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29/05/2020

LEITURA ESPIRITUAL

COMENTANDO OS EVANGELHOS


São Marcos

Cap. VII





1 Os fariseus e alguns doutores da Lei vindos de Jerusalém reuniram-se à volta de Jesus, 2 e viram que vários dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, isto é, por lavar. 3 É que os fariseus e todos os judeus em geral não comem sem ter lavado e esfregado bem as mãos, conforme a tradição dos antigos; 4 ao voltar da praça pública, não comem sem se lavar; e há muitos outros costumes que seguem, por tradição: lavagem das taças, dos jarros e das vasilhas de cobre. 5 Perguntaram-lhe, pois, os fariseus e doutores da Lei: «Porque é que os teus discípulos não obedecem à tradição dos antigos e tomam alimento com as mãos impuras?» 6 Respondeu: «Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, quando escreveu: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. 7 Vazio é o culto que me prestam e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos. 8 Descurais o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens.» 9 E acrescentou: «Anulais a vosso bel-prazer o mandamento de Deus, para observardes a vossa tradição. 10 Pois Moisés disse: Honra teu pai e tua mãe; e ainda: Quem amaldiçoar o pai ou a mãe seja punido de morte. 11 Vós, porém, dizeis: "Se alguém afirmar ao pai ou à mãe: ‘Declaro Qorban’ - isto é, oferta ao Senhor - aquilo que poderias receber de mim...", 12 nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe, 13 anulando a palavra de Deus com a tradição que tendes transmitido. E fazeis muitas outras coisas do mesmo género.» 14 Chamando de novo a multidão, dizia: «Ouvi-me todos e procurai entender. 15 Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. 16 Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça.» 17 Quando, ao deixar a multidão, regressou a casa, os discípulos interrogaram-no acerca da parábola. 18 Ele respondeu: «Também vós não compreendeis? Não percebeis que nada do que, de fora, entra no homem o pode tornar impuro, 19 porque não penetra no coração mas sim no ventre, e depois é expelido em lugar próprio?» Assim, declarava puros todos os alimentos. 20 E disse: «O que sai do homem, isso é que torna o homem impuro. 21 Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, as prostituições, roubos, assassínios, 22 adultérios, ambições, perversidade, má fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios. 23 Todas estas maldades saem de dentro e tornam o homem impuro.» 24 Partindo dali, Jesus foi para a região de Tiro e de Sídon. Entrou numa casa e não queria que ninguém o soubesse, mas não pode passar despercebido, 25 porque logo uma mulher que tinha uma filha possessa de um espírito maligno, ouvindo falar dele, veio lançar-se a seus pés. 26 Era gentia, siro-fenícia de origem, e pedia que lhe da filha o demónio. 27 Ele respondeu: «Deixa que os filhos comam primeiro pois não está bem tomar o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos.» 28 Mas ela replicou: «Dizes bem, Senhor, mas até os cachorrinhos comem debaixo da mesa <as migalhas dos filhos.» 29 «Em atenção a essa palavra, vai: o demónio saiu de tua filha.» 30 Ela voltou para casa e encontrou a menina recostada na cama. O demónio tinha-a deixado. 31 Tornando a sair da região de Tiro, veio por Sídon para o mar da Galileia, atravessando o território da Decápole. 32 Trouxeram-lhe um surdo tartamudo e rogaram-lhe que impusesse as mãos sobre ele. 33 Afastando-se com ele da multidão, Jesus meteu-lhe os dedos nos ouvidos e fez saliva com que lhe tocou a língua. 34 Erguendo depois os olhos ao céu, suspirou dizendo: «Effathá», que quer dizer «abre-te.» 35 Logo os ouvidos se lhe abriram, soltou-se a prisão da língua e falava correctamente. 36 Jesus mandou-lhes que a ninguém revelassem o sucedido; mas quanto mais lho recomendava, mais eles o apregoavam. 37 No auge do assombro, diziam: «Faz tudo bem feito: faz ouvir os surdos e falar os mudos.»

Comentários:

Como se sabe, os Judeus consideravam – e ainda assim é – que alguns alimentos eram impróprios – impuros – e que Deus não desejava que os tomassem para não ficarem eles próprios contaminados. Jesus Cristo vem explicar claramente que a Lei é, assim, mal interpretada porque, se de facto antigamente se recomendava a abstinência de alguns alimentos, tal se devia a evitar excessos de comida e bebida daí, também, se recomendasse o jejum frequente. Uma “medida profilática” dada a um povo rude e violento, transformou-se numa lei de observância rigorosa e, talvez, caricata. A pureza ou impureza não tem a ver com a limpeza do corpo mas com a brancura da alma e do coração. O que se pensa e deseja no íntimo, só o próprio e Deus o sabem e só a Este haverá que dar contas.
        Aqui está bem expresso que o Senhor não faz acepção de pessoas. As Suas palavras aparentemente duras para a mulher que O interpelava de facto não o são já que esta não estranha o tratamento que lhe é dado. Jesus Cristo quis deliberadamente mostrar aos circunstantes que todo o ser humano tem o mesmo valor intrínseco perante Deus Criador e nem o facto de ter dado – por assim dizer – a primazia ao povo judeu no cumprimento da promessa feita a Abraão é motivo para não atender os que O procuram com Fé e Confiança.
        O Evangelista tem a preocupação de que conste neste relato algo singular: Jesus «tomando-o à parte de entre a multidão»… Porquê o Senhor deseja fazer este milagre com a discrição possível, fora dos olhares dos circunstantes? Talvez por um pormenor: «atravessando o território da Decápole» onde como se sabe, não era bem-vindo. Não obstante, alguns pedem-lhe por um pobre surdo-mudo, que o cure e, o Senhor, não resiste aos pedidos justos. Tal como Deus desistiria do castigo de Sodoma e Gomorra por causa dos justos que Abraão invocava, assim Cristo, por um só filho Seu fará o que Se Lhe pedir.
         Também nós, muitas vezes nos sentimos impelidos a soltar este brado:"Effathá», Senhor abre a minha alma o.meu coração para que possa escutar com clareza as Tuas palavras e escutando entenda e entendendo as ponha em prática. Assim poderei como este que curaste do Seu mal possa agradecer como desejo e louvar-Te como devo.
        Por aqui se vê como é conveniente na oração de petição expormos ao Senhor as razões do nosso pedido e o que pode “advogar” em nosso favor para que Ele no-lo conceda. Mas, o Senhor, não o sabe? Claro que sim, Ele sabe tudo e conhece o que nos vai na alma e as intenções do nosso coração mas, gosta de ser urgido como se precisasse de ser convencido pelos nossos argumentos. Esta prática também nos ajuda a pedir melhor e, sobretudo, a pedir o que realmente precisamos que nos conceda.
        «foi lançar-se a Seus pés» esta, a atitude “normal” do súbdito perante o Senhor, da Criatura perante o Criador. Quando alguém vai ter com outrem para lhe pedir algo importante que atitude toma? Não se lança aos pés de quem o ouve, isso está fora de questão, mas toma uma atitude de respeito e deferência. Ou não? Então quando nos dirigimos a Deus para Lhe pedir algo que julgamos indispensável e decisivo para a nossa vida, a postura que adoptamos deve ser diferente? Será que não vamos muitas vezes com a disposição de lembrar ao Senhor que “tem” de nos dar o que pedimos como se fosse uma Sua obrigação que está por cumprir? Claro, somos filhos de Deus e, os filhos, têm à vontade com os Pais mas, esse à vontade, não significa de modo nenhum menos respeito ou deferência.
Jesus Cristo mostra com evidente clareza que as Suas obras - neste caso os milagres - não são algo automático e estereotipado. Cada pessoa humana é um ser individual a quem o Senhor trata de acordo. Uma simples palavra bastaria como tantas vezes fez: 'fica curado do teu mal'. Mas aqui há como que uma "elaboração" do milagre talvez para consolidar a fé do doente e dos circunstantes. Tudo - absolutamente - que o Senhor faz tem um propósito e um objectivo.
        Não tomemos de menos a tradição como uma das fontes da nossa Fé, da nossa Santa Religião Católica. De facto os nossos Pais e responsáveis de educação deram-nos princípios basilares que não nos deixaram indiferentes. Mesmo que o tenham feito apenas para cumprir uma tradição ou costume o seu efeito não se perde e, tarde ou cedo, virão ao de cima esses princípios e conhecimentos que recebemos na infância.
        Os costumes as tradições que se vão transmitindo de geração em geração constituem para os judeus, autênticas obrigações que não podem deixar de ser levadas em conta. Alguns destes costumes e tradições foram até transformados em leis cada vez mais complexas e minuciosas que eram impostas ao povo sem admitir discussão. Claro que havia nestes procedimentos e interesses de classe, o que Jesus não se cansa de denunciar. Por isso mesmo podemos compreender a sua animosidade a Cristo.
        A impureza é uma “carga” terrível da qual muitos infelizmente não conseguem libertar-se. Talvez seja um dos estados de vida que cria mais hábito e, até, rotina. O que se pratica, diz ou vive vai perdendo a sua verdadeira importância e valor e não tarda a cair-se num “deixar andar” em que de certa maneira tudo é permitido, nada faz mal. O Senhor foi muito claro: «Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus».
        Moisés tinha dado ao povo uma completíssima legislação o que se compreende dada a falta de cultura - pouco mais que nómadas selva­gens - do povo israelita. Com base no Decálogo foi construindo esse acervo legislativo que con­tinha os princípios básicos do indispensável para regular a vida social. Com o tempo, os Doutores da Lei e, principalmente os fariseus, foram “misturando” as coisas levando o povo ignaro a considerar que tudo era a Lei de Deus e, como tal, rigorosamente observado. O erro dos chefes e guias é muito grave porque leva outros a errarem. A Deus o que é de Deus, aos homens o que é dos homens.
        Há comportamentos semelhantes hoje em dia. Quantos progenitores não celebram os Baptizados dos filhos com gran­des festas e aparato e, depois, os deixam como que entregues a si próprios o resto das suas infâncias! A Catequese na Igreja e se há possibilidades económicas, algum esta­belecimento de ensino religioso e… fica-se por aqui a sua preocupação com a educação religiosa da criança. É verdade, que em muitos casos, não se sentem muito à vontade por­que como não observam os Mandamentos e, até, à Missa ao Domingo só se vai de vez em quando, o exemplo que dão aos filhos não sustenta o que possam dizer-lhes.
        Preceitos humanos e obrigações para com Deus, regras de convivência social e normas de relação com o nosso Criador e Senhor. Ambas são necessárias e convém observar, mas as segundas são pri­oritárias; tocam-se em muitos pontos mas não se confundem. Evidentemente não se pode ser bom cristão tendo um comportamento social irregular mas tal não altera aquela escala de prioridades. O Quarto Mandamento vai perdendo a sua importância cada dia que passa. Em lugar de exemplo a seguir, a referência a ter em conta, os Pais, sobretudo quando de idade avançada, constituem um estorvo e en­cargo extra. Alguns – infelizmente em número crescente - esquecem tudo o que os Pais fizeram para lhes proporcionar o que desejavam, o seu apoio nas horas mais sombrias, a sua disponibilidade para perdoar as irreverên­cias, as preocupações com a sua saúde, a solicitude com que atende­ram os seus projectos. A ingratidão é, sempre, uma falta muito feia mas assume especial gra­vidade quando se verifica em relação aos progenitores. Infelizmente o que Jesus recrimina aos que O ouvem, continua a veri­ficar-se hoje em dia: filhos que abandonam os pais quando estes se tornam incómodos porque, achacados pela doença ou outras limita­ções, passam a ser um estorvo na sua vida. Todos os anos, principalmente pelas férias de Verão, centenas de pes­soas são literalmente abandonadas nos hospitais pelos familiares mais próximos – os filhos – que querem ir de férias “descansados” e sem maçadas. Estes procedimentos revelam uma frieza de coração e uma total au­sência de carinho ou ternura pelos progenitores que têm direito a elas, uma falta de respeito por eles, como pessoas em primeiro lugar e como pais em segundo. Merecem sem dúvida, as mesmas invectivas que, neste trecho do Evangelho, Jesus faz aos fariseus e aos escribas, precisamente aqueles que deveriam dar, ao povo, o exemplo nas relações dos filhos com os seus pais.
        Honrar Pai e Mãe é um Mandamento da Lei de Deus. Essa honra que é devida aos progenitores não pode limitar-se em as­segurar a sua velhice de forma mais ou menos confortável e digna. Não cabem as desculpas - infelizmente tão frequentes - que 'a vida de hoje não permite outra coisa... E já é muito. A honra tem a ver com o amor, principalmente com o amor. É preciso fazer sacrifícios, renunciar a alguma coisa? Pois faça-se! Renuncie-se! O nosso Pai do Céu está muito atento à forma como tratamos os nossos pais terrenos. Não esqueçamos que a derradeira “preocupação” de Cristo foi para com a Sua Mãe: ''eis aí a tua Mãe!''
        Ao ler este trecho do Evangelho de S. Marcos talvez alguém se sinta tentado a pensar: ‘isto não é para mim nem para agora, passar-se-ia naquele tempo…’ Nada mais falso. Tudo isto se passa nos dias de hoje e, cada vez com maior frequência. As desculpas e falsos motivos para “despojar” os progenitores, enve­lhecidos, doentes e cansados dos seus legítimos direitos são inúmeras e, sempre, motivadas pelo egoísmo e pela falta de amor aos seus. Um Pai ou uma Mãe, atingidos por Alzheimer, que não dizem coisa com coisa nem são capazes de se “governar sozinhos” é, de facto um pro­blema assim tão diferente daquele com que esse mesmo Pai ou essa mesma Mãe se defrontaram quando, durante os primeiros anos da nossa vida, não articulávamos palavra, não tínhamos coerência de pen­samentos e, muito menos, éramos capazes de nos mantermos sozi­nhos? Sim… com infinita paciência e carinho, ensinaram-nos a falar, corrigi­ram os erros, ajudaram-nos nos primeiros passos cambaleantes, nunca nos faltaram com a sua protecção. Tudo isto porquê? Porque nos amavam? Então… o amor não se paga com amor?
        Jesus Cristo continua a desmistificar a interpretação da Lei de Moisés que os chefes do povo, nomeadamente os Príncipes dos Sacerdotes e os Escribas, se foram atribuindo o direito de impor.O que não passava de normas e recomendações de cariz meramente social, de comportamento básico como a higiene e os cuidados a ter com o próprio corpo, passaram, assim, a ser regras rígidas de carácter religioso cuja observância era obrigatória desvirtuando completamente não só o sentido da Lei mas, o que era mais grave, esquecendo o ver­dadeiramente importante a ter em conta
        Às vezes podemos referir que os ensinamentos de Jesus são algo enig­máticos. Teríamos razão se nos apegarmos às palavras, ao texto do discurso e não ao seu sentido.Mas, neste caso, deste trecho do Evangelho, não podemos dizer tal coisa porque, de facto, ele não poderia ser mais claro e conclusivo. Jesus explica com meridiana clareza que quando o homem deixa que seja o coração a mandar na sua vida, a determinar as emoções, senti­mentos e comportamento, sem que a 'cabeça', o entendimento o regule e comande, corre sério risco de pensar e agir de forma inconveniente e reprovável. A pessoa bem formada, com um carácter sólido não se deixa dominar pelos impulsos do coração mas condiciona-os a uma avaliação criteriosa da sua conveniência.
        É bem de ver a qualidade dos homens que seguiam o Senhor, pouco inteligentes, sem grande instrução e débeis de vontade. Mas isso pouco importa porque têm recta intenção e ausência de pre­conceitos e, mais importante talvez, têm a franqueza sincera e humilde de perguntar o que não sabem de pedir esclarecimentos sobre o que não entendem bem. O que Jesus diz não “resvala” por eles, entranha-se no seu espírito e, depois de informados, cria raiz e frutifica.
        Mais uma vez; Jesus fala sobre o verdadeiro critério que as pessoas que se pretendem com boa intenção devem ter. Não ir atrás de falsos conceitos, promessas ou palavras soltas fora do contexto como tanto gostam de fazer alguns chamados “pregadores” de inúmeras “igrejas” que utilizam as palavras da Lei para manipular à vontade – à sua vontade – os pobres incautos que lhes caem na teia. Deus não poderia nunca fazer algo mal, isto é, que fosse mau para o homem. Quando entregou aos nossos primeiros Pais o domínio sobre a terra e que nela se contém não pôs qualquer limitação no seu uso. (Comer ou não carne de porco terá a ver, apenas, com a decisão pes­soal e nunca como uma regra imposta ou mesmo recomendada por Deus.) Neste caso, a profilaxia, é uma tarefa humana.  Seria o mais completo desrespeito pela liberdade do homem, Deus im­por uma selecção de alimentos permitidos e proibidos. Ora, Deus, que respeita a liberdade da criatura, nunca faria tal coisa. Muitos se arvoram em seus "porta-vozes" preconizando e instituindo regras e condutas que o Senhor nunca expôs. E, isto, serve para tudo, para coisas aparentemente boas ou, pelo menos, inócuas, ou para comportamentos reprováveis e até perigosos. Veja-se essas "seitas" e algumas chamadas "igrejas" que proliferam um pouco por todo o lado algumas das quais advogam o sexo livre e indiscriminado e até a imolação (suicídio) colectivo.
        «Tudo fez bem!» Esta afirmação dos circunstantes traduz uma verdade insofismável: Jesus Cristo é o verdadeiro Filho de Deus e, portanto, todas as Suas obras são perfeitas. Repete-se em Jesus Cristo o que a Bíblia nos conta sobre a Criação quando refere que (Deus) «olhou o que tinha feito e achou que tudo era muito bom» (Gen 1, 26-28.31)
        Quantas vezes esperamos que o Senhor nos diga também a nós: abre-te! Sim. Abre o teu coração ao Meu Amor, a tua inteligência à verdadeira Fé, a tua alma às inspirações do Espírito Santo! Abre-te, todo tu, entrega-me tudo o que tens, os teus desejos e aspi­rações nobres, as tuas ânsias de santidade! Abre-te a Mim e, Eu, te encherei de mais graças para seres mais forte, corajoso, perseverante na oração e fiel na tua amizade por Mim!
        Sabendo que nada foi escrito por acaso e que tudo foi inspirado pelo Espírito Santo, por vezes apetece meditar nas palavras e expressões dos evangelistas que parecem “a mais” no texto ou, talvez, sem grande significado ou relevância. São Lucas diz que Jesus «levantando os olhos ao Céu, suspirou».  O que quer isto dizer? Porque que constam aqui nestas pequenas coi­sas. Quantas vezes, perante algo que de qualquer modo nos incomoda, não fazemos exactamente o mesmo: levantamentos os olhos ao Céu e sus­piramos, como quem diz: ‘Que hei-de fazer? Como hei-de suportar isto? Que remédio?’A humanidade de Jesus revela-se igualmente nestas pequenas coisas, nestes gestos e reacções tão tipicamente humanos. Se o surdo-mudo fosse um homem de fé Jesus tê-lo-ia levado aparte, metido os dedos nos ouvidos, tocado com saliva a língua? Muito provavelmente… não. Estes gestos foram necessários para confirmar a pouca fé do pobre homem e, por respeito por este, faz isto afastado da multidão. Quem procura Jesus para ser curado dos seus males obtém, segura­mente essa cura, mas ela depende da sua fé em Cristo e na sua justiça. O caminho para Cristo é Maria, por isso a temos como especial media­neira que nos leva a seu Filho, endireitando o que está enviesado e “compondo” o que pedimos.
        Porque é que Jesus, nas curas que opera, usa formas diferentes de ac­tuar? Umas vezes limita-se a ordenar e, os enfermos ficam curados; outras toca a pessoa ou deixa que esta toque, pelo menos, o Seu manto; ou ainda, como neste caso - meter os dedos nos ouvidos ou ungir os olhos com lama feita com saliva e terra? Não sabemos a verdadeira razão mas podemos imaginar dois motivos; o primeiro depende da fé daquele que pede a cura: uma fé sólida, firme, absoluta tem uma resposta imediata ao passo que a fé mais débil ou hesitante “obriga” a um procedimento mais demorado exac­ta­mente para fortalecer a fé de quem pede. Isto deve servir-nos de lembrança quando pensarmos que o Senhor não atende o que justamente Lhe solicitamos. Talvez á nossa oração falte essa fé firme, inabalável que “leve” o Se­nhor a conceder sem de­mora o que pedimos. Além disso, ter-mos presente que, tal como neste trecho do Evangelho, a nossa fé deve bastar para levarmos os outros, mesmo que a sua fé seja débil, ao encontro com Cristo. Ele saberá o que fazer
        Parece que algumas pessoas - algumas com responsabilidade especí­fica na orientação dos fiéis da Igrejas Católica - têm alguma dificuldade em "lidar" com as curas de Jesus, sobretudo aquelas que opera sobre possessos do demónio como abundantemente se refere nos Evange­lhos. Parece haver falso pudor ou, talvez, medo de chamar as coisas pelo seu nome. É, pois, preciso ter claro que nenhuma palavra dos Evangelhos foi usada por acaso ou com simbolismo. Não! O que se lê no Evangelho é a palavra de Deus e, Ele, é a Verdade, logo não pode haver nem dúvidas nem “interpretações” do que lá consta.
        Jesus Cristo diz sempre as palavras certas, chama as coisas pelo seu verdadeiro nome. Não procura agradar a quem O ouve mas tão só dizer, expor, a verdade tal como ela é. Assim, chama Demónio ao espírito imundo que possuía a jovem, como o Evangelho relata. Logo, o Demónio existe!
        A falsa humildade é, muitas vezes o que nos impede de nos aproximar-mos de Jesus com confiança. É verdade que somos pouca coisa e indignos de falar directamente com Deus mas, ao converter-nos em Seus filhos pela Sua Paixão, Morte e Ressurreição, Cristo deu-nos esse direito e quer que o exerçamos com confiança. Disse-nos com toda a clareza para pedir-mos o que julgar-mos precisar. Ele, na Sua infinita sabedoria, dar-nos-á aquilo que nos convém.
        O pão dos filhos! Claro que, eles, estão em primeiro lugar nas preocupações que por eles sentimos e na assistência que lhes devemos prestar. Mas esta evidência que é natural e legítima não deve nem pode fazer com que desprezemos os outros e que não estejamos igualmente atentos às suas necessidades que está na nossa mão resolver ou, de alguma forma minimizar.
        «Effathá», abre-te! E, a estas palavras, abriram-se os ouvidos do surdo! Muitas vezes esperamos por algo semelhante, a exclamação que nos desperte da nossa modorra, um gesto que nos urja a levantarmo-nos do nosso torpor e a seguir o caminho, enfim, algo que nos entusiasme, nos anime e faça decidir a continuar o caminho traçado. E, algumas vezes, nada disto acontece, ou melhor, não nos damos conta que aconteça, de tal forma estamos absorvidos com os nossos próprios problemas e as soluções que procuramos para os mesmos. Entregamo-nos com ardor e pertinácia na busca dessas soluções, desses remédios e descuramos o que está mesmo à nossa frente, ao nosso alcance. Ele que nos diz, «Effathá», não nos deixa nunca, não se afasta e, quando nos afastamos – porque somos nós que nos afastamos – espera pacientemente que retrocedamos sobre os nossos passos e nos deixemos curar pela Sua ciência de Médico Divino.
        As normas que se referem neste trecho do Evangelho, foram instituídas por Moisés para um povo pouco menos que selvagem e primitivo. Como muitas outras tratavam-se códigos de conduta social destinadas a levar o povo a um patamar mais elevado de educação comportamental. Por conveniência os chefes do povo foram convertendo estes códigos em lei religiosa que tinha de ser estritamente observada. Assim dominavam e exerciam poder sobre os seus concidadãos por quem não tinham outra preocupação motivada pela misericórdia e solidariedade.
        Por várias vezes os comentários sobre estas atitudes dos fariseus e chefes do povo referem  a falta de critério e honradez intelectual de que amiúde davam mostras. Teremos de fazer um esforço para compreender que, apesar de tudo, manifestam coerência. Louva-se a sua atitude? Evidentemente não mas consideremos que embora eles não tenham essa intenção, as reacções e respostas de Jesus a estas manifestações contribuem para o esclarecimento do povo e a afirmação da doutrina verdadeira. E teremos de concluir que, de um “mal” aparente, o Senhor, tira sempre um bem verdadeiro.
        Talvez a hipocrisia seja um dos defeitos que Jesus mais aponta aos Fariseus e Escribas. Porque ama a simplicidade, não sabe o que há-de fazer com men­tes retorcidas, calculistas, preconceituosas. Ser simples – simples como as crianças – é a virtude que Cristo mais sublinha e inúmeras vezes de forma muito radical, diria. Afirma inclusive, que se não formos simples como as crianças não teremos lugar no Reino de Deus. Ouvi muitas vezes o meu querido Pai afirmar: ‘um homem deve ser igual a si mesmo’. Em pequeno, não percebia muito bem o que isto queria dizer, mas hoje sei que, o que quer dizer, é o mesmo que Jesus afirma: Sede homens de sim, sim, não, não. Não podemos ser outra coisa, sob pena de não ser-mos credíveis, sérios, aceites pelos outros e, sobretudo, pelo Senhor que nos quer como filhos autênticos, em quem pode e quer confiar não obstante - e apesar de – todos os nossos defeitos e imperfeições.
        Esta passagem do Evangelho sublinha ainda a repulsa que Jesus sente por tudo quanto é preconceituoso, excessivo, e escrupuloso no cum­primento da Lei divina. Pôr a forma, o conteúdo à frente do coração, do desejo de cumprir. O que O Senhor quer e deseja é Filhos Seus autênticos e verdadeiros, que pratiquem uma fé escorreita e sincera, sem se refugiarem atrás e pormenores que não passam disso mesmo. Alegria, sinceridade, disponibilidade é o que é preciso para cumprir as nossas obrigações de cristãos. Ouve-se por vezes ‘eu cá não vou à Missa no Domingo... pois se eu não sinto nada é melhor não ir do que fingir...’  Falsa razão. Ninguém vai à Missa para "sentir" seja o que for, vai-se à Missa, para participar no Sacramento divino, para, ao cumprir um preceito, dar glória e honra a Deus. A prática da fé não é um sentimento, uma tradição, um hábito... não... a prática da fé é, antes de mais, uma obrigação e uma necessidade; obrigação de, como filhos de Deus, honrar o nosso Pai; uma necessi­dade, porque precisamos do alimento da frequência dos Sacramentos, da vida de piedade, da oração.
        O Quarto Mandamento, que é também de direito natural, requer de todos os homens, mas especialmente daqueles que querem ser bons cristãos, a ajuda abnegada e cheia de carinho aos pais, que se realiza todos os dias em mil pequenos detalhes e ganha particular relevo quando os progenitores são anciãos ou estão mais necessitados. (cfr. Conc. Vat. II, Const. Gadium et spes, 48)














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