos animais da terra. Mas não foi dito nem às plantas, nem às árvores, nem aos répteis: “Crescei e multiplicai-vos” – embora todas essas criaturas se multipliquem pela procriação, como os peixes, os pássaros e os homens, conservando assim a sua espécie.

Quer dizer, então, ó minha Luz, ó Verdade? Que tais palavras carecem de senso e foram ditas em vão? De nenhum modo, ó Pai de misericórdia. Longe de mim, longe do servidor do teu Verbo, uma tal afirmação! Apenas não compreendo o sentido dessas palavras, e espero que os melhores que eu, ou seja, os mais inteligentes, a entendam melhor, segundo a sabedoria que deste, meu Deus, a cada um. Que te agrade ao menos a confissão, que faço diante de ti, da minha certeza de que não disseste em vão aquelas palavras.

Não calarei as reflexões que, a leitura dessas palavras, me sugerem. O que penso é verdadeiro, e nada vejo que impeça de explicar assim os textos figurados dos teus livros. Sei que sinais corporais podem exprimir de vários modos uma ideia que o espírito concebe em um só sentido; uma ideia expressa de um só modo. Como exemplo, cito a simples ideia do amor de Deus e do próximo. Quantos símbolos, quantas línguas, e em cada uma, inúmeras locuções lhe dão uma expressão concreta! É assim que crescem e se multiplicam os peixes das águas.

E note ainda nisto, meu leitor. Há uma frase que a Escritura declara de uma só forma, e que a voz fala apenas dessa maneira: “No princípio criou Deus o céu e a terra” – E não pode a frase ser interpretada diversamente – descartando o erro ou o sofisma – conforme os diversos pontos de vista legítimos? É assim que crescem e se multiplicam as gerações dos homens!

Se consideramos a natureza das coisas, não alegoricamente, mas em sentido próprio, a sentença: “Crescei e multiplicai-vos” –aplica-se a todas as criaturas que nascem de uma semente. Se, ao contrário, a interpretamos em sentido figurado, como penso que foi a intenção da Escritura, que não limita inutilmente essa bênção aos peixes e aos homens, encontramos então multidões de criaturas espirituais e temporais, como no céu e na terra; de almas justas e injustas, como na luz e nas trevas; de escritores sagrados que nos anunciaram a Lei, como no firmamento estabelecido entre as águas; na sociedade amargurada dos povos, como no mar; no zelo das almas piedosas, como em terra enxuta; nas obras de misericórdia praticadas nesta vida, como nas plantas que nascem de semente e nas árvore frutíferas; nos dons espirituais concedidos para o bem de todos, como nos luminares do céu; nas paixões dominadas pela temperança, como na alma viva. Em todas essas coisas encontramos multidões, fecundidade, crescimento. Mas que esse crescimento e essa proliferação exprimam uma mesma ideia de vários modos e que uma só expressão possa ser entendida de muitas maneiras, esse facto, apenas o encontramos nos sinais sensíveis e nos conceitos intelectuais.

Os sinais corpóreos, originados da profundidade da nossa cegueira carnal, correspondem, segundo penso, às gerações das águas; os conceitos intelectuais, gerados pela fecundidade da inteligência, simbolizam, parece-me, as gerações humanas.

E é por isso, Senhor, que creio que disseste tanto às águas como aos homens: “Crescei e multiplicai-vos” – Nessa bênção, penso que nos deste a faculdade, o poder de formular de várias maneiras uma única ideia, e de compreender também de muitas maneiras uma expressão única, mas obscura.

É assim que as águas do mar se povoam, e não se moveriam sem as várias interpretações das palavras. É assim que a terra se povoa de gerações humanas; a sua aridez fecunda-se pela sua paixão da verdade, sob o poder da razão.

CAPÍTULO XXV

Os frutos da terra

Quero ainda dizer, Senhor meu Deus, o que me inspiram as palavras que seguem da tua Escritura. E o farei sem medo, porque direi a verdade; pois não vem de ti, por acaso, a inspiração do que queres que eu diga? Não creio que possa dizer a verdade se tu não me inspirares, pois tu és a própria verdade, e todo homem é mentiroso. Por isto, quem mente fala do que é seu. Logo, para falar a verdade, só falarei o que me inspiras.

Tu deste-nos para alimento todas as ervas que produzem semente e que cobrem a terra, e todas as árvores que contém em si, em germe, os seus frutos. E não foi somente a nós que deste esse alimento, mas também às aves do céu, aos animais da terra e aos répteis, mas não aos peixes e aos grandes cetáceos. Dizíamos que esses frutos da terra significam e representam alegoricamente as obras de misericórdia, que a terra fecunda produz para as necessidades desta vida. Era semelhante a uma terra assim o piedoso Onesíforo, cuja casa recebeu a graça da tua misericórdia, porque muitas vezes assistira a teu Paulo, sem se envergonhar por suas cadeias.

É o mesmo que fizeram os irmãos que, de Macedónia, lhe forneceram o que lhe era necessário, produzindo também abundante fruto. E contudo, o Apóstolo queixa-se de certas árvores que não lhe tinham dado o fruto devido, quando escreve: “na minha primeira defesa ninguém me assistiu; todos me abandonaram. Que isto não lhes seja imputado!” – Tais frutos são devidos aos que nos ministram doutrina racional, ajudando-nos a compreender os mistérios divinos. E nós lhes devemos exemplos de todas as virtudes; e também lhes devemos os frutos como a pássaros do céu, por causa das bênçãos que distribuem abundantemente sobre a terra, pois sua voz se fez ouvir por toda a terra.

(Revisão de versão portuguesa por ama)


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