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29/04/2016

Reflexão no Ano Jubilar da Misericórdia – 4

 [i]

Próximos do próximo

A vítima dos ladrões 

Sou um judeu natural de Jerusalém mas, no exercício da minha actividade desloco-me a várias povoações de Israel, nomeadamente Jericó.

O que faço?
Bem… sou um cobrador de impostos, o que chamam depreciativamente: um Publicano.

Não tenho muitos amigos… na verdade… não tenho sequer alguém a quem possa chamar: AMIGO!

A princípio incomodava-me muito a forma suspeitosa e, até, o desprezo com que me tratam e, tenho de reconhecer, que um cobrador de impostos – sobretudo quando os impostos são cobrados em nome do invasor da nossa Pátria – não pode esperar outra coisa dos seus conterrâneos. Mas… é a minha vida… que hei-de eu fazer!

Acordei hoje manhã, já um pouco tarde, numa estalagem.
Levei algum tempo a lembrar-me de quanto acontecera na véspera.
Como que em cenas pouco nítidas vi-me no caminho de Jericó para Jerusalém com os alforges da minha montada, carregados com o produto da cobrança. Sou assaltado por uns meliantes – três, parece-me – e tentai defender-me como pude, só que eles não me deram tréguas e, talvez por se aperceberem quem eu era, atacaram-me com tal violência que fiquei prostrado no caminho.

Não sei quanto tempo ali fiquei inconsciente e cheio de dores dos golpes sofridos. Lembro-me vagamente de alguém que se aproximou de mim e me prestou assistência, tratou como pode as minhas numerosas feridas deitando-lhes azeite e vinho. [1]

Nisto, o estalajadeiro aparece no meu quarto e pergunta-me como me sinto.

Fico a olhar para ele.
Como se percebesse da minha confusão conta-me o que aconteceu, como tinha chegado na noite anterior trazido por um Samaritano – o mesmo que me encontrara prostrado no caminho – que tratara de mim e me instalara na cama.
Tinha partido há pouco mas dissera que voltaria passados dois dias.

Na minha surpresa, perguntei:
‘Mas tens a certeza que era um Samaritano?’

Compreendo a tua surpresa pois, na verdade, também eu fiquei atónito.

Disse-lhe:
‘Eu sou um Publicano e fui roubado e espoliado de quanto trazia, não sei como vou pagar-te a minha estadia.’

‘Não te preocupes com isso – responde-me – o teu “salvador” deixou-me dinheiro para cuidar de ti e até me disse que se o que me deixou não fosse suficiente no seu regresso me pagaria o que faltasse.’

Quando o estalajadeiro saiu do meu quarto não pude deixar de pensar no estranho e insólito e toda a situação. Como era possível? Um Samaritano e um Judeu, ainda por cima, Publicano?

Na minha vida tenho cometido alguns – talvez bastantes – erros. Sobretudo abusos nas cobranças aproveitando-me das circunstâncias para guardar para mim uma boa parte. Isto nunca me incomodou… afinal é o que fazem todos os Publicanos!

Bem sei que há pouco tempo atrás, um colega, nos surpreendera a todos quando resolvera abandonar a profissão que exercia precisamente em Jericó e devolver aos lesados o quádruplo do que se apropriara e, como se não bastasse, oferecera aos pobres metade do que possuía. Aliás circulava uma história sobre um encontro com um tal Jesus da Galileia a quem oferecera um banquete depois do que passou a fazer parte do grupo dos que o seguiam por todo o lado. [2]
Mas, confesso, não dei muita importância ao assunto.

Agora, porém, parece que um incómodo estranho está a revirar-me as entranhas e começo a pensar que logo que possível tenho de encontrar-me com ele para que me conte quanto aconteceu.

Conheço-o bem e, se ele, tomou tais decisões é porque algo muito especial aconteceu e, conhecendo-o como conheço, só posso concluir que terá escolhido uma vida muitíssimo melhor que a que tinha antes.

Estando assim decidido, parece que as dores no meu corpo abrandaram e voltei a adormecer.

(ama, reflexões no Ano Jubilar da Misericórdia – 4)



[1] Cfr. Lc 10, 33-35
[2]Cfr. Lc 19, 1-10




[i] Lc 10, 25-27

Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Lucas poderia ser o Evangelho “oficial” do Ano Jubilar da Misericórdia.

De facto, aparte a magistral descrição da parábola proferida por Jesus Cristo, a beleza do texto, a economia das palavras, o ritmo da descrição – características deste Evangelista – põem-nos perante um autêntico quadro ou, melhor, perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e excitando os nossos sentidos.

São Josemaria recomendou: aconselho-te a que, na tua oração, intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais. [i]

É isso mesmo que me proponho fazer.

Sob o Título: “Próximos do próximo (sugerido por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo.

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