Páginas

29/04/2016

Publicações Abr 29

Publicações Abr 29

São Josemaria – Textos

Apostolado, Beato Álvaro del Portillo, Dificuldades

AMA - Reflexão - Ano Jubilar da Misericórdia

AMA - Comentários ao Evangelho Mt 11 25-30, Confissões - Santo Agostinho

CIC – Compêndio

Enfrentar a morte 2

Apostolado

AT – Génesis


Agenda Sexta-Feira

Os demónios do apostolado 5

 
5. Pregar problemas e não certezas

Este demónio leva a confundir os distintos níveis e momentos do apostolado da palavra. Há momentos e públicos em que o que se espera é uma conversa ou uma palestra sobre alguma questão em discussão, conjecturas, opiniões e problemas de Igreja. Mas, em se tratando da catequese, da homilia, da pregação missionária, é necessário sempre transmitir a mensagem cristã, que é a mensagem de Cristo, em toda a sua integridade. Neste âmbito, as pessoas esperam receber as certezas da fé para renovar a própria vida. Elas não esperam e nem querem que as suas questões e perguntas lhes sejam devolvidos sem resposta. Muito menos querem que se repitam relatos de conflitos e de problemas, sem estarem iluminados com as certezas da fé. A essência da evangelização é anunciar uma mensagem e não problemas. Estes podem ser anunciados, mas só como ponto de partida. Trata-se de anunciar certezas e não conjecturas ou opiniões pessoais.

As causas desta tentação podem ser várias: uma poderia ser a falta de critério, de experiência ou de discernimento por parte do apóstolo; outra, a tendência em projectar o seu estado interior. Ora, quando se vacila em relação a convicções, quando a vida cristã é mais um conjunto de problemas e de perguntas do que de certezas, a tendência é transmitir isso aos outros. O ditado antigo que diz: “a boca fala do que o coração está cheio”, aplica-se ao apostolado ao pé da letra.

A comunidade cristã edifica-se basicamente sobre a fé, a esperança e a caridade dos seus membros. Ela não se edifica sobre as dúvidas, as confusões e as problemáticas compartilhadas.

Fonte: prebíteros

(revisão da versão portuguesa por ama)


Este texto é um extracto do livro do teólogo chileno segundo galilea, Tentación y Discernimiento, Narcea, Madrid 1991, p. 29-67.

Doutrina – 127

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

Compêndio


PRIMEIRA PARTE: A PROFISSÃO DA FÉ
SEGUNDA SECÇÃO: A PROFISSÃO DA FÉ CRISTÃ

O CREDO

Símbolo dos Apóstolos

Creio em Deus, Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra;
E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor que foi concebido pelo poder do Espírito Santo;
Nasceu da Virgem Maria;
Padeceu sob Pôncio Pilatos;
Foi crucificado, morto e sepultado;
Desceu à mansão dos mortos;
Ressuscitou ao terceiro dia;
Subiu aos Céus;
Está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso,
De onde há-de vir a julgar os vivos e os mortos.

Creio no Espírito Santo;
Na santa Igreja Católica;
Na comunhão dos Santos;
Na remissão dos pecados;
Na ressurreição da carne;

E na vida eterna. Ámen

Reflexão no Ano Jubilar da Misericórdia – 4

 [i]

Próximos do próximo

A vítima dos ladrões 

Sou um judeu natural de Jerusalém mas, no exercício da minha actividade desloco-me a várias povoações de Israel, nomeadamente Jericó.

O que faço?
Bem… sou um cobrador de impostos, o que chamam depreciativamente: um Publicano.

Não tenho muitos amigos… na verdade… não tenho sequer alguém a quem possa chamar: AMIGO!

A princípio incomodava-me muito a forma suspeitosa e, até, o desprezo com que me tratam e, tenho de reconhecer, que um cobrador de impostos – sobretudo quando os impostos são cobrados em nome do invasor da nossa Pátria – não pode esperar outra coisa dos seus conterrâneos. Mas… é a minha vida… que hei-de eu fazer!

Acordei hoje manhã, já um pouco tarde, numa estalagem.
Levei algum tempo a lembrar-me de quanto acontecera na véspera.
Como que em cenas pouco nítidas vi-me no caminho de Jericó para Jerusalém com os alforges da minha montada, carregados com o produto da cobrança. Sou assaltado por uns meliantes – três, parece-me – e tentai defender-me como pude, só que eles não me deram tréguas e, talvez por se aperceberem quem eu era, atacaram-me com tal violência que fiquei prostrado no caminho.

Não sei quanto tempo ali fiquei inconsciente e cheio de dores dos golpes sofridos. Lembro-me vagamente de alguém que se aproximou de mim e me prestou assistência, tratou como pode as minhas numerosas feridas deitando-lhes azeite e vinho. [1]

Nisto, o estalajadeiro aparece no meu quarto e pergunta-me como me sinto.

Fico a olhar para ele.
Como se percebesse da minha confusão conta-me o que aconteceu, como tinha chegado na noite anterior trazido por um Samaritano – o mesmo que me encontrara prostrado no caminho – que tratara de mim e me instalara na cama.
Tinha partido há pouco mas dissera que voltaria passados dois dias.

Na minha surpresa, perguntei:
‘Mas tens a certeza que era um Samaritano?’

Compreendo a tua surpresa pois, na verdade, também eu fiquei atónito.

Disse-lhe:
‘Eu sou um Publicano e fui roubado e espoliado de quanto trazia, não sei como vou pagar-te a minha estadia.’

‘Não te preocupes com isso – responde-me – o teu “salvador” deixou-me dinheiro para cuidar de ti e até me disse que se o que me deixou não fosse suficiente no seu regresso me pagaria o que faltasse.’

Quando o estalajadeiro saiu do meu quarto não pude deixar de pensar no estranho e insólito e toda a situação. Como era possível? Um Samaritano e um Judeu, ainda por cima, Publicano?

Na minha vida tenho cometido alguns – talvez bastantes – erros. Sobretudo abusos nas cobranças aproveitando-me das circunstâncias para guardar para mim uma boa parte. Isto nunca me incomodou… afinal é o que fazem todos os Publicanos!

Bem sei que há pouco tempo atrás, um colega, nos surpreendera a todos quando resolvera abandonar a profissão que exercia precisamente em Jericó e devolver aos lesados o quádruplo do que se apropriara e, como se não bastasse, oferecera aos pobres metade do que possuía. Aliás circulava uma história sobre um encontro com um tal Jesus da Galileia a quem oferecera um banquete depois do que passou a fazer parte do grupo dos que o seguiam por todo o lado. [2]
Mas, confesso, não dei muita importância ao assunto.

Agora, porém, parece que um incómodo estranho está a revirar-me as entranhas e começo a pensar que logo que possível tenho de encontrar-me com ele para que me conte quanto aconteceu.

Conheço-o bem e, se ele, tomou tais decisões é porque algo muito especial aconteceu e, conhecendo-o como conheço, só posso concluir que terá escolhido uma vida muitíssimo melhor que a que tinha antes.

Estando assim decidido, parece que as dores no meu corpo abrandaram e voltei a adormecer.

(ama, reflexões no Ano Jubilar da Misericórdia – 4)



[1] Cfr. Lc 10, 33-35
[2]Cfr. Lc 19, 1-10




[i] Lc 10, 25-27

Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Lucas poderia ser o Evangelho “oficial” do Ano Jubilar da Misericórdia.

De facto, aparte a magistral descrição da parábola proferida por Jesus Cristo, a beleza do texto, a economia das palavras, o ritmo da descrição – características deste Evangelista – põem-nos perante um autêntico quadro ou, melhor, perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e excitando os nossos sentidos.

São Josemaria recomendou: aconselho-te a que, na tua oração, intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais. [i]

É isso mesmo que me proponho fazer.

Sob o Título: “Próximos do próximo (sugerido por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo.

Antigo testamento / Génesis

Génesis 29

Jacob chega a Padan-Arã

1 Então Jacob seguiu viagem e chegou à Mesopotâmia.

2 Certo dia, olhando em redor, viu um poço no campo e três rebanhos de ovelhas deitadas por perto, pois os rebanhos bebiam daquele poço, que era tapado por uma grande pedra.

3 Por isso, quando todos os rebanhos se reuniam ali, os pastores rolavam a pedra da boca do poço e davam água às ovelhas. Depois recolocavam a pedra no seu lugar, sobre o poço.

4 Jacob perguntou aos pastores: "Meus amigos, de onde são vocês?"
"Somos de Harã", responderam.

5 "Vocês conhecem Labão, neto de Naor?", perguntou-lhes Jacob.
Eles responderam: "Sim, nós o conhece­mos".

6 Então Jacob perguntou: "Ele está bem?"
"Sim, está bem", disseram eles, "e ali vem sua filha Raquel com as ovelhas."

7 Disse ele: "Olhem, o sol ainda vai alto e não é hora de recolher os rebanhos. Deem de beber às ovelhas e levem-nas de volta ao pasto".

8 Mas eles responderam: "Não podemos, enquanto os rebanhos não se agruparem e a pedra não for removida da boca do poço. Só então daremos de beber às ovelhas".

9 Ele ainda estava conversando, quando chegou Raquel com as ovelhas de seu pai, pois ela era pastora.

10 Quando Jacob viu Raquel, filha de Labão, irmão de sua mãe, e as ovelhas de Labão, aproximou-se, removeu a pedra da boca do poço e deu de beber às ovelhas do seu tio Labão.

11 Depois Jacob beijou Raquel e começou a chorar bem alto.

12 Então contou a Raquel que era parente do pai dela e filho de Rebeca. E ela foi correndo contar tudo ao seu pai.

13 Logo que Labão ouviu as notícias acerca de Jacob, seu sobrinho, correu ao seu encontro, abraçou-o e o beijou. Depois, levou-o para casa, e Jacob contou-lhe tudo o que havia ocorrido.

14 Então Labão disse-lhe: "Tu és sangue do meu sangue".
Já fazia um mês que Jacob estava na casa de Labão, quando este lhe disse: "Só por seres meu parente tu vais trabalhar de graça? Diz-me qual deve ser o teu salário".

Jacob casa com Leia e Raquel

16 Ora, Labão tinha duas filhas; o nome da mais velha era Lia, e o da mais nova, Raquel.

17 Lia tinha olhos meigos, mas Raquel era bonita e atraente.

18 Como Jacob gostava muito de Raquel, disse: "Trabalharei sete anos em troca de Raquel, sua filha mais nova".

19 Labão respondeu: "Será melhor dá-la a ti do que a algum outro homem. Fica aqui comigo".

20 Então Jacob trabalhou sete anos por Raquel, mas lhe pareceram poucos dias, pelo tanto que a amava.

21 Então disse Jacob a Labão: "Entregue-me a minha mulher. Cumpri o prazo previsto e quero deitar-me com ela".

22 Então Labão reuniu todo o povo daquele lugar e deu uma festa.

23 Mas, quando a noite chegou, deu sua filha Lia a Jacob, e Jacob deitou-se com ela.

24 Labão também entregou a sua serva Zilpa à sua filha, para que ficasse a serviço dela.

25 Quando chegou a manhã, lá estava Lia. Então Jacob disse a Labão: "Que foi que me fez? Eu não trabalhei por Raquel? Porque me enganou?"

26 Labão respondeu: "Aqui não é costume entregar em casamento a filha mais nova antes da mais velha.

27 Deixa passar esta semana de núpcias e dar-te-emos também a mais nova, em troca de mais sete anos de trabalho".

28 Jacob concordou. Passou aquela semana de núpcias com Lia, e Labão deu-lhe a sua filha Raquel por mulher.

29 Labão deu a Raquel a sua serva Bila, para que ficasse a serviço dela.

30 Jacob deitou-se também com Raquel, que era a sua preferida. E trabalhou para Labão outros sete anos.

Os filhos de Jacob

31 Quando o Senhor viu que Lia era desprezada, concedeu-lhe filhos; Raquel, porém, era estéril.

32 Lia engravidou, deu à luz um filho e deu-lhe o nome de Rúben, pois dizia: "O Senhor viu a minha infelicidade. Agora, certamente o meu marido amar-me-á".

33 Lia engravidou de novo e, quando deu à luz outro filho, disse: "Porque o Senhor ouviu que sou desprezada, deu-me também este". Pelo que o chamou Simeão.

34 De novo engravidou e, quando deu à luz mais um filho, disse: "Agora, finalmente, o meu marido apegar-se-á a mim, porque já lhe dei três filhos". Por isso deu-lhe o nome de Levi.

35 Engravidou ainda outra vez e, quando deu à luz mais outro filho, disse: "Desta vez louvarei o Senhor". Assim deu-lhe o nome de Judá. Então parou de ter filhos.

(Revisão da versão portuguesa por ama)


Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia o pai, servia a ela,
e a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando-se com vê-la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se não a tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
dizendo: Mais servira, se não fora
pera tão longo amor tão curta a vida!

(Luís de Camões)






Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Mt 11, 25-30

25 Então Jesus, falando novamente, disse: «Eu Te louvo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e aos prudentes, e as revelaste aos pequeninos. 26 Assim é, ó Pai, porque assim foi do Teu agrado. 27 «Todas as coisas Me foram entregues por Meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai; nem ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar. 28 «Vinde a Mim todos os que estais fatigados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. 29 Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. 30 Porque o Meu jugo é suave, e o Meu fardo leve».

Comentário:

Acaso já pensámos que de facto somos esses "pequeninos" que o Senhor refere no Evangelho aos quais revela e mostra as verdades da fé, dando a conhecer o Pai?

Chegando a esta conclusão é natural e lógico que nos enchamos de alegria e demos frequentes graças por sermos como somos – como devemos ser – filhos pequenos que precisam de tudo.

(ama, comentário sobre Mt 11, 25-30, Lisboa, 2015.11.02)


Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES

CAPÍTULO XXVIII

Divergências

Para outros essas palavras não são um ninho, mas um vergel (jardim) ensombrado onde descobrem frutos ocultos que procuram e colhem, voando e cantando alegremente.

Quando leem ou ouvem as palavras de Moisés, veem que a tua estável e eterna permanência, ó Deus, domina todos os tempos passados e futuros, e por isso não existe criatura corpórea que não seja obra tua. Veem que a tua vontade, confundindo-se com o teu ser, criou todas as coisas sem sofrer modificação, sem que nasça nela uma decisão nova, que não existisse antes; que criaste o mundo, não tirando da tua substância uma imagem tua, forma substancial de toda a realidade, mas tirando do nada uma matéria informe, diferente de ti mesmo; e esta poderia ser formada à tua imagem pela volta à tua Unidade, segundo a medida previamente estabelecida e concedida a cada ser, de acordo com sua espécie. Veem assim que todas as obras da criação são excelentes, ou porque permanecem próximas a ti, ou porque, afastadas de ti no tempo e no espaço, fazem ou sofrem as admiráveis variedades do mundo. Reconhecem essas coisas, e por isso se alegram na luz da tua verdade, à medida que o podem com as suas forças terrenas.

Outros, reflectindo o sentido destas palavras: “No princípio criou Deus...” – vê no princípio a Sabedoria, porque também ela nos fala.

Outro, ao considerar as mesmas palavras, entende por princípio o começo da criação, e a expressão: “Deus criou no princípio” significa para ele: “Deus primeiramente fez”. E entre os mesmos que por princípio entendem que Deus criou na sua Sabedoria o céu e a terra, um acredita que céu e terra designam a matéria da qual o céu e a terra foram criados; outro pensa que a expressão se aplica a naturezas já formadas e distintas; outro sustenta que a palavra céu significa natureza formada e espiritual, a terra, a natureza informe e material.

Aqueles porém que entendem por céu e terra a matéria ainda informe, com a qual viriam a ser formados o céu e a terra, não têm unanimidade: um concebe essa matéria como origem comum das criaturas sensíveis e espirituais, outro apenas como fonte de massa sensível e corpórea, contendo no seu vasto seio todas as realidades visíveis, oferecidas aos nossos sentidos.

Tampouco são unânimes os que creem que nesse texto céu e terra se referem às criaturas já formadas e dispostas; um acredita que se trata do mundo invisível e visível; outro, apenas do mundo visível, onde se contempla o céu luminoso e a terra tenebrosa, com tudo o que eles contêm.

CAPÍTULO XXIX

Dificuldades

Mas quem interpreta a palavra: “No princípio criou...” como se ela quisesse dizer:
“Primeiramente Deus criou...” – apenas pode entender, por céu e terra, se quiser se manter coerente à verdade, a matéria do céu e da terra, isto é, da criação universal, tanto espiritual como material.

Pois, se quiser referir-se com isso a um universo já inteiramente formado, seríamos levados a indagar-lhe: “Se Deus criou isso antes, o que criou depois?” – Depois de ter criado tudo, não encontrará mais nada para criar e, gostando ou não, ouvirá a pergunta: “Como é possível que Deus tenha criado isso primeiro, se nada criou depois?”

Se ele quer significar que Deus criou primeiro a matéria informe, e depois lhe deu forma, já não é uma tese absurda, desde que seja capaz de discernir a prioridade na eternidade, no tempo, na escolha, na origem. Na eternidade: Deus antecede todas as coisas; no tempo: a flor precede o fruto; na escolha: o fruto vale mais do que a flor; na origem: o som precede o canto.

Dessas quatro prioridades, a primeira e a última dificilmente se compreendem, enquanto é bem fácil entender as outras duas. É de facto raro e difícil conceber a tua eternidade criando, mas conservando-se imutável, as coisas mutáveis e, por isso, antecedendo-as. E precisa de ter uma inteligência penetrante para compreender, sem grande esforço, como o som antecede o canto, uma vez que o canto é o som organizado; e uma coisa pode muito bem existir sem forma, mas o que não existe não pode receber forma. Assim, a matéria é anterior ao que dela se forma e não porque a sua causa seja eficiente, pois também é objecto da criação; nem tampouco porque lhe seja anterior no tempo. De facto, não emitimos num primeiro instante, sons desarticulados e informes, para depois os ligarmos e formar uma melodia e um canto, como se faz com a madeira e a prata ao fabricarmos uma arca ou um vaso.

Com efeito, essas matérias precedem no tempo os objectos que delas são feitos. Mas com o canto não é assim. Quando se canta ouve-se o som do canto: não há em primeiro lugar sons desorganizados, que depois assumem a forma de canto. Logo que ele soa, o som desvanece-se, e não deixa de si nada que se possa coordenar com arte. Por conseguinte, o canto é formado de sons: o som é a sua matéria e, para se transformar em canto, recebe uma forma. A prioridade não se fundamenta num poder criador, porque o som não é o artífice do canto, mas é apenas posto pelo corpo à disposição da alma do cantor, para que dele faça um canto. Nem se trata de prioridade temporal: o som é produzido ao mesmo tempo que o canto. Tampouco se trata de prioridade de escolha: o som não é superior ao canto, pois o canto nada mais é que som, mas um som bonito. Trata-se apenas de uma prioridade de origem, pois o canto não recebe forma para se tornar som, mas o som para se tornar canto.

Compreende-se por esse exemplo, que a matéria das coisas foi criada antes, e chamada céu e terra, porque dela foram formados o céu e a terra. Não foi criada antes em sentido cronológico, porque o tempo só tem início com a forma das coisas; ora, a matéria era informe, e tornou-se perceptível juntamente com o tempo. Todavia, não se pode mencionar nada dessa matéria a não ser alguma prioridade temporal, embora ocupe a última posição na escala de valores, pois o que tem forma é evidentemente superior ao que é informe. Ou que foi precedida pela eternidade do Criador, que a fez para que fossem feitas do nada todas as coisas.

CAPÍTULO XXX

Espírito de caridade

Nessa diversidade de opiniões verdadeiras, que da própria verdade brote a concórdia! Que o nosso Deus tenha compaixão de nós, para que usemos legitimamente da lei segundo o preceito que tem por fim a pura caridade.

Por isso, se me perguntarem qual dessas opiniões foi a do teu servo Moisés, eu não seria coerente com as minhas confissões se não te confessasse que o ignoro.

Sei, contudo, que essas opiniões são verdadeiras, a não meras interpretações materialistas, sobre as quais já disse tudo o que pensava. São como meninos esperançosos aqueles que não temem as palavras do teu Livro, tão profundas na sua humildade, tão eloquentes na sua concisão. Mas nós todos que, eu o declaro, distinguimos e dizemos a verdade sobre tais palavras, amemo-nos uns aos outros; e amemos-te igualmente a ti, nosso Deus, fonte da Verdade, pois temos sede, não de fantasias, mas da própria Verdade. Honremos o teu servo, que nos legou a tua Escritura, cheio do teu espírito, e estejamos certos que, ao escrever as palavras que lhe revelaste, ele teve em mira as revelações mais salientes da verdade e os seus frutos proveitosos.

CAPÍTULO XXXI

O Génesis e seu autor

Assim, quando alguém me diz: “O pensamento de Moisés é o meu” – e outro diz: “Não, ele pensou como eu” – parece-me mais consoante com espírito religioso dizer: “Por que não admitir ambos os pontos de vista, se ambos são verdadeiros?” – E se alguém descobrir um terceiro, um quarto sentido, e outros mais, desde que sejam verdadeiros, por que não acreditar que Moisés viu todos eles, ele por cujo intermédio o Deus único adaptou as Escrituras à inteligência da multidão, que deveria descobrir-lhe significados diversos e verdadeiros?

Por mim, digo-o sem hesitar e do fundo do coração: se, investido da mais alta autoridade, tivesse algo a escrever, preferiria fazê-lo de modo que as minhas palavras proclamassem tudo o que cada um pudesse conceber de verdadeiro sobre isso, em vez de propor um significado único e claro que excluísse todos os demais, cuja falsidade não me pudesse ofender. E também não quero, meu Deus, ser tão temerário ao ponto de acreditar que esse grande homem não mereceu de ti essa graça.

Moisés, redigindo esses textos, pensou, concebeu todas as verdades que já fomos capazes de encontrar, e também as que não o pudemos, mas que podem ser descobertas.

CAPÍTULO XXXII

Oração

Enfim, Senhor, tu que és Deus, e não carne e sangue, se um homem não pôde ver tudo por completo, poderia o teu Espírito bom, que me deve conduzir à terra da rectidão, desconhecer algo do que tencionavas revelar por essas palavras a seus leitores vindouros, apesar do teu mensageiro não entender senão um dos numerosos sentidos verdadeiros? Se assim é, o sentido que ele pensou ser o mais elevado de todos. Mas revela-nos a nós, Senhor, esse sentido ou algum outro que for do teu agrado e real; e quer nos mostres o mesmo sentido que ao homem de Deus, quer seja outro, inspirado pelas mesmas palavras, alimenta o nosso espírito, guarda-nos da ilusão do erro.

Eis, Senhor meu Deus! Quantas páginas escrevi sobre tão poucas palavras! Deste modo, as minhas forças e o meu tempo serão suficientes para examinar todos os teus livros? Permite-me, pois, abreviar as minhas confissões e adoptar uma única interpretação, que me farás escolher como verdadeira, certa e boa, entre as muitas outras que me poderão ocorrer. Que a minha confissão seja suficientemente fiel para que eu tenha exactidão ao exprimir o pensamento do teu servo, pois para tal me esforçarei; e, se não o conseguir, que eu pelo menos diga o que a tua Verdade me quis dizer pelas suas palavras, como ela disse a Moisés o que lhe aprouve.

(Revisão de versão portuguesa por ama)