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31/07/2014

Tratado da lei 70

Questão 103: Da duração dos preceitos cerimoniais.

Art. 4 — Se depois da paixão de Cristo, podem-se observar as cerimónias legais, sem pecado mortal.

(Infra, q. 104, a. 3; q. 107, a. 2 ad 1; Iª-IIªª, q. 93, a. 7; IV Sent., dist. I, q. 2, a. 5; qª 3,4; Ad Rom., cap. XIV, lect. I; Ad Galad., cap. II, lect. III; cap. 5, lect. I; Ad Coloss., cap. II, lect. IV).

O quarto discute-se assim. — Parece que depois da paixão de Cristo, se podem observar as cerimónias legais, sem pecado mortal.

1. — Pois, não se pode crer que os Apóstolos, depois de terem recebido o Espírito Santo, pecassem mortalmente; pois, pela plenitude do Espírito, foram revestidos da virtude do alto, conforme a Escritura (Lc 24, 49). Ora, os Apóstolos, depois do advento do Espírito Santo, observaram a lei. Assim, a Escritura diz (At 16, 3), que Paulo circuncidou a Timóteo. E, noutro lugar (At 21, 26), que Paulo, por conselho de Tiago, depois de tomar consigo aqueles varões, purificado com eles, no seguinte dia entrou no templo, fazendo saber o cumprimento dos dias da purificação, até que se fizesse a oferenda por cada um deles. Logo, as cerimónias legais podem ser observadas, depois da paixão de Cristo, sem pecado mortal.

2. Demais. — Pertencia às cerimónias da lei evitar a convivência com os gentios. Ora, isto foi observado pelo primeiro pastor da Igreja, conforme a Escritura (Gl 2, 12): quando chegaram os que vieram a Antioquia, Pedro subtraía-se e separava-se dos gentios. Logo, sem pecado, depois da paixão de Cristo, podem observar-se as cerimónias da lei.

3. Demais. — Os preceitos dos Apóstolos não podiam induzir os homens ao pecado. Ora, por decisão dos Apóstolos, foi estabelecido, que os gentios observassem algumas das disposições da lei, como se lê na Escritura (At 15, 28-29): Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais encargos do que os necessários, que são estes: que vos abstenhais do que tiver sido sacrificado aos ídolos, e do sangue e das carnes sufocadas e da fornicação. Logo, sem pecado, as cerimónias legais podem ser observadas, depois da paixão de Cristo.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Gl 5, 2): se vos fazeis circuncidar, Cristo não vos aproveitará nada. Ora, só o pecado mortal faz perder o fruto da paixão de Cristo. Logo, observar a circuncisão e as outras cerimónias da lei, depois dessa paixão, é pecado mortal.

Todas as cerimónias da lei eram uma afirmação de fé, na qual consiste o culto interno de Deus. Ora, a fé interior o homem pode manifestá-la por actos e por palavras; e, em ambos os casos, quem afirmar alguma coisa falsamente comete pecado mortal. Pois, embora seja a fé que temos em Cristo a mesma que tiveram os antigos Patriarcas, contudo, como eles o precederam e nós viemos depois, a mesma fé é expressa por nós e por eles por palavras diferentes. Assim, a eles se lhes disse: Eis que uma virgem conceberá no seu ventre e dará à luz um filho, sendo o verbo empregado no futuro; ao contrário, nós o afirmamos com o verbo no passado: concebeu no seu ventre e deu à Luz. Semelhantemente, as cerimónias da lei antiga significavam que Cristo havia de nascer e sofrer; ao passo que os nossos sacramentos significam que nasceu e sofreu.

Donde, assim como pecaria mortalmente quem, afirmando a sua fé, dissesse, como os antigos pia e verdadeiramente faziam, que Cristo havia de nascer, assim também pecaria mortalmente quem agora observasse as cerimónias da lei, que os antigos observavam pia e fielmente. E é isto o que diz Agostinho: Já não é prometido como havendo de nascer, de sofrer, de ressurgir, conforme o significavam os sacramentos antigos; mas se anuncia que nasceu, sofreu, ressurgiu, conforme o significavam os sacramentos recebidos pelos Cristãos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Neste ponto diferem as opiniões de Jerónimo e de Agostinho. — Aquele distingue dois tempos. Um anterior à paixão de Cristo, em que as cerimónias legais não eram peremptas, como se não tivessem, a seu modo, força obrigatória ou expiatória; nem mortíferas, porque não pecava quem as observasse. Mas logo depois da paixão de Cristo começaram, não só a ser letra morta, i. é, sem força e obrigatoriedade, mas também mortíferas, e assim pecava mortalmente quem quer que as observasse. Por isso dizia que os Apóstolos nunca mais observaram essas cerimónias, depois da paixão verdadeira, mas só por uma como pia simulação, para os judeus não se escandalizarem e ficar-lhes impedida a conversão. Essa simulação deve ser entendida, não como querendo dizer, que não praticassem os referidos actos, na verdade das coisas, mas que não os praticavam como observantes das cerimónias da lei. Seria esse o caso daquele que cortasse o prepúcio do membro viril, por motivo de saúde, e não para observar a circuncisão legal.

Mas era inconveniente que os Apóstolos ocultassem, por causa do escândalo, o que pertence à verdade da vida e da doutrina, e usassem de simulação no atinente à salvação dos fiéis. Por isso e mais apropriadamente, Agostinho distingue três tempos. Um, anterior à paixão de Cristo, em que as cerimónias legais nem eram letra morta, nem mortíferas. Outro, posterior à divulgação do Evangelho, em que são letra morta e mortíferas. Um terceiro tempo é médio, isto é, compreendido entre a paixão de Cristo e a divulgação do Evangelho, em que eram, certo, letra morta, porque já não tinham nenhuma força nem estava ninguém obrigado a observá-las. Contudo não eram mortíferas, porque os judeus, que se converteram a Cristo, podiam observá-las licitamente; contanto que nelas não pusessem toda a esperança, de modo a reputarem-nas necessárias à salvação, como se, sem elas, a fé em Cristo não pudesse justificar. Os gentios porém, que se convertiam a Cristo, nenhuma razão tinham para observar tais cerimónias. Por isso Paulo circuncidou Timóteo, que era nascido de mãe judia; ao contrário, não quis circuncidar Tito, que nasceu gentio.

Donde, o Espírito Santo não quis que se proibisse imediatamente aos judeus convertidos a observância dessas cerimónias, como o eram aos gentios convertidos os ritos da gentilidade. Isto para estabelecer uma diferença entre esses dois ritos. Pois, o da gentilidade era repudiado como absolutamente ilícito e sempre proibido por Deus; ao passo que o rito da lei cessava, como tendo a sua plenitude na paixão de Cristo e como instituído que fora por Deus para figurar Cristo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Segundo Jerónimo, Pedro subtraía-se simuladamente aos gentios, para evitar o escândalo dos judeus, dos quais era o Apóstolo. Por isso, assim agindo, de nenhum modo pecou. Ao passo que Paulo repreendeu-o também simuladamente, para evitar o escândalo dos gentios, de quem era o Apóstolo.

Mas, Agostinho refuta essa opinião. Porque Paulo, na Escritura canónica, na qual não se pode crer que haja nada falso, diz que Pedro era repreensível. Logo, é verdade que Pedro pecou e Paulo o repreendeu verdadeira e não, simuladamente. Ora, Pedro não pecou por ter observado, fora do tempo, as cerimónias da lei; pois, isso lhe era lícito, como judeu convertido. Mas pecou por ter posto demasiada diligência em observar tais cerimónias, para não escandalizar os judeus; de modo porém que daí resultava escândalo para os gentios.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Alguns disseram, que a referida proibição dos Apóstolos não deve ser entendida em sentido literal, mas espiritual. De modo que, pela proibição do sangue se entenda a do homicídio; pela das carnes sufocadas, a da violência e da rapina; pela das vítimas imoladas, a da idolatria; a fornicação, enfim, era proibida por ser má em si mesma. E deduzem esta opinião de algumas glosas, que expõem esses preceitos misticamente. — Mas como o homicídio e a rapina eram reputados ilícitos, mesmo entre os gentios, não era preciso, nesse ponto, fazer um mandamento especial aos que, da gentilidade se convertiam a Cristo.

Por isso outros dizem, que era proibido comer de tais causas, literalmente, não por causa da observância das cerimónias legais, mas para reprimir a gula. Donde, Jerónimo, comentando a Escritura — Tudo o que por si mesmo haja morrido, etc. — diz: Condena os sacerdotes que, a propósito dos tordos e de aves semelhantes, não guardam tais mandamentos, por avidez da gula. — Mas como há certas comidas mais delicadas e provocadoras da gula, não havia razão para essas de que trata, serem, mais proibidas que outras.

E portanto, devemos dizer, de conformidade com a terceira opinião, que essas comidas foram literalmente proibidas, não para se observarem as cerimónias da lei, mas para poder consolidar-se a união dos gentios e dos judeus, habitando em comum. Pois, aos judeus, por costume antigo, era abominável o sangue e as carnes sufocadas; e o comer do que fora imolado aos ídolos podia despertar-lhes, em relação aos gentios, a suspeita de que retornavam à idolatria. Por isso se fizeram as referidas proibições, em tempo ainda recente, quando gentios e judeus deviam viver juntos. Mas, com o correr dos anos, cessando a causa, cessou o efeito, uma vez manifestada a verdade da doutrina evangélica, em que o Senhor ensina (Mt 15, 11), que não é o que entra pela boca o que faz imundo o homem; e que (1 Tm 4, 4) não é para desprezar nada do que se participa com acção de graças. Quanto à fornicação, foi especialmente proibida, por os gentios não a considerarem como pecado.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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