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08/03/2016

Tratado da vida de Cristo 83

Questão 42: Da doutrina de Cristo

Art. 4 — Se Cristo devia ensinar a sua doutrina por escrito.

O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo não devia ensinar a sua doutrina por escrito.

1. — Pois, a escrita foi inventada para, no futuro, gravar a doutrina na memória. Ora, a doutrina de Cristo devia durar eternamente, segundo o Evangelho: Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão. Logo, parece que Cristo devia ter ensinado a sua doutrina por escrito.

2. Demais. — A lei antiga foi uma figura de Cristo, segundo o Apóstolo: A lei tendo a sombra dos bens futuros. Ora, a lei antiga foi escrita por Deus, segundo a Escritura: Dar-te-ei duas tabuas de pedra e a lei e os mandamentos que eu escrevi. Logo, parece que também Cristo devia ter escrito a sua doutrina.

3. Demais. — A Cristo, que veio alumiar os que vivem nas trevas e na sombra da morte, como diz o Evangelho, pertencia eliminar as ocasiões de erro e abrir o caminho à fé. Ora, faria tal escrevendo a sua doutrina. Assim, diz Agostinho: Alguns costumam achar dificuldade no facto do Senhor nada ter escrito, de modo que devamos crer no que os outros dele escreveram. E quem isso diz são sobretudo os pagãos, que, não ousando culpar Cristo ou blasfemar contra Ele, lhe atribuem uma sabedoria excelentíssima, mas como a homem. E dizem que os discípulos atribuíram ao mestre mais do que lhe era devido, quando afirmavam que era o Filho e o Verbo de Deus, por quem foram feitas todas as coisas. E depois acrescenta: Estão prontos a crer o que o próprio Cristo disse de si e não o que outros arbitrariamente lhe atribuíram. Logo, parece que Cristo devia ele próprio transmitir a sua doutrina por escrito.

Mas, em contrário, entre as Escrituras canónicas, não há nenhum livro escrito por ele.

Cristo não devia ter deixado a sua doutrina por escrito. — Primeiro, por causa da sua dignidade. Pois, tanto mais excelente é quem ensina tanto mais excelente deve ser o seu modo de ensinar. Sendo, portanto Cristo o mais excelente dos doutores, o seu modo de ensinar devia consistir em imprimir a sua doutrina no coração dos ouvintes. E por isso diz o Evangelho, que ele os ensinava como quem tinha autoridade. Assim também entre os gentios, Pitágoras e Sócrates, que foram excelentíssimos doutrinadores, nada quiseram escrever. Pois, a escrita tem como fim a impressão da doutrina no coração dos ouvintes. — Segundo, por causa da excelência da doutrina de Cristo, que não pode ser abrangida pela escrita, segundo o Evangelho: Muitas outras causas porém há ainda, que Jesus fez; as quais se escrevessem uma por uma, creio que nem no mundo todo poderiam caber os livros que delas se houvessem de escrever. O que não significa que devemos crer, como diz Agostinho, não pudesse o mundo conter tais livros, localmente falando, mas que talvez não pudesse compreendê-los a capacidade dos leitores. Se, porém, Cristo tivesse deixado a sua doutrina por escrito, os homens não a julgariam senão pelo que estava escrito. — Terceiro, para que a doutrina dele promanada chegasse a todos numa certa ordem, de modo que sendo primeiro os discípulos os ensinados, ensinassem depois aos outros com as suas palavras e os seus escritos. Se, ao contrário, ele próprio tivesse, escrito, a sua doutrina chegaria a todos imediatamente. Por isso a Escritura diz da sabedoria de Deus: Enviou as suas escravas a chamar à fortaleza. Devemos, porém saber que, como refere Agostinho, alguns gentios pensavam que Cristo tinha escrito alguns livros que continham mágicas com as quais fazia milagres, condenados pela doutrina cristã. É contudo os que afirmam ter lido esses tais livros de Cristo os que não fazem nada de comparável ao que admiram que ele com tais livros tivesse feito. E por juízo divino erram, a ponto de dizerem que esses tais livros eram dedicados a Pedro e a Paulo, porque em vários passos viram esses apóstolos pintados em companhia de Cristo. Nem é de espantar se foram enganados esses falsários pelas figuras pintadas. Pois, durante todo o tempo em que Cristo viveu em corpo mortal, com os seus discípulos, Paulo ainda não era do número deles.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como diz Agostinho no mesmo livro, Cristo é a cabeça de todos os seus discípulos, como membros do seu corpo. Por isso, o que eles relataram como ensinado e dito por ele, não devemos dizer de nenhum modo que não o tivesse ele próprio escrito. Pois, às vezes os seus membros fizeram o que sabiam que o chefe mandou. Assim, todos os seus factos e ditos que quis que nós lêssemos, mandou-os escrever, como se ele próprio o tivesse escrito.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Por ter a lei antiga sido dada sob figuras sensíveis, também foi convenientemente escrita com sinais sensíveis. Mas a doutrina de Cristo, que é a lei do Espírito de vida, devia ter sido escrita, não com tinta, mas com o espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne do coração, como diz o Apóstolo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os que não quiseram crer no que os Apóstolos escreveram de Cristo não acreditariam nem mesmo no que o próprio Cristo escrevesse; de quem opinavam que fazia milagres por meio de artes mágicas.


Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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