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25/07/2020
Leitura espiritual
"Christus vivit": Exortação Apostólica aos Jovens
Capítulo VIII
A VOCAÇÃO
O amor e a família
259. Os jovens sentem fortemente a chamada ao amor e sonham encontrar a pessoa certa com quem formar uma família e construir uma vida juntos.
Sem dúvida, é uma vocação que o próprio Deus propõe através dos sentimentos, anseios, sonhos.
Debrucei-me largamente sobre este tema na Exortação Apostólica Amoris laetitia, convidando todos os jovens a lerem especialmente os capítulos IV e V.
260. Apraz-me pensar que «dois cristãos que casam reconheceram na sua história de amor a chamada do Senhor, a vocação a formar de duas pessoas, varão e mulher, uma só carne, uma só vida.
E o sacramento do Matrimónio corrobora este amor com a graça de Deus, arraigando-o no próprio Deus.
Com este dom, com a certeza desta vocação, é possível começar com segurança, sem medo de nada, para, juntos, enfrentar tudo!»[1]
261. Neste contexto, lembro que Deus nos criou sexuados.
Ele próprio «criou a sexualidade, que é um presente maravilhoso para as suas criaturas»[2].
Dentro da vocação para o matrimónio, devemos reconhecer, agradecidos, que «a sexualidade, o sexo são um dom de Deus.
Sem tabus.
São um dom de Deus, um dom que o Senhor nos dá.
E fá-lo com dois propósitos: amar-se e gerar vida.
É uma paixão, é o amor apaixonado.
O verdadeiro amor é apaixonado.
O amor entre um homem e uma mulher, quando é apaixonado, leva-te a dar a vida para sempre.
Sempre.
E a dá-la com corpo e alma»[3].
262. O Sínodo destacou que «a família continua a ser o principal ponto de referência para os jovens.
Os filhos apreciam o amor e os cuidados recebidos dos pais, tomam a peito os laços familiares e esperam conseguir, por sua vez, formar uma família.
Sem dúvida, o aumento de separações, divórcios, segundas uniões e famílias monoparentais pode causar grandes sofrimentos e crises de identidade nos jovens.
Por vezes, têm de assumir responsabilidades desproporcionadas para a sua idade, forçando-os a tornar-se adultos antes do tempo.
Muitas vezes, os avós prestam uma contribuição decisiva no afecto e na educação religiosa: com a sua sabedoria, são um elo decisivo na relação entre gerações»[4].
263. Estas dificuldades, encontradas na família de origem, levam certamente muitos jovens a interrogar-se se vale a pena formar uma nova família, ser fiéis, ser generosos.
Quero dizer-vos que sim, que vale a pena apostar na família e que nela encontrareis os melhores estímulos para amadurecer e as mais belas alegrias para partilhar.
Não deixeis que vos roubem a possibilidade de amar a sério.
Não permitais que vos enganem quantos vos propõem uma vida desenfreada e individualista que acaba por levar ao isolamento e à pior solidão.
264. Reina hoje a cultura do provisório, que é uma ilusão. Julgar que nada pode ser definitivo é um engano e uma mentira.
Muitas vezes ouvis dizer que «hoje o casamento está “fora de moda” (…).
Na cultura do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é “curtir” o momento, que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas definitivas (…).
Em vez disso, peço-vos para serdes revolucionários, peço-vos para irdes contracorrente; sim, nisto, peço que vos rebeleis: que vos rebeleis contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vós não sois capazes de assumir responsabilidades, crê que vós não sois capazes de amar de verdade»[5].
Ao contrário, eu tenho confiança em vós e, por isso, vos encorajo a optar pelo matrimónio.
265. É necessário preparar-se para o matrimónio; isto requer educar-se a si mesmo, desenvolver as melhores virtudes, sobretudo o amor, a paciência, a capacidade de diálogo e de serviço.
Implica também educar a própria sexualidade, para que seja sempre menos um instrumento para usar os outros, e cada vez mais uma capacidade de se doar plenamente a uma pessoa, de maneira exclusiva e generosa.
266. Ensinam os bispos da Colômbia que «Cristo sabe que os esposos não são perfeitos e que precisam superar a sua fragilidade e inconstância para que o seu amor possa crescer e durar no tempo.
Por isso, concede aos esposos a sua graça que é, simultaneamente, luz e força que lhes permite realizar o seu projecto de vida conjugal de acordo com o plano de Deus»[6].
267. Àqueles que não são chamados ao matrimónio nem à vida consagrada, devemos sempre lembrar-lhes que a primeira e a mais importante vocação é a baptismal.
As pessoas não casadas, mesmo que não o sejam por opção, podem tornar-se de modo particular testemunhas da vocação baptismal no seu caminho de crescimento pessoal.
O trabalho
268. Os bispos dos Estados Unidos da América deixaram claro que frequentemente a juventude, uma vez atingida a maioridade, «marca a entrada duma pessoa no mundo do trabalho.
“Que fazes para viver?” é tema constante de conversa, porque o trabalho é uma parte muito importante da sua vida.
Para os jovens adultos, esta experiência é muito fluida, porque passam dum emprego para outro e mesmo duma carreira para outra.
O trabalho pode definir o uso do tempo e determinar o que se pode fazer ou comprar.
E pode determinar também a qualidade e a quantidade de tempo livre.
O trabalho define e influi na identidade e noção de si mesmo que tem um jovem adulto, sendo um lugar fundamental onde se desenvolvem as amizades e outras relações, porque habitualmente não se trabalha sozinho. Homens e mulheres jovens falam do trabalho como cumprimento duma função e como algo que lhes proporciona um sentido.
Aquele permite aos jovens adultos satisfazer as suas necessidades práticas e - mais importante ainda - procurar o significado e a realização dos seus sonhos e visões.
Ainda que o trabalho não ajude a alcançar os seus sonhos, resta importante para os adultos jovens poder cultivar uma visão, aprender a trabalhar de maneira realmente pessoal e satisfatória para a sua vida e continuar a discernir a chamada de Deus»[7].
269. Peço aos jovens que não esperem viver sem trabalhar, dependendo da ajuda dos outros.
Isto não faz bem, porque «o trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de amadurecimento, desenvolvimento humano e realização pessoal.
Neste sentido, ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências»[8].
Assim, «a espiritualidade cristã, a par da admiração contemplativa das criaturas que encontramos em São Francisco de Assis, desenvolveu também uma rica e sadia compreensão do trabalho, como podemos encontrar, por exemplo, na vida do Bem-Aventurado Carlos de Foucauld e seus discípulos»[9].
270. O Sínodo salientou que o mundo do trabalho é uma área onde os jovens «experimentam formas de exclusão e marginalização.
A primeira e a mais grave é o desemprego juvenil, que, nalguns países, atinge níveis exorbitantes.
Além de os empobrecer, a falta de trabalho rescinde nos jovens a capacidade de sonhar e esperar, e priva-os da possibilidade de contribuir para o desenvolvimento da sociedade.
Em muitos países, esta situação depende do facto de alguns sectores da população juvenil carecerem de competências profissionais adequadas, devido também aos deficits do sistema educacional e formativo.
Muitas vezes, a precariedade ocupacional que aflige os jovens deve-se aos interesses económicos que exploram o trabalho»[10].
271. É uma questão muito delicada que a política deve considerar como prioritária, sobretudo hoje que a velocidade dos avanços tecnológicos, aliada à obsessão de reduzir os custos laborais, pode levar rapidamente à substituição de inúmeros postos de trabalho por máquinas.
Trata-se de uma questão fundamental da sociedade, porque o trabalho, para um jovem, não é simplesmente uma actividade para ganhar dinheiro.
É expressão da dignidade humana, é caminho de amadurecimento e inserção social, é um estímulo constante para crescer em responsabilidade e criatividade, é uma protecção contra a tendência para o individualismo e a comodidade, e serve também para dar glória a Deus com o desenvolvimento das próprias capacidades.
272. Nem sempre um jovem tem a possibilidade de decidir a que vai dedicar os seus esforços, em que tarefas vai empregar as suas energias e a sua capacidade de inovação. Com efeito, aos próprios desejos e mesmo às próprias capacidades e discernimento que a pessoa pode maturar, sobrepõem-se os duros limites da realidade.
É verdade que não podes viver sem trabalhar e que, às vezes, tens de aceitar o que encontras, mas nunca renuncies aos teus sonhos, nunca enterres definitivamente uma vocação, nunca te dês por vencido.
Continua sempre a procurar, ao menos, modalidades parciais ou imperfeitas de viver aquilo que, no teu discernimento, reconheces como uma verdadeira vocação.
273. Quando alguém descobre que Deus o chama para uma coisa concreta, que está feito para isso - enfermagem, carpintaria, comunicação, engenharia, ensino, arte ou qualquer outro trabalho -, então será capaz de fazer desabrochar as suas melhores capacidades de sacrifício, generosidade e dedicação.
O facto de uma pessoa saber que não faz as coisas por fazer, mas com um significado, como resposta a uma chamada - que ressoa nas profundezas do seu ser - para contribuir com algo para o bem dos outros, isto faz com que estas actividades dêem ao próprio coração uma particular experiência de plenitude. Assim o diz o livro bíblico do Eclesiastes: «Reconheci que não há felicidade maior para o homem do que alegrar-se com as suas obras» (3, 22).
Franciscus
Revisão da versão portuguesa por AMA
Notas
[1] Francisco, Encontro com os jovens da Úmbria (Assis 4 de Outubro de 2013): AAS 105 (2013), 921.
[2] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19 de Março de 2016), 150: AAS 108 (2016), 369.
[3] Francisco, Audiência a jovens da diocese de Grenoble-Viena (17 de Setembro de 2018): L’Osservatore Romano(19/IX/2018), 8.
[4] DF32.
[5] Francisco, Encontro com os voluntários da XXVIII Jornada Mundial da Juventude (Rio de Janeiro 28 de Julho de 2013): Insegnamenti, I,2 (2013), 125.
[6] Conferência Episcopal da Colômbia, Mensagem cristã sobre o Matrimónio (14 de maio de 1981).
[7] Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos , Filhos e filhas da luz: Um plano pastoral para o ministério com jovens adultos (12 de Novembro de 1996), I, 3.
[8] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de Maio de 2015), 128: AAS 107 (2015), 898.
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