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21/07/2020

Filosofia e religião


Teologia do Sacrosanctum Concilium 2 

2 – A origem da Igreja e da liturgia

Ao dizer que “do lado de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja”, repetindo assim palavras de santo Agostinho, o Concílio refere-se evidentemente ao relato do evangelista São João sobre a morte de Jesus.
Para dizer que Jesus morreu escreveu: “Entregou o espírito” [i].

Muitos dos santos padres viam nisso uma segunda afirmação do evangelista, a saber que Jesus entregou, na hora da sua morte, o Espírito Santo.
Esta interpretação certamente baseia-se no contexto do quarto Evangelho.

Como lemos no sétimo capítulo do Evangelho de São João, na festa do templo Jesus anunciou água viva.
O evangelho explica que Jesus estava falando do Espírito, que ainda não havia, porque Jesus ainda não foi glorificado [ii] .
A glorificação de Jesus, no entanto, coincide para São João com a exaltação do Filho do Homem na cruz [iii].
Na base desta interpretação compreende-se bem que o Ressuscitado na tarde do dia da ressurreição soprou sobre os apóstolos e lhes disse:
«Recebei o Espírito Santo» [iv].

Mas devemos dar um passo a mais.
Em antigas e recentes representações iconográficas da morte de Jesus ilustra-se a abertura do lado aberto pela lança e uma figura feminina que está debaixo da cruz com um cálice nas mãos. Para dentro deste cálice jorram o sangue e a água.
Os padres da Igreja interpretam também a abertura do lado de Jesus como derramamento do Espírito Santo, vendo na mulher com o cálice a Igreja e na água e no sangue os sacramentos do baptismo e da eucaristia.
Como lemos na “Sacrosanctum Concilium”, em santo Agostinho e em muitos outros padres da Igreja, este derramamento do Espírito é o nascimento da Igreja como sacramento universal de salvação, do qual os sete sacramentos, também os sacramentais e as outras celebrações litúrgicas, são como que um desdobramento.

A Igreja e a liturgia nasceram do coração de Jesus.

Já que estamos falando em nascimento da Igreja, parece-me bem completar esta visão a partir do Evangelho de São Mateus, onde se pode ver como ela foi concebida.
Lemos neste Evangelho, no fim do capítulo 9, que Jesus, percorrendo as cidades e os povoados, ensinando o Evangelho do Reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades, “ao ver a multidão teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor”. Então pediu aos discípulos que rezassem, para que o Senhor enviasse operários para a messe; mas também e sobretudo chamou os doze e “deu-lhes autoridade de expulsar os espíritos imundos e de curar toda sorte de males e enfermidades[v].
Estes doze são, evidentemente, o núcleo da futura Igreja.
Não será permitido entender este texto no sentido de que a Igreja foi concebida pela compaixão de Jesus, no seu coração compassivo? Podemos assim agora concluir que São João e São Mateus têm, no fundo, a mesma visão da origem da Igreja. E São Lucas no fundo não discorda de São João e São Mateus sobre a origem da Igreja pelo derramamento do Espírito Santo, embora a descreva de modo diferente.

Parece-me que a “Sacrosanctum Concilium” confirma esta visão da origem da Igreja e com ela da Liturgia, dizendo no artigo 6 que a Igreja, que, como vimos no artigo 5, nasceu na cruz, “no dia de Pentecostes apareceu ao mundo”.
Para a interpretação do texto citado de são Mateus, que apresentei, vendo ai a concepção da Igreja no coração de Jesus, não posso indicar referências, mas penso que esteja em harmonia com o contexto que citei.


(P. Gregório Lutz, CSSp)




[i] Jo 19,30
[ii] Cf. Jo 7,37-39
[iii] Cf. Jo 3, 14s
[iv] Jo 20,22
[v] Mt 9,35- 10,1

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