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29/04/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Mt 11, 25-30

25 Então Jesus, falando novamente, disse: «Eu Te louvo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e aos prudentes, e as revelaste aos pequeninos. 26 Assim é, ó Pai, porque assim foi do Teu agrado. 27 «Todas as coisas Me foram entregues por Meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai; nem ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar. 28 «Vinde a Mim todos os que estais fatigados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. 29 Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. 30 Porque o Meu jugo é suave, e o Meu fardo leve».

Comentário:

Acaso já pensámos que de facto somos esses "pequeninos" que o Senhor refere no Evangelho aos quais revela e mostra as verdades da fé, dando a conhecer o Pai?

Chegando a esta conclusão é natural e lógico que nos enchamos de alegria e demos frequentes graças por sermos como somos – como devemos ser – filhos pequenos que precisam de tudo.

(ama, comentário sobre Mt 11, 25-30, Lisboa, 2015.11.02)


Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES

CAPÍTULO XXVIII

Divergências

Para outros essas palavras não são um ninho, mas um vergel (jardim) ensombrado onde descobrem frutos ocultos que procuram e colhem, voando e cantando alegremente.

Quando leem ou ouvem as palavras de Moisés, veem que a tua estável e eterna permanência, ó Deus, domina todos os tempos passados e futuros, e por isso não existe criatura corpórea que não seja obra tua. Veem que a tua vontade, confundindo-se com o teu ser, criou todas as coisas sem sofrer modificação, sem que nasça nela uma decisão nova, que não existisse antes; que criaste o mundo, não tirando da tua substância uma imagem tua, forma substancial de toda a realidade, mas tirando do nada uma matéria informe, diferente de ti mesmo; e esta poderia ser formada à tua imagem pela volta à tua Unidade, segundo a medida previamente estabelecida e concedida a cada ser, de acordo com sua espécie. Veem assim que todas as obras da criação são excelentes, ou porque permanecem próximas a ti, ou porque, afastadas de ti no tempo e no espaço, fazem ou sofrem as admiráveis variedades do mundo. Reconhecem essas coisas, e por isso se alegram na luz da tua verdade, à medida que o podem com as suas forças terrenas.

Outros, reflectindo o sentido destas palavras: “No princípio criou Deus...” – vê no princípio a Sabedoria, porque também ela nos fala.

Outro, ao considerar as mesmas palavras, entende por princípio o começo da criação, e a expressão: “Deus criou no princípio” significa para ele: “Deus primeiramente fez”. E entre os mesmos que por princípio entendem que Deus criou na sua Sabedoria o céu e a terra, um acredita que céu e terra designam a matéria da qual o céu e a terra foram criados; outro pensa que a expressão se aplica a naturezas já formadas e distintas; outro sustenta que a palavra céu significa natureza formada e espiritual, a terra, a natureza informe e material.

Aqueles porém que entendem por céu e terra a matéria ainda informe, com a qual viriam a ser formados o céu e a terra, não têm unanimidade: um concebe essa matéria como origem comum das criaturas sensíveis e espirituais, outro apenas como fonte de massa sensível e corpórea, contendo no seu vasto seio todas as realidades visíveis, oferecidas aos nossos sentidos.

Tampouco são unânimes os que creem que nesse texto céu e terra se referem às criaturas já formadas e dispostas; um acredita que se trata do mundo invisível e visível; outro, apenas do mundo visível, onde se contempla o céu luminoso e a terra tenebrosa, com tudo o que eles contêm.

CAPÍTULO XXIX

Dificuldades

Mas quem interpreta a palavra: “No princípio criou...” como se ela quisesse dizer:
“Primeiramente Deus criou...” – apenas pode entender, por céu e terra, se quiser se manter coerente à verdade, a matéria do céu e da terra, isto é, da criação universal, tanto espiritual como material.

Pois, se quiser referir-se com isso a um universo já inteiramente formado, seríamos levados a indagar-lhe: “Se Deus criou isso antes, o que criou depois?” – Depois de ter criado tudo, não encontrará mais nada para criar e, gostando ou não, ouvirá a pergunta: “Como é possível que Deus tenha criado isso primeiro, se nada criou depois?”

Se ele quer significar que Deus criou primeiro a matéria informe, e depois lhe deu forma, já não é uma tese absurda, desde que seja capaz de discernir a prioridade na eternidade, no tempo, na escolha, na origem. Na eternidade: Deus antecede todas as coisas; no tempo: a flor precede o fruto; na escolha: o fruto vale mais do que a flor; na origem: o som precede o canto.

Dessas quatro prioridades, a primeira e a última dificilmente se compreendem, enquanto é bem fácil entender as outras duas. É de facto raro e difícil conceber a tua eternidade criando, mas conservando-se imutável, as coisas mutáveis e, por isso, antecedendo-as. E precisa de ter uma inteligência penetrante para compreender, sem grande esforço, como o som antecede o canto, uma vez que o canto é o som organizado; e uma coisa pode muito bem existir sem forma, mas o que não existe não pode receber forma. Assim, a matéria é anterior ao que dela se forma e não porque a sua causa seja eficiente, pois também é objecto da criação; nem tampouco porque lhe seja anterior no tempo. De facto, não emitimos num primeiro instante, sons desarticulados e informes, para depois os ligarmos e formar uma melodia e um canto, como se faz com a madeira e a prata ao fabricarmos uma arca ou um vaso.

Com efeito, essas matérias precedem no tempo os objectos que delas são feitos. Mas com o canto não é assim. Quando se canta ouve-se o som do canto: não há em primeiro lugar sons desorganizados, que depois assumem a forma de canto. Logo que ele soa, o som desvanece-se, e não deixa de si nada que se possa coordenar com arte. Por conseguinte, o canto é formado de sons: o som é a sua matéria e, para se transformar em canto, recebe uma forma. A prioridade não se fundamenta num poder criador, porque o som não é o artífice do canto, mas é apenas posto pelo corpo à disposição da alma do cantor, para que dele faça um canto. Nem se trata de prioridade temporal: o som é produzido ao mesmo tempo que o canto. Tampouco se trata de prioridade de escolha: o som não é superior ao canto, pois o canto nada mais é que som, mas um som bonito. Trata-se apenas de uma prioridade de origem, pois o canto não recebe forma para se tornar som, mas o som para se tornar canto.

Compreende-se por esse exemplo, que a matéria das coisas foi criada antes, e chamada céu e terra, porque dela foram formados o céu e a terra. Não foi criada antes em sentido cronológico, porque o tempo só tem início com a forma das coisas; ora, a matéria era informe, e tornou-se perceptível juntamente com o tempo. Todavia, não se pode mencionar nada dessa matéria a não ser alguma prioridade temporal, embora ocupe a última posição na escala de valores, pois o que tem forma é evidentemente superior ao que é informe. Ou que foi precedida pela eternidade do Criador, que a fez para que fossem feitas do nada todas as coisas.

CAPÍTULO XXX

Espírito de caridade

Nessa diversidade de opiniões verdadeiras, que da própria verdade brote a concórdia! Que o nosso Deus tenha compaixão de nós, para que usemos legitimamente da lei segundo o preceito que tem por fim a pura caridade.

Por isso, se me perguntarem qual dessas opiniões foi a do teu servo Moisés, eu não seria coerente com as minhas confissões se não te confessasse que o ignoro.

Sei, contudo, que essas opiniões são verdadeiras, a não meras interpretações materialistas, sobre as quais já disse tudo o que pensava. São como meninos esperançosos aqueles que não temem as palavras do teu Livro, tão profundas na sua humildade, tão eloquentes na sua concisão. Mas nós todos que, eu o declaro, distinguimos e dizemos a verdade sobre tais palavras, amemo-nos uns aos outros; e amemos-te igualmente a ti, nosso Deus, fonte da Verdade, pois temos sede, não de fantasias, mas da própria Verdade. Honremos o teu servo, que nos legou a tua Escritura, cheio do teu espírito, e estejamos certos que, ao escrever as palavras que lhe revelaste, ele teve em mira as revelações mais salientes da verdade e os seus frutos proveitosos.

CAPÍTULO XXXI

O Génesis e seu autor

Assim, quando alguém me diz: “O pensamento de Moisés é o meu” – e outro diz: “Não, ele pensou como eu” – parece-me mais consoante com espírito religioso dizer: “Por que não admitir ambos os pontos de vista, se ambos são verdadeiros?” – E se alguém descobrir um terceiro, um quarto sentido, e outros mais, desde que sejam verdadeiros, por que não acreditar que Moisés viu todos eles, ele por cujo intermédio o Deus único adaptou as Escrituras à inteligência da multidão, que deveria descobrir-lhe significados diversos e verdadeiros?

Por mim, digo-o sem hesitar e do fundo do coração: se, investido da mais alta autoridade, tivesse algo a escrever, preferiria fazê-lo de modo que as minhas palavras proclamassem tudo o que cada um pudesse conceber de verdadeiro sobre isso, em vez de propor um significado único e claro que excluísse todos os demais, cuja falsidade não me pudesse ofender. E também não quero, meu Deus, ser tão temerário ao ponto de acreditar que esse grande homem não mereceu de ti essa graça.

Moisés, redigindo esses textos, pensou, concebeu todas as verdades que já fomos capazes de encontrar, e também as que não o pudemos, mas que podem ser descobertas.

CAPÍTULO XXXII

Oração

Enfim, Senhor, tu que és Deus, e não carne e sangue, se um homem não pôde ver tudo por completo, poderia o teu Espírito bom, que me deve conduzir à terra da rectidão, desconhecer algo do que tencionavas revelar por essas palavras a seus leitores vindouros, apesar do teu mensageiro não entender senão um dos numerosos sentidos verdadeiros? Se assim é, o sentido que ele pensou ser o mais elevado de todos. Mas revela-nos a nós, Senhor, esse sentido ou algum outro que for do teu agrado e real; e quer nos mostres o mesmo sentido que ao homem de Deus, quer seja outro, inspirado pelas mesmas palavras, alimenta o nosso espírito, guarda-nos da ilusão do erro.

Eis, Senhor meu Deus! Quantas páginas escrevi sobre tão poucas palavras! Deste modo, as minhas forças e o meu tempo serão suficientes para examinar todos os teus livros? Permite-me, pois, abreviar as minhas confissões e adoptar uma única interpretação, que me farás escolher como verdadeira, certa e boa, entre as muitas outras que me poderão ocorrer. Que a minha confissão seja suficientemente fiel para que eu tenha exactidão ao exprimir o pensamento do teu servo, pois para tal me esforçarei; e, se não o conseguir, que eu pelo menos diga o que a tua Verdade me quis dizer pelas suas palavras, como ela disse a Moisés o que lhe aprouve.

(Revisão de versão portuguesa por ama)


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