Páginas

13/01/2018

Leitura espiritual

Jesus Cristo o Santo de Deus

Capítulo III

ACREDITAS?

A divindade de Cristo no Evangelho de S. João


2. Tu dás testemunho de Ti próprio

…/2

A característica da luz é ser luz para si própria, iluminar tudo, sem poder ser iluminada por nenhuma outra coisa. Pode somente resplandecer, na esperança de que haja olhos abertos para a receber.
«O verdadeiro sentido da resposta de Jesus é que a Sua afirmação encontra confirmação em si mesma.
Na realidade, a pretensão de ser luz não pode ser provada senão fazendo resplandecer a luz.
A finalidade de todo o Evangelho é precisamente esta: demostrar como a conduta de Cristo dá testemunho de si mesma; como as suas “obras” são luminosas» [i].
João Baptista dá testemunho da luz, sim, [ii] mas com uma pequena candeia que se tem acesa à espera da aurora e se retira logo que nasce o Sol.
E, de facto, ele retrai-se, dizendo:
«É necessário que Ele cresça e eu diminua» [iii].
Existe somente uma pessoa que pode dar testemunho de Jesus e que, de facto, Lho dá: o Pai.
Continuamente e de vários modos, o Pai dá testemunho de Cristo:
Com As Escrituras que falam dele; [iv]
Com as palavras que Lhe dá para proferir;
E as obras que Lhe dá para cumprir.
Mas tudo isto supõe uma condição para se poder tornar eficaz: Ter em Si a «palavra», ou «o amor do Pai», ou ser «de Deus», amar a luz, e querer fazer a Vontade de Deus. [v]
São todos modos variados de dizer a mesma coisa.

Todo o testemunho que vem de fora cairá no vazio, se não encontrar no coração alguma coisa capaz de o escutar e acolher.
A luz pode resplandecer quando queira, mas se os olhos que a devem receber se fecha diante dela, é como de facto se não resplandecesse.
Neste caso, o facto de haver alguém que não veja, não é sinal que a luz não existe, mas somente que esse alguém é cego.
Jesus pode mostrar a Sua divindade, a Sua origem vinda do alto; mas se faltar ou não funcionar o órgão que deve receber esta revelação, não haverá compreensão e não nascerá fé alguma.
Acontece como quando se fala com um estrangeiro que não conhece a linguagem de quem lhe fala.
As palavras chegam aos seus ouvidos, mas não têm sentido algum, não passando de meros sons.
Acontece o mesmo no contexto que Jesus pronunciou aquele «Eu Sou»; quase lutando contra esta situação de incomunibilidade que existe entre Ele e os Seus ouvintes, Ele diz:
«Porque não compreendeis a minha linguagem? É porque não sois capazes de ouvir a Minha palavra». [vi]

A resposta que emerge é sempre a mesma:
Alguns não têm em si a Palavra de Deus, e o sinal que não têm essa Palavra é precisamente o facto de não crerem. [vii]

Se fossem de Deus saberiam que Ele profere palavras de Deus.
É como se um homem, vindo de um país longínquo, encontrasse pessoas que dizem ter vindo daquele mesmo país.
Mas quando se dirige a essas pessoas, falando na linguagem pátria, eles não o compreendem.
É sinal evidente que mentiram e que não são do seu mesmo país; ora Ele sabe «de onde veio».

Essa mesma prova tiveram-na dolorosamente os Apóstolos depois da Páscoa. Diante da incredulidade do Sinédrio, Pedro declara:
«Somos testemunhas destes factos, nós e o Espírito Santo que Deus deu àqueles que Lhe obedecem». [viii]
Os Apóstolos chamam aqui «Espírito Santo» ao que Jesus chamava «a Palavra» ou «o amor do Pai», mas trata-se evidentemente da mesma realidade, ou seja, do correspondente íntimo de alguém que só pode permitir recolher o testemunho exterior, primeiramente de Jesus e agora dos Apóstolos.
O campo visual limita-se ao coração do homem; é aí que se decide quem será crente e quem não será crente.


3     «Como podeis vós acreditar?»

Mas, porque motivo não existe no nosso íntimo aquela «palavra» ou aquele Espírito que permite discernir que aquilo que Jesus diz de Si próprio é verdadeiro, e que Ele é verdadeiramente o Filhó de Deus?
É porventura Deus que nos discrimina e obceca, que predestina uns para a fé e outros para a incredulidade?
Sabemos que alguns, por exemplo Calvino, explicaram as coisas desse modo.
Mas, então, quem não crê, como poderia ser responsável e como poderia ser «julgado» pela Palavra de Jesus e pelas obras que pratica?
É verdade que o próprio São João escreve de alguns:
«Não podiam crer, pelo facto de Isaías ter dito: “Obcecou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos e não entendam com o coração, e se convertam e Eu os cure”» [ix]
Mas sabemos como são interpretados estes textos da Escritura; não no sentido de que Deus obceca ou endurece Ele próprios corações, mas que permite que o espírito seja obcecado e o coração empedernido, em consequência das livres opções e resistências do homem.
«Pois que – diz São Paulo – os homens não deram glória a Deus, mas desvaneceram-se nos seus pensamentos e desprezaram o conhecimento de Deus… por isso, Deus abandonou-os a um sentimento perverso» [x].

Quem é que obceca verdadeiramente o homem, é também São Paulo que o diz quando escreve:

«Se o nosso Evangelho permanece encoberto, isto é para aqueles que se perdem, aos quais o deus deste mundo cegou a mente incrédula para que não lhes resplandeça a luz do glorioso evangelho de Cristo que é imagem de Deus» [xi]

Também Santo Agostinho escreve que «Deus não abandona, se não for abandonado» [xii]

É claro que, com isto, resta sempre uma ponta de mistério no facto de que alguns creem e outros não, o que nos deve incutir um temor salutar.
Mas nós temos é que preocupar-nos com o que depende de nós, não com o que depende de Deus.
Sabemos, e isso nos basta, que Deus é sempre justo e recto naquilo que faz.

A propósito daquilo que depende de nós, o próprio Jesus apontou a raiz da qual nasce no homem a incredulidade, ou seja, porque é que o incrédulo «não pode crer:

«Como podeis crer – disse Ele – vós que recebeis a glória uns dos outros e não procurais a glória que vem só de Deus?» [xiii]
Ainda de outra vez, precisamente depois de ter recordado aquelas palavras de Isaías, o evangelista escreve:

«Apesar de tudo, creram nele também muitos dos chefes, mas não o confessavam abertamente por causa dos fariseus e para não serem expulsos da sinagoga; porque apreciavam mais a glória dos homens que a glória de Deus» [xiv]

Quem é, então, o inimigo da fé na divindade de Cristo?

A Razão?

Não, é o pecado e, precisamente, o pecado do orgulho, a procura da própria glória.
Quem está dominado pala procura da própria glória não pode crer, porque na fé não há lugar para a glória humana e não existe «originalidade».
Pelo contrário, para rer é preciso ajoelhar, obedecer a Deus, como dizia São Pedro [xv].
É verdade que quem crê «verá a glória de Deus» [xvi], mas é a glória de Deus e não a glória pessoal.
Crer é estar constantemente na dependência do absoluto, em constante avaliação do próprio nada.

Em consequência, a grande aliada da fé e o seu verdadeiro preambulum, é a humildade.
Deus escondeu a Sua divindade na humildade da carne e da Cruz.
Ninguém, portanto, a pode descobrir se não for humilde, se não se fizer pequeno.
É como se alguém procurasse uma coisa qualquer, tomando a direcção posta àquela em que ela está: nunca a encontrará.
Procurará em vão a divindade de Cristo todo aquele que não a procurar na humildade e com humildade.
O Pai – diz Jesus – escondeu estas coisas, e sobretudo o mistério da Sua Pessoa, aos sábios e entendidos e revelou-as aos pequeninos [xvii].

É preciso dizer que o orgulho tem um poderoso aliado nesta sua obra de obcecação, que é a impureza, a escravidão da matéria e, em geral, uma vida desordenada e indecorosa.
É o que afirma o Evangelista São João, recorrendo mais uma vez à imagem da luz:
«A luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque eram más as sua obras. Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reveladas» [xviii].
Não se fala aqui só da impureza da carne (luz é também o amor, e as trevas o ódio), mas certamente também se fala dela e é a experiência que o confirma.
A desordem moral apaga o Espírito, que é unicamente Quem permite discernir o testemunho exterior de Jesus e dos Apóstolos.
«Porque os instintos egoístas têm desejos contrários ao Espírito, e o Espírito contra os desejos egoístas.[xix]

(cont)

rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] C. H. Dodd, A Interpretação do IV Evangelho, Brescia, 1974, p. 260.
[ii] Jo 1,8
[iii] Jo 3,30
[iv] Jo 1,8
[v] Jo 5,38;5,41;7,17;8,47
[vi] Jo 8,43
[vii] Jo 5,38
[viii] At 5,32
[ix] Jo 13,39-40; Is 9,9sss.
[x] Rm 1,21.28
[xi] 2Cor 4,3-4
[xii] Santo Agostinho, De Natura et Gratia, 26,29 (CSEI. 5,255): «Non deserit si non deseratur».
[xiii] Jo 5,44
[xiv] Jo 12,43-44
[xv] Act 5,32
[xvi] Jo 11,40
[xvii] Cfr. Mt 11,25
[xviii] Jo3,19-20
[xix] Gl 5,17

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.