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19/05/2020

LEITURA ESPIRITUAL

COMENTANDO OS EVANGELHOS

São João

Cap. X



1 «Em verdade, em verdade vos digo: quem não entra pela porta no redil das ovelhas, mas sobe por outro lado, é um ladrão e salteador. 2 Aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. 3 A esse o porteiro abre-a e as ovelhas escutam a sua voz. E ele chama as suas ovelhas uma a uma pelos seus nomes e fá-las sair. 4 Depois de tirar todas as que são suas, vai à frente delas, e as ovelhas seguem-no, porque reconhecem a sua voz. 5 Mas, a um estranho, jamais o seguiriam; pelo contrário, fugiriam dele, porque não reconhecem a voz dos estranhos.» 6 Jesus propôs-lhes esta comparação, mas eles não compreenderam o que lhes dizia. 7 Então, Jesus retomou a palavra: «Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas. 8 Todos os que vieram antes de mim eram ladrões e salteadores, mas as ovelhas não lhes prestaram atenção. 9 Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim estará salvo; há-de entrar e sair e achará pastagem. 10 O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância. 11 Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas. 12 O mercenário, e o que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê vir o lobo e abandona as ovelhas e foge e o lobo arrebata-as e espanta-as, 13 porque é mercenário e não lhe importam as ovelhas. 14 Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me, 15 assim como o Pai me conhece e Eu conheço o Pai; e ofereço a minha vida pelas ovelhas. 16 Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil. Também estas Eu preciso de as trazer e hão-de ouvir a minha voz; e haverá um só rebanho e um só pastor. 17 É por isto que meu Pai me tem amor: por Eu oferecer a minha vida, para a retomar depois. 18 Ninguém ma tira, mas sou Eu que a ofereço livremente. Tenho poder de a oferecer e poder de a retomar. Tal é o encargo que recebi de meu Pai.» 19 Estas palavras tornaram a provocar desentendimento entre os judeus. 20 Muitos deles comentavam: «Ele tem demónio e está louco. Porque lhe dais ouvidos?» 21 Outros diziam: «Estas palavras não são dum possesso. Como é que um demónio pode dar vista aos cegos?» 22 Em Jerusalém celebrava-se, então, a festa da Dedicação do templo. Era Inverno. 23 Jesus passeava pelo templo, debaixo do pórtico de Salomão. 24 Rodearam-no, então, os judeus e começaram a perguntar-lhe: «Até quando nos deixarás na incerteza? Se és o Messias, di-lo claramente.» 25 Jesus respondeu-lhes: «Já vo-lo disse, mas não credes. As obras que Eu faço em nome de meu Pai, essas dão testemunho a meu favor; 26 mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas. 27 As minhas ovelhas escutam a minha voz: Eu conheço-as e elas seguem-me. 28 Dou-lhes a vida eterna, e nem elas hão-de perecer jamais, nem ninguém as arrancará da minha mão. 29 O que o meu Pai me deu vale mais que tudo e ninguém o pode arrancar da mão do Pai. 30 Eu e o Pai somos Um.» 31 Então, os judeus voltaram a pegar em pedras para o apedrejarem. 32 Jesus replicou-lhes: «Mostrei-vos muitas obras boas da parte do Pai; por qual dessas obras me quereis apedrejar?» 33 Responderam-lhe os judeus: «Não te queremos apedrejar por qualquer obra boa, mas por uma blasfémia: é que Tu, sendo um homem, a ti próprio te fazes Deus.» 34 Jesus respondeu-lhes: «Não está escrito na vossa Lei: ‘Eu disse: vós sois deuses’? 35 Se ela chamou deuses àqueles a quem se dirigiu a palavra de Deus - e a Escritura não se pode pôr em dúvida – 36 a mim, a quem o Pai consagrou e enviou ao mundo, como é que dizeis: ‘Tu blasfemas’, por Eu ter dito: ‘Sou Filho de Deus’? 37 Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim; 38 mas se as faço, embora não queirais acreditar em mim, acreditai nas obras, e assim vireis a saber e ficareis a compreender que o Pai está em mim e Eu no Pai.» 39 Por isso procuravam de novo prendê-lo, mas Ele escapou-se-lhes das mãos. 40 Depois, Jesus voltou a retirar-se para a margem de além-Jordão, para o lugar onde ao princípio João tinha estado a baptizar, e ali se demorou. 41 Muitos vieram ter com Ele e comentavam: «Realmente João não realizou nenhum sinal milagroso, mas tudo quanto disse deste homem era verdade.» 42 E muitos ali creram nele.

Comentários:


         A porta serve fundamentalmente para franquear a passagem e, também, para ga­rantir que só entra ou sai quem a ela tem acesso.
Jesus Cristo dá de Si próprio esta imagem da porta que se abre a quem 0 seguir ou, melhor, a quem desejar percorrer o caminho da salvação que é Ele próprio. «Eu sou o caminho, e não há outro que conduza ao Pai.» Ele vai à nossa frente como guia e pastor e o Seu passo é igual ao nosso porque não tem pressa e, frequentemente, quando por qualquer motivo paramos, espera com infinita paciência que retomemos a marcha sem desfalecimentos
.
         As relações entre Deus e os homens podem resumir-se numa palavra: Amor! Para amar a Deus é preciso conhece-Lo e, conhecendo-O, não é possível não O amar. A medida do nosso amor a Deus depende de quanto O conhecemos. Deus, que nos conhece intimamente ama-nos sem limite, por isso mesmo temos de conhecer Deus pondo todas as nossas capacidades neste objectivo, assim, conhecendo-O mais poderemos ama-Lo melhor.
         Continua o discurso do Bom Pastor. Jesus quer que todos entendam bem o Seu papel, a Sua missão. Assumindo-Se claramente como guia e chefe dos homens também deixa claro que É O único em Quem se pode e deve confiar. O alerta repetido dos que ao longo dos tempos hão-de tentar assumir esse papel tem absoluta razão de ser porque sabemos e constatamos que assim tem acontecido e sempre acontecerá. A exploração dos crédulos e pouco instruídos, muitas vezes desesperados e sem rumo, é campo fértil para esses lobos vestidos de cordeiros.
         Este Pastor e este rebanho são, como dizer, ”feitos Um para o outro”. De facto, o rebanho foi criado e é pertença absoluta do Pastor e é Ele Quem conduz, comanda, governa, alimenta. Poderia ser um pastor qualquer – como há muitos, infelizmente – que se limitasse a gozar a sua posse, a usufruir dos frutos. Mas não! Este Pastor é mais servo que senhor porque, se necessário for – como foi – chega ao ponto de dar a própria vida por cada uma das Suas ovelhas.
         Fica bem claro, pelas palavras de Cristo, Quem verdadeiramente tem poder sobre a vida e sobre a morte. Convém, portanto, que Lhe agradeçamos o dom da vida e, ao vivê-la como Ele quer que vivamos, alcancemos dele a graça de uma boa morte.
         Este trecho do Evangelho vem lembrar-nos a necessidade de rezar por todos aqueles (e, infelizmente, são muitos) que na busca de consolo e solução para as suas aflições, seguem com ilusão falsos pastores que enganam e mistificam a Única Verdade, que és Tu, Senhor. Pobre gente, iludida e cega, onde acabará? Sabemos de Fonte Segura, que é o próprio Jesus Cristo, que haverá um «só rebanho e um só pastor», mas, entretanto…
         Cristo deu a Sua vida pela humanidade inteira, não por uns quantos escolhidos e privilegiados mas por todos os homens sem excepção. Por isso mesmo, quer que todos os homens se salvem e, a única forma de tal acon­tecer é segui-Lo no caminho que nos deixou: A Sua Santa Igreja de que é a Cabeça. O Seu Vigário, o Papa, tem esse encargo de conduzir – todos – pelo caminho que leva à verdadeira felicidade na Vida Eterna. Seguir o Papa é seguir Cristo, ouvir a sua voz é ouvir Cristo, obedecer-lhe é obedecer a Cristo, amá-lo é amar Cristo.
        O Evangelista São João - já o dissemos – tem como “lema” no Evangelho que escre­veu, salientar de forma clara e iniludível a figura salvífica de Jesus Cristo. Ele é O enviado pelo Pai para salvar a humanidade, o guia seguro para a conduzir pelos caminhos de salvação. A figura do Pastor que conduz diligentemente o seu rebanho não como uma “massa amorfa” mas como seres individuais que respeita e ama com um amor de tal dimen­são que é capaz – e fá-lo-á – de dar a vida por todos e cada um dos que Lhe confiou.

         A Igreja celebra o Domingo do Bom-Pastor. Em plena Páscoa quando os corações dos cristãos ainda exultam com a Ressurreição de Cristo fica bem lembrar esta figura tantas vezes utilizada por Jesus Cristo. O rebanho e o pastor, a vide e os sarmentos, são exemplo que O Senhor dá para vincar bem a necessidade, que todos os homens temos, de estarmos bem unidos a Ele. Sem esta união, será difícil viver uma vida cristã como deve de ser, não recebemos a seiva alimentadora da “vide” onde estamos enxertados nem teremos um guia seguro que nos conduza pelos caminhos da terra. Em suma, sem esta união bem estreita e constante, será muito difícil alcançar a Vida Eterna nosso principal objectivo.
         Proliferam por todo o lado rebanhos que seguem falsos pastores, alguns com uma autêntica devoção dedicada e disposta a tudo. Causa admiração constatar esta realidade. Vastíssimo campo de apostolado se estende à nossa frente! Peçamos ao nosso Pastor que nos guie e conduza de tal forma que o nosso comportamento seja exemplo e atraia.
         Com que alegria lemos estas palavras de Jesus Cristo: «Eu dou-lhes a vida eterna; elas jamais hão-de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão». Que ventura extraordinária pertencer ao rebanho do Salvador! Quem mais nos poderia garantir tal futuro? Evidentemente que depende de cada um fazer o que lhe compete e que, em suma, é seguir o Pastor Divino, escutar a Sua voz e fazer como Ele manda. Se houver sacrifício - e quase sempre há - renúncia e escolha, aí estará Ele para nos ajudar nessas dificuldades e - tenhamos sempre presente - o prémio que nos tem reservado merece bem todo o esforço, luta e empenho que pusermos da nossa parte.
         «Até quando nos deixarás na incerteza? Se és o Messias, di-lo claramente.» Temos alguma dificuldade em entender estes contemporâneos de Jesus e a sua insistência no mesmo tema e, ao mesmo tempo, admiramos a paciência do Senhor em responder sempre mesmo sabendo que a Sua resposta de pouco servirá pelo menos para alguns. Mas nem Se cansa nem deixa de responder – doutrinando – porque poderá haver alguém – talvez um só dos que perguntaram – compreenda e aceite e, se assim acontecer, cumpre-se o Mandato Divino que, em suma é: Querer que todos se salvem.
         A declaração de Jesus Cristo: «Eu e o Pai somos Um» é de tal forma clara e conclusiva não admite interpretações. Da mesma forma se dissesse: ‘Eu sou Deus!’. Porém, deixa essa “conclusão” aos que O escutam pois quer evitar susceptibilidades que bem sabemos tal afirmação levantaria. Fala das Suas ovelhas que Lhe pertencem porque são de Deus e têm a vida eterna assegurada exactamente por isso mesmo. O Seu desejo – tantas vezes expresso – é que haja um só rebanho e um só Pastor – Ele próprio – porque todos, absolutamente, fomos e somos criados à imagem e semelhança de Deus. Como nas famílias humanas também na Família Divina não pode haver dissensões porque, a existirem, nem umas nem Outra podem subsistir.
         Em boa verdade temos de reconhecer que as dúvidas – e até escândalo – dos judeus, tem alguma razão de ser. Até então, Deus era de tal forma distante e inatingível, que nem sequer o Seu nome se podia pronunciar. O que não percebem, ainda, é que Jesus Cristo vem exactamente para ensinar que Deus não é nem distante e, muito menos, inatingível; está com os homens, quer os homens perto de Si, deseja “conviver” com eles como um Pai convive com os seus filhos. Este ensinamento – anúncio – é de tal forma contraditório com séculos da história das relações de Israel com Deus, que nem lhes ocorre que, de facto, Deus sempre falou com os homens, os profetas – a começar por Abraão, nosso Pai na Fé – intervindo pessoalmente nas suas vidas como, por exemplo, guiando – por meio de uma nuvem - o povo durante a travessia do deserto a caminho da terra prometida. Os homens sim, foram gradualmente afastando-se da convivência divina assumindo eles próprios o “direito” de interpretar a Lei como de facto o faziam. Acontece que, uma Lei, não se interpreta a belprazer, ou se aceita e se cumpre ou, não a aceitando, não se tem o direito de falar em nome dela

         Temos sempre muita dificuldade em compreender - e portanto, aceitar - a posição dos chefes de Israel a respeito de Jesus. Mas não nos compete tal tarefa nem temos que assumir-nos como "juízes", basta seguir o exemplo do Próprio Senhor que, embora contestando e respondendo, aproveitou sempre o ensejo para doutrinar, ensinar, dizendo a verdade. Sigamos, nós os cristãos, o exemplo de Cristo e, em lugar de criticar, peçamos antes por todos aqueles que não sabem - ou não querem - ver onde reside a verdade, onde está o que vale a pena acreditar.
         Jesus Cristo responde usando os mesmos argumentos dos que O interpelam tentando fazer-lhes ver o anacronismo entre o que afirmam seguir o que dizem. «a Escritura não pode abolir-se», como Cristo confirma, mas não é, de modo nenhum, de interpretação livre conforme conveniências ou eventuais "pontos de vista". O que está escrito ou anunciado pelos profetas pode ser interpretado ao longo dos tempos, retirando o simbolismo, mas conservando o espírito que esteve na sua base. E, atenção, o que deveria ser válido nos tempos de Cristo na terra, continua - tal qual - a sê-lo nos dias de hoje. As homilias - sobretudo - destinam-se a conduzir os fiéis nos caminhos da Fé e não a provocar-lhes dúvidas nem interrogações. O púlpito de uma Igreja é de onde deve emanar a palavra de Deus e não um local para "aulas" de interpretação ou teorias teológicas.

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