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15/09/2015

Tratado da vida de Cristo 35

Questão 34: Da perfeição do filho concebido

Art. 3 — Se Cristo, no primeiro instante da sua concepção, podia merecer.

 O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo, no primeiro instante da sua concepção, não podia merecer.

1. — Pois, o livre arbítrio tanto é principio de mérito como de demérito. Ora, o diabo, no primeiro instante da sua criação não podia pecar, como se estabeleceu na Primeira Parte. Logo, nem a alma de Cristo, no primeiro instante da sua criação, que foi o primeiro instante da sua concepção, podia merecer.

2. Demais. — O que o homem tem, desde o primeiro instante da sua concepção, é-lhe natural; pois, é o termo da sua geração natural. Ora, nós não podemos merecer pelo que nos é natural, como se colige do dito na Segunda Parte. Logo, o uso do livre arbítrio, que Cristo teve, como homem, desde o primeiro instante da sua concepção, não era meritório.

3. Demais. — O que uma vez o merecemos já se tornou nosso de certo modo e assim, parece que não podemos de novo merecê-la, pois, ninguém merece o que já tem. Se, pois, Cristo mereceu, no primeiro instante da sua concepção, por consequência nada mais mereceu depois. O que é evidentemente falso. Logo, Cristo não mereceu no primeiro instante da sua concepção.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Cristo não tinha absolutamente nada que progredir, quanto ao mérito da sua alma. Ora, poderia progredir no mérito, se não tivesse merecido no primeiro instante da sua concepção.

Como dissemos, Cristo no primeiro instante da sua concepção foi santificado pela graça. Ora, há duas espécies de santificação; a dos adultos, santificados pelos seus actos próprios; e a das crianças, santificadas, não pelo seu acto próprio de fé, mas pela fé dos pais ou da Igreja. Ora, a primeira espécie de santificação é mais perfeita que a segunda, assim como o acto é mais perfeito que o hábito, e o que existe por si mesmo é mais que o existente por outro. Mas, como a santificação de Cristo foi perfeitíssima, pois, foi santificado para ser o santificador dos outros, consequentemente ele foi santificado pelo movimento próprio do seu livre arbítrio para Deus; e esse movimento do livre arbítrio foi meritório. Portanto, Cristo mereceu, desde o primeiro instante da sua concepção.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O livre arbítrio não se comporta do mesmo modo em relação ao bem e ao mal. Pois, aplica-se ao bem naturalmente e por si mesmo; mas só por deficiência e contrariamente à sua natureza é que quer o mal. Ora, como diz o Filósofo, o oposto à natureza é posterior ao natural; porque o oposto à natureza é um como corte feito no natural. Donde, o livre arbítrio da criatura pode, no primeiro instante da sua criação, buscar o bem, pelo mérito; não porém o mal, pelo pecado, dado que a natureza seja íntegra.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O que o homem tem no princípio da sua criação, conforme ao curso comum da natureza, é-lhe natural. Nada porém impede uma criatura de receber, no princípio da sua criação, um benefício da graça de Deus. E deste modo a alma de Cristo, no princípio da sua criação, recebeu a graça pela qual pudesse merecer. E, por essa razão, dessa graça, por uma certa semelhança, dizemos que foi natural ao homem Cristo, como está claro em Agostinho.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Nada impede uma mesma coisa pertencer a alguém por diferentes causas. E assim, Cristo podia merecer a glória da imortalidade, que mereceu no primeiro instante da sua concepção, também por actos e sofrimentos posteriores. Não, certamente, que tivesse assim mais direitos a essa glória, mas por ela lhe ter sido devida a vários títulos.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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