Páginas

23/10/2020

Leitura espiritual Outubro 23

 


Cartas de São Paulo

 

2.ª Timóteo 3

 

Perigos dos últimos tempos –

1 Fica sabendo que, nos últimos dias, surgirão tempos difíceis. 2 As pessoas tornar-se-ão egoístas, interesseiras, arrogantes, soberbas, blasfemas, desrespeitadoras dos pais, ingratas, ímpias, 3 sem coração, implacáveis, caluniadoras, descontroladas, desumanas e inimigas do bem, 4traidoras, insolentes, orgulhosas e mais amigas dos prazeres do que de Deus. 5 Conservarão uma aparência de piedade, mas negarão a sua essência. Procura evitar essa gente. 6 São desses, alguns que se introduzem nas casas e cativam mulheres mundanas, carregadas de pecados e subjugadas por toda a espécie de paixões, 7 que estão sempre a aprender, mas são incapazes de chegar algum dia à verdade. 8  Do mesmo modo que Janes e Jambres se opuseram a Moisés, assim estes se opõem à verdade. É gente de mente corrupta e inapta para a fé. 9 Mas não irão longe, pois a sua insensatez tornar-se-á patente a todos, como aconteceu com os primeiros. 10 Tu, porém, seguiste de perto o meu ensinamento, o meu modo de vida e os meus planos, a minha fé e a minha paciência, o meu amor fraterno e a minha firmeza, 11 as perseguições e sofrimentos que tive de suportar em Antioquia, Icónio e Listra. Que perseguições tive de suportar! Mas de todas elas me livrou o Senhor. 12 E assim também todos os que quiserem viver a fé em Cristo Jesus serão perseguidos. 13 Quanto a esses perversos e impostores, irão de mal a pior, extraviando outros e extraviando-se a si próprios. 14 Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e de que adquiriste a certeza, bem ciente de quem o aprendeste. 15 Desde a infância conheces a Sagrada Escritura, que te pode instruir, em ordem à salvação pela fé em Cristo Jesus. 16 De facto, toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça, 17 a fim de que o homem de Deus seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa.

 



Cristo que passa

 

71

         

Colírio nos olhos

 

O pecado dos fariseus não consistia em não verem Deus em Cristo, mas em encerrarem-se voluntariamente em si mesmos, em não tolerarem que Jesus, que é luz, lhes abrisse os olhos.

Este ensimesmamento tem resultados imediatos na vida de relação com os nossos semelhantes.

O fariseu que, por se considerar a si próprio como luz, não deixa que Deus lhe abra os olhos é o mesmo que trata soberba e injustamente o próximo: graças te dou, ó Deus, porque não sou como os outros homens: ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano, reza ele.

E ao cego de nascença, que persiste em contar a verdade da cura milagrosa, ofendem-no: «Tu nasceste coberto de pecados e queres ensinar-nos? E lançaram-no fora».

 

Entre os que não conhecem Cristo há muitos homens honrados que, por elementar circunspecção, sabem comportar-se com delicadeza. São sinceros, cordiais, educados.

Se eles e nós não nos opusermos a que Cristo cure a cegueira que ainda existe nos nossos olhos, se permitirmos que o Senhor nos aplique esse lama que, nas suas mãos, se converte no mais eficaz colírio, compreenderemos as realidades terrenas, vislumbraremos as eternas com uma luz nova, a luz da fé, e adquiriremos um olhar limpo.

 

Esta é a vocação do cristão, ou seja, a plenitude dessa caridade que é paciente, é benigna; a caridade não é invejosa, não é temerária; não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre.

 

A caridade de Cristo não é apenas um bom sentimento em relação ao próximo. Não se limita ao gosto pela filantropia.

A caridade, infundida por Deus na alma, transforma a partir de dentro a inteligência e a vontade, fundamenta sobrenaturalmente a amizade e a alegria de fazer o bem.

 

Contemplai a cena da cura do coxo, que os Actos dos Apóstolos nos contam.

Subiam Pedro e João ao templo e, ao passarem, encontraram um homem sentado à porta, que era coxo desde o seu nascimento”.

Tudo recorda a cura do cego de que falávamos.

Mas agora os discípulos não pensam que a desgraça se deva aos pecados pessoais do doente ou às faltas dos seus pais.

E dizem-lhe: “Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda”. Antes, manifestavam incompreensão, agora misericórdia; antes, julgavam com temeridade, agora curam milagrosamente em nome do Senhor.

Sempre Cristo, que passa!

Cristo, que continua a passar pelas ruas e pelas praças do mundo, através dos seus discípulos, os cristãos. Peço-Lhe fervorosamente que passe pela alma de alguns dos que me escutam nestes momentos.

 

72   

      

Respeito e caridade

 

Surpreendia-nos ao princípio a atitude dos discípulos de Jesus diante do cego de nascimento.

Estavam na linha daquele rifão infeliz: pensa mal e acertarás.

Depois, quando conhecem melhor o Mestre, quando se apercebem do que significa ser cristão, as suas opiniões são inspiradas pela compreensão.

 

Em qualquer homem - escreve São Tomás - existe algum aspecto pelo qual os outros podem considerá-lo como superior, conforme as palavras do Apóstolo: "levados pela humildade, julgai-vos uns aos outros como superiores".

De acordo com isto, todos os homens devem honrar-se mutuamente. A humildade é a virtude que nos faz descobrir que as manifestações de respeito pela pessoa - pela sua honra, pela sua boa-fé, pela sua intimidade - não são convencionalismos exteriores, mas as primeiras manifestações da caridade e da justiça.

 

A caridade cristã não se limita a socorrer o necessitado de bens económicos; leva-nos, antes de mais nada, a respeitar e a defender cada indivíduo enquanto tal, na sua intrínseca dignidade de homem e de filho do Criador.

Por isso, os atentados à pessoa - à sua reputação, à sua honra - provam, em quem os comete, que não professa ou não pratica algumas verdades da nossa fé cristã e, sempre, a carência de um autêntico amor de Deus.

A caridade com que amamos a Deus e ao próximo é a mesma virtude, porque a razão de amar o próximo é precisamente Deus e amamos a Deus quando amamos o próximo com caridade.

 

Espero que sejamos capazes de tirar consequências muito concretas deste bocado de conversa na presença do Senhor, principalmente o propósito de não julgar os outros, de não os ofender sequer com a dúvida, de afogar o mal em abundância de bem, semeando ao nosso redor a convivência leal, a justiça e a paz, e a decisão de nunca nos entristecermos se a nossa conduta recta for mal entendida por outros, se o bem que - com a ajuda contínua do Senhor - procuramos realizar, for interpretado retorcidamente, atribuindo às nossas intenções, através de um processo ilícito, maus desígnios próprios de uma conduta dolosa e simuladora.

Perdoemos sempre, com um sorriso nos lábios.

Falemos com clareza, sem rancor, quando pensarmos em consciência que devemos falar.

E deixemos tudo nas mãos do Nosso Pai, Deus, com um divino silêncio - Iesus autem tacebat, Jesus, porém, estava calado -, se se trata de ataques pessoais, por mais brutais e indecorosos que sejam.

Preocupemo-nos apenas em fazer boas obras, pois Ele encarregar-se-á de que elas brilhem diante dos homens.

 

73

          

Como toda a festa cristã, esta que agora celebramos é especialmente uma festa de paz.

Os ramos, com o seu antigo simbolismo, evocam aquela cena do Génesis: depois de ter esperado outros sete dias, novamente deitou a pomba fora da arca.

E ela voltou a ele pela tarde trazendo no bico um ramo de oliveira com folhas verdes.

Entendeu, pois, Noé que as águas tinham cessado sobre a terra.

Agora recordamos que a aliança entre Deus e o seu povo é confirmada e estabelecida em Cristo, porque Ele é a nossa paz.

Nessa maravilhosa unidade e recapitulação do velho no novo, que caracteriza a liturgia da nossa Santa Igreja Católica, lemos no dia de hoje estas palavras de profunda alegria: os filhos dos hebreus, levando ramos de oliveira, saíram ao encontro do Senhor, aclamando e dizendo: glória nas alturas.

 

A aclamação a Jesus Cristo une-se, na nossa alma, com aquela que saudou o seu nascimento em Belém.

E, à sua passagem, conta-nos S. Lucas, as multidões estendiam os seus mantos no caminho. E, quando já ia chegando à descida do monte das Oliveiras, toda a multidão dos seus discípulos começou alegremente a louvar a Deus em altas vozes por todas as maravilhas que tinham visto, dizendo: Bendito o Rei que vem em nome do Senhor. Paz no Céu e glória nas alturas.

 

Paz na terra

 

Pax in coelo, paz no céu.

Mas olhemos também o mundo: porque é que não há paz na terra? Não, não há paz.

Há somente aparências de paz, equilíbrio de medo, compromissos precários.

Nem sequer há paz na Igreja, sulcada por tensões que retalham a branca túnica da Esposa de Cristo.

Não há paz em muitos corações que tentam em vão compensar a intranquilidade da alma com a distracção contínua, com a pequena satisfação dos bens que não saciam, porque deixam sempre o travo amargo da tristeza.

 

Escreve Santo Agostinho “As folhas de palma são o símbolo da homenagem, porque significam vitória”.

O Senhor estava a momentos da vitória, morrendo na Cruz.

Ia triunfar, no sinal da Cruz, sobre o Diabo, príncipe da morte.

Cristo é a nossa paz porque venceu; e venceu porque lutou, no duro combate contra a maldade acumulada pelos corações humanos.

 

Cristo, que é a nossa paz, é também o Caminho. Se queremos a paz, temos de seguir os seus passos.

A paz é consequência da guerra, da luta, dessa luta ascética, íntima, que cada cristão deve sustentar contra tudo aquilo que, na sua vida, não é de Deus: contra a soberba, a sensualidade, o egoísmo, a superficialidade, a estreiteza do coração.

É inútil clamar pelo sossego exterior se falta tranquilidade nas consciências, no fundo da alma, porque é do coração que saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfémias.

 

74

          

Luta, compromisso de amor e de justiça

 

Mas não parece antiquada esta linguagem?

Porventura não foi substituída por um vocabulário de moda feito de claudicações pessoais encobertas com uma roupagem pseudo-científica?

Não existirá hoje um acordo tácito em que os bens reais são apenas o dinheiro que tudo compra, o poder temporal, a astúcia para ficar sempre por cima, a sabedoria humana que se autodefine como adulta e pensa ter superado o sagrado?

 

Não sou nem nunca fui pessimista, porque a fé me diz que Cristo venceu definitivamente e nos deu, como prémio da sua conquista, um mandato, que é também um compromisso: lutar.

Nós, cristãos, temos um empenho de amor, que aceitamos livremente com a chamada da graça divina: uma obrigação que nos anima a lutar com tenacidade.

Sabemos que somos tão frágeis como os outros homens, mas também não podemos esquecer-nos de que, se usarmos os devidos meios, seremos o sal, a luz e a levedura do mundo.

Seremos o consolo de Deus.

 

O nosso empenho de perseverar com firmeza neste propósito de Amor é, além disso, um dever de justiça.

E a matéria desta exigência, comum a todos os fiéis, traduz-se numa batalha constante.

A tradição da Igreja sempre se referiu aos cristãos como milites Christi, soldados de Cristo; soldados que dão serenidade aos outros enquanto combatem continuamente contra as suas próprias más inclinações.

Às vezes, por falta de sentido sobrenatural, por uma descrença prática, não querem compreender de forma alguma como milícia a vida na Terra.

Insinuam maliciosamente que, se nos consideramos milites Christi, há o perigo de utilizarmos a fé para fins temporais de violência, de sedições.

Esse modo de pensar é um triste e pouco lógico simplismo, que costuma andar unido ao comodismo e à cobardia.

 

Nada há de mais estranho à fé católica do que o fanatismo.

Este conduz a estranhas confusões, com os mais diversos matizes, entre o que é profano e o que é espiritual.

Tal perigo não existe, se a luta se entende como Cristo no-la ensinou, isto é, como guerra de cada um consigo mesmo, como esforço sempre renovado por amar mais a Deus, por desterrar o egoísmo, por servir todos os homens.

Renunciar a esta contenda, seja com que desculpa for, é declarar-se de antemão derrotado, aniquilado, sem fé, com a alma caída e dissipada em complacências mesquinhas.

 

Para o cristão, o combate espiritual diante de Deus e de todos os irmãos na fé é uma necessidade, uma consequência da sua condição. Por isso, se alguém não luta, está a trair Jesus Cristo e todo o Corpo Místico, que é a Igreja.

 

 

 

 

 

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.