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05/08/2016

Leitura espiritual

Leitura Espiritual

Temas actuais do cristianismo 



São Josemaria Escrivá
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Há actualmente quem defenda a teoria de que o amor justifica tudo e concluem que o noivado é como um “matrimónio à experiência”. Não seguir o que consideram imperativos do amor, pensam que é inautêntico e retrógrado. Que pensa desta atitude?

Penso o que deve pensar uma pessoa honesta e, especialmente, um cristão: que é uma atitude indigna do homem e que degrada o amor humano, confundindo-o com o egoísmo e com o prazer.

Retrógrados os que não pensam ou não procedem dessa maneira? Retrógrado é antes quem retrocede até à selva, não reconhecendo outro impulso além do instinto. O noivado deve ser uma ocasião de aprofundar o afecto e o conhecimento mútuo. E, como toda a escola de amor, deve ser inspirado não pela ânsia de posse, mas por espírito de entrega, de compreensão, de respeito, de delicadeza. Por isso, há pouco mais de um ano quis oferecer à Universidade de Navarra uma imagem de Santa Maria, Mãe do Amor Formoso, para que os rapazes e raparigas que frequentam aquelas Faculdades aprendessem d'Ela a nobreza do amor - do amor humano também.

Matrimónio à experiência? Que pouco sabe de amor quem fala assim! O amor é uma realidade mais segura, mais real, mais humana. Algo que não se pode tratar como um produto comercial, que se experimenta e depois se aceita ou se deita fora, segundo o capricho, a comodidade ou o interesse.

Essa falta de critério é tão lamentável, que nem sequer parece necessário condenar quem pensa ou procede assim porque eles mesmo se condenam à infecundidade, à tristeza, a um isolamento desolador, que sofrerão mal passem alguns anos. Não posso deixar de rezar muito por eles, amá-los com toda a minha alma e tratar de lhes fazer compreender que continuam a ter aberto o caminho de regresso a Jesus Cristo, e que, se se empenharem a sério, poderão ser santos, cristãos íntegros, porque não lhes faltará nem o perdão nem a graça do Senhor. Só então compreenderão bem o que é o amor: o Amor divino e também o amor humano nobre; e saberão o que é a paz, a alegria, a fecundidade.

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Um grande problema feminino é o das mulheres solteiras. Referimo-nos àquelas que, embora com vocação matrimonial, não se chegam a casar. Como não o conseguem, perguntam-se: para que estamos nós no Mundo? Que lhes responderia?

Para que estamos no Mundo? Para amar a Deus com todo o nosso coração e com toda a nossa alma e para estender esse amor a todas as criaturas. Ou será que isto parece pouco? Deus não deixa nenhuma alma abandonada a um destino cego, mas para todas tem um desígnio, a todas chama com uma vocação pessoalíssima, intransferível.

O matrimónio é caminho divino, é vocação. Mas não é o único caminho, nem a única vocação. Os planos de Deus para cada mulher não estão ligados necessariamente ao matrimónio. Têm vocação matrimonial e não chegam a casar-se? Em algum caso pode ser certo, e talvez tenha sido o egoísmo ou o amor-próprio o que impediu que esse chamamento de Deus se cumprisse; mas, outras vezes, a maioria até, isso pode ser um sinal de que o Senhor não lhes deu verdadeira vocação matrimonial. Sim, gostam de crianças, sentem que seriam boas mães, que entregariam o seu coração fielmente ao marido e aos filhos. Mas isso é normal em toda a mulher, também naquelas que, por vocação divina, não se casam - podendo fazê-lo - para se ocuparem do serviço de Deus e das almas.

Não casaram. Pois bem, que continuem, como até agora, amando a vontade de Deus, vivendo na intimidade desse Coração amabilíssimo de Jesus que não abandona ninguém, que é sempre fiel, que vai olhando por nós ao longo desta vida para Se dar a nós desde agora e para sempre.

Além disso, a mulher pode cumprir a sua missão - como mulher, com todas as suas características femininas, também as características afectivas da maternidade - em círculos diferentes da própria família: em outras famílias, na escola, em obras assistenciais, em mil lugares. A sociedade é, às vezes, muito dura - com grande injustiça - para aquelas a quem chama solteironas. Há mulheres solteiras que difundem à sua volta alegria, paz, eficácia, que se sabem entregar nobremente ao serviço dos outros e ser mães, em profundidade espiritual, com mais realidade do que muitas, que são mães apenas fisiologicamente.


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As perguntas anteriores referiram-se ao noivado. O tema que apresento agora refere-se já ao matrimónio que conselhos daria à mulher casada para que, com o passar dos anos, a sua vida matrimonial continue sendo feliz, sem ceder à monotonia?

Talvez a questão pareça pouco importante, mas na revista recebem-se multas cartas de leitoras interessadas por este tema.

A mim parece-me que, com efeito, é um assunto importante, e por isso o são também as possíveis soluções, apesar da sua aparência modesta. Para que no matrimónio se conserve o encanto do começo, a mulher deve procurar conquistar o seu marido em cada dia, e o mesmo teria que dizer ao marido em relação à mulher. O amor deve ser renovado em cada novo dia, e o amor ganha-se com o sacrifício, com sorrisos e com arte também. Se o marido chega a casa cansado de trabalhar e a mulher começa a falar sem medida, contando-lhe tudo o que lhe parece que correu mal, pode-se surpreender que o marido acabe por perder a paciência? Essas coisas menos agradáveis podem-se deixar para um momento mais oportuno, quando o marido esteja menos cansado, mais bem disposto.

Outro pormenor: o arranjo pessoal. Se outro sacerdote vos dissesse o contrário, penso que seria um mau conselho. À medida que uma pessoa, que deve viver no mundo, vai avançando em idade, mais necessário se torna melhorar não só a vida interior como - precisamente por isso - procurar estar apresentável. Evidentemente, sempre em conformidade com a idade e as circunstâncias. Costumo dizer, por brincadeira, que as fachadas, quanto mais envelhecidas, mais necessidade têm de reparação. É um conselho sacerdotal. Um velho refrão castelhano diz que la mujer compuesta saca al hombre de otra puerta, a mulher arranjada tira o homem de outra porta.

Por isso atrevo-me a afirmar que as mulheres têm a culpa de oitenta por cento das infidelidades dos maridos, porque não sabem conquistá-los em cada dia, não sabem ter pequenas amabilidades e delicadezas. A atenção da mulher casada deve-se centrar no marido e nos filhos. Assim como a do marido se deve centrar na mulher e nos filhos. E para fazer isto bem é preciso tempo e vontade. Tudo o que torne impossível esta tarefa é mau, não está bem.

Não há desculpa para não cumprir esse amável dever. Para já, não é desculpa o trabalho fora do lar, nem sequer a própria vida de piedade, a qual, se não é compatível com as obrigações de cada dia, não é boa, Deus não a quer. A mulher casada tem que se ocupar primeiro do lar. Recordo uma antiga da minha terra, que diz: La mujer que, por la iglesia, / deja el puchero quemar, / tiene la mitad de ángel, / de diablo la otra mitad. - A mulher que, pela igreja, / deixa esturrar a comida, / tem metade de anjo, / de diabo a outra metade. A mim parece-me inteiramente um diabo.

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Pondo de parte as dificuldades que possam surgir entre pais e filhos, também são correntes entre marido e mulher desentendimentos, que às vezes chegam a comprometer seriamente a paz familiar. Que conselhos daria aos casais?

Que se amem. Que saibam que ao longo da vida haverá desentendimentos e dificuldades que, resolvidos com naturalidade, contribuirão inclusivamente para tornar o amor mais profundo.

Cada um de nós tem o seu feitio, os seus gostos pessoais, o seu génio - o seu mau génio, por vezes - e os seus defeitos. Cada um tem também coisas agradáveis na sua personalidade e por isso e por muitas mais razões, pode-se amá-lo. A convivência é possível quando todos se empenham em corrigir as próprias deficiências e procuram passar por alto as faltas dos outros, isto é, quando há amor, que anula e supera tudo o que falsamente poderia ser motivo de separação ou de divergência. Pelo contrário, se se dramatizam os pequenos contrastes e mutuamente se começa a lançar à cara os defeitos e os erros, então acaba-se a paz e corre-se o risco de matar o amor.

Os casais têm graça de estado - a graça do sacramento - para viverem todas as virtudes humanas e cristãs da convivência: a compreensão, o bom humor, a paciência, o perdão, a delicadeza no convívio. O que é importante é não se descontrolarem, não se deixarem dominar pelo nervosismo, pelo orgulho ou pelas manias pessoais. Para isso, o marido e a mulher devem crescer em vida interior e aprender da Sagrada Família a viver com delicadeza - por um motivo humano e sobrenatural ao mesmo tempo - as virtudes do lar cristão. Repito: a graça de Deus não lhes falta.

Se alguém diz que não pode aguentar isto ou aquilo, que lhe é impossível calar-se, exagera para se justificar. É preciso pedir a Deus força para saber dominar o próprio capricho, graça para saber ter o domínio de si próprio, porque os perigos de uma zanga são estes: que se perca o controlo e as palavras se encham de amargura e cheguem a ofender e, ainda que talvez não se desejasse, a ferir e a causar mal.

É necessário aprender a calar, a esperar e a dizer as coisas de modo positivo, optimista. Quando ele se zanga, é o momento de ser ela especialmente paciente, até que chegue de novo a serenidade, e vice-versa. Se há afecto sincero e preocupação por aumentá-lo, é muito difícil que os dois se deixem dominar pelo mau humor na mesma altura...

Outra coisa muito importante: devemo-nos acostumar a pensar que nunca temos toda a razão. Pode-se dizer, inclusivamente, que, em assuntos desses, ordinariamente tão opináveis, quanto mais seguros estamos de ter toda a razão, tanto mais certo é que não a temos. Discorrendo deste modo, torna-se depois mais fácil rectificar e, se for preciso, pedir perdão, que é a melhor maneira de acabar com uma zanga. Assim se chega à paz e à ternura. Não vos animo a discutir, mas é natural que discutamos alguma vez com aqueles de quem mais gostamos, porque são os que habitualmente vivem connosco. Não vamos zangar-nos com o Preste João das Índias... Portanto, essas pequenas zangas entre os esposos, se não são frequentes - e é preciso procurar que não o sejam -, não demonstram falta de amor e até podem ajudar a aumentá-lo.

Um último conselho: que nunca se zanguem diante dos filhos. Para consegui-lo, basta que se ponham de acordo com uma palavra determinada, com um olhar, com um gesto. Discutirão depois, com mais serenidade, se não forem capazes de evitá-lo. A paz conjugal deve ser o ambiente da família, porque é condição necessária para uma educação profunda e eficaz. Que os filhos vejam nos seus pais um exemplo de entrega, de amor sincero, de ajuda mútua, de compreensão, e que as ninharias da vida diária não lhes ocultem a realidade de um afecto que é capaz de superar seja o que for.

As vezes tomamo-nos demasiado a sério. Todos nos aborrecemos de quando em quando, umas vezes porque é necessário, outras porque nos falta espírito de mortificação. O que importa é demonstrar que esses aborrecimentos não quebram o afecto, restabelecendo a intimidade familiar com um sorriso. Numa palavra, que marido e mulher vivam amando-se um ao outro e amando os filhos, porque assim amam a Deus.

(cont)





[i] Entrevista realizada por Pilar Salcedo, publicada em Telva (Madrid), em 1 de Fevereiro de 1968 e reproduzida em Mundo Cristiano (Madrid) em 1 de Março do mesmo ano.

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