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25/04/2020

LEITURA ESPIRITUAL

COMENTANDO OS EVANGELHOS

São Mateus

Cap. XXV


1 «O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2 Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3 As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4 enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. 5 Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6 A meio da noite, ouviu-se um brado: ‘Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!’ 7 Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. 8 As insensatas disseram às prudentes: ‘Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.’ 9 Mas as prudentes responderam: ‘Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.’ 10 Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta. 11 Mais tarde, chegaram as outras virgens e disseram: ‘Senhor, senhor, abre-nos a porta!’ 12 Mas ele respondeu: ‘Em verdade vos digo: Não vos conheço.’ 13 Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.» 14 «Será também como um homem que, ao partir para fora, chamou os servos e confiou-lhes os seus bens. 15 A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual conforme a sua capacidade; e depois partiu. 16 Aquele que recebeu cinco talentos negociou com eles e ganhou outros cinco. 17 Da mesma forma, aquele que recebeu dois ganhou outros dois. 18 Mas aquele que apenas recebeu um foi fazer um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. 19 Passado muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e pediu-lhes contas. 20 Aquele que tinha recebido cinco talentos aproximou-se e entregou-lhe outros cinco, dizendo: ‘Senhor, confiaste-me cinco talentos; aqui estão outros cinco que eu ganhei.’ 21 O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’ 22 Veio, em seguida, o que tinha recebido dois talentos: ‘Senhor, disse ele, confiaste-me dois talentos; aqui estão outros dois que eu ganhei.’ 23 O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’ 24 Veio, finalmente, o que tinha recebido um só talento: ‘Senhor, disse ele, sempre te conheci como homem duro, que ceifas onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. 25 Por isso, com medo, fui esconder o teu talento na terra. Aqui está o que te pertence.’ 26 O senhor respondeu-lhe: ‘Servo mau e preguiçoso! Sabias que eu ceifo onde não semeei e recolho onde não espalhei. 27 Pois bem, devias ter levado o meu dinheiro aos banqueiros e, no meu regresso, teria levantado o meu dinheiro com juros.’ 28 ‘Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez talentos. 29 Porque ao que tem será dado e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 30 A esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.’» 31 «Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32 Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33 À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 34 O Rei dirá, então, aos da sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35 Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36 estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.’ 37 Então, os justos vão responder-lhe: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38 Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39 E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?’ 40 E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: ‘Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.’ 41 Em seguida dirá aos da esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos! 42 Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, 43 era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me.’ 44 Por sua vez, eles perguntarão: ‘Quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?’ 45 Ele responderá, então: ‘Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.’ 46 Estes irão para o suplício eterno, e os justos, para a vida eterna.»

Comentários:

1-13 -
Prudência! Este o grande tema que o Evangelho propõe. Ser prudente significa prevenir, acautelar. Como não sabemos nem o dia nem a hora, convém estar preparado. "Quem vai para o mar avia-se em terra"! O que diz a sabedoria popular devemos aplicá-lo na nossa vida. Todos os dias, horas e minutos devem ser tempo de preparação, "aviar" o necessário para o momento que o Nosso Senhor dispôs para iniciar-mos a interminável viajem pela eternidade.
Porque é que o Senhor não me conhece? Só por ter chegado um pouco tarde ao encontro! Bom, mas, eu, estive de facto à espera, bastante tempo, tanto que se me acabou o azeite e tive de ir comprá-lo! O Senhor não tem isto em conta?Não se trata de o Senhor querer ou não querer conhecer-me. Eu é que me exclui do Seu convívio porque abandonei a “espera” e, quando Ele entrou, não estava ali para entrar com Ele. Tive um motivo para o fazer, de facto… mas, O Senhor não tem nada a ver com isso, ou tem? Ele chega, abre-se a porta e, quem está à espera, preparado, entra no gozo do seu Senhor. Que não sei nem o dia nem a hora! Pois não, por isso tenho de estar preparado SEMPRE!
O Senhor repete uma e outra vez o mesmo aviso: Estar preparado. Esta insistência vem do facto de Jesus Cristo conhecer muito bem que uma das principais "falhas" do homem é a falta de perseverança. Não nos cansemos nós também de insistir na petição: Senhor, ajuda-me a perseverar.
Parece – ao ler este trecho de São Mateus – que só podemos contar connosco próprios na hora da dificuldade. Talvez seja um pouco controverso, mas, a verdade é que temos o dever de nos preparamos para o que se espera de nós e, sabemos, não podemos faltar. Penso – por exemplo – os que deixam para a última hora uma conversão de vida, arrependimento e reconciliação contando, talvez, que alguém se encarregará de prover essa necessidade. E… se não houver ninguém? Se a morte me colher de improviso, sem possibilidade de preparação – por exemplo num acidente de viação mortal -? Mais vale estar pronto, preparado e munido de todo o “azeite” da nossa fé, do nosso amor a Deus para que não suceda que, como na parábola, não mereçamos encontrar-nos com Ele.
A prudência é inimiga da solidariedade? Pois… neste trecho de São Mateus pode concluir-se que sim? A prudência das virgens que não cederam do seu azeite às que lho pediam foi a causa da perda destas? Evidentemente que não, nem as coisas se podem apresentar assim tão linearmente. Trata-se – isso sim – de decisões do foro pessoal e das consequências que delas podem advir. Quando se trata de algo tão importante como a própria salvação temos de ter bem presente que “todo o cuidado é pouco”. ‘Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.’, foi a resposta que obtiveram. Temos, forçosamente, de concordar com as virgens prudentes: pôr em risco a própria salvação – seja qual for o motivo – é algo que nunca devemos consentir.

14-30 -
Há quem muito se desculpe que os “talentos” que recebeu não são nem suficientes nem bastantes para o se lhe apresenta pela frente. Entendamo-nos: Nunca nos serão pedidas contas por algo que não possuímos, isso seria uma injustiça! Mas, a questão, reside em que poucos ou muitos, notórios ou de escassa relevância, todos os talentos que nos estão reservados são para serem utilizados e, mais, para que pelos nossos actos e desejos de bem fazer são “afinados”, melhorados”, dando-lhes melhor eficácia. Não o fazer é “enterrar o talento na terra”, não ganhamos nada, não damos nada, teremos pesadas contas a prestar. Conheço muitas crianças que se aplicam a sério nos estudos e só se sentem verdadeiramente contentes quando vêm os seus esforços coroados de êxito. Fazem-no por vaidade? Não… de modo nenhum! Fazem-no porque os seus pais lhes incutiram o dever de estudar dando o melhor de si mesmos para conseguirem os objectivos. Ah! Se todos nós fossemos como essas crianças!!!
Imaginemos que na parábola se modificavam alguns termos, por exemplo, aquele que recebeu cinco talentos foi o que os enterrou e escondeu com medo de os perder. Talvez, até, seja bastante aceitável esta "alteração" que nos permitimos imaginar já que, infelizmente, muitos dos que têm muito se comportam como se tivessem pouco para que não lhes seja pedido que repartam uma parte - mesmo pequena que seja - desse muito que escondem. E que, aquele que recebeu só um talento se empenhasse a sério em fazê-lo dar fruto e, até, repartir com liberalidade esse pouco. Sim... O que aconteceria? Pois, de acordo com o espírito da parábola este último receberia os cinco talentos do outro ficando, assim, imensamente rico. De facto, é o que acontece quando o Senhor premeia o bom uso dos talentos que a cada um atribuiu: com tal liberalidade e generosidade que o que se alcança constitui uma riqueza, uma fortuna incomensurável.
Esta parábola – conhecida como a dos “talentos”, tem merecido comentários e meditações por grandes vultos da Igreja, Teólogos e Santos. É de tal forma “complicada) – à primeira leitura, claro – que podemos ter a visão como que toldada para nos apercebermos da simplicidade e lógica de todo o texto. Eu penso que a “chave” está aqui:  Distribuiu os talentos a cada qual conforme a sua capacidade. O Senhor, sabemo-lo muito bem – não faz acepção de pessoas e, para Ele, todos os homens – absolutamente – têm o mesmo valor, a mesma dignidade, independentemente das suas capacidades pessoais. Mas nunca pedirá contas por igual, exigindo uniformemente e sem critério o mesmo retorno. Não! Pedirá contas – muito certas – conforme o que cada um fez, como fez, ou, o que não fez e deveria ter feito.
Não poucas vezes deixamos de fazer algo para o qual temos habilitações ou qualificação especiais por razão de uma falsa humildade. Sim… julgamos que “dar nas vistas”, de qualquer modo sobressair ou tornar-notado poderá encerrar vaidade pessoal. Devemos ter as coisas – o critério - claras e bem definidas. Se considerarmos que nada do que temos é verdadeiramente nosso mas sim uma graça (s) de Deus então como não podemos deixar de pôr em obra o que o Senhor legitimamente espera como fruto desses mesmos bens e graças que gratuitamente nos concedeu? Temos aptidões especiais para a oratória? Pois discursemos. Para a música? Pois façamos música. Para a pintura? Pois pintemos. Para escrever? Pois escrevamos. Sempre empenhando-nos a fundo, o melhor e mais qualificado que podermos. Porquê? Porque, de certo modo, estamos a devolver ao Senhor o que nos concedeu e, neste caso, não podemos considerar fazer senão o melhor e mais perfeito.

31-46 -
Este trecho do Evangelho de S. Mateus põe na boca de Jesus um discurso que é o prenúncio do Mandamento Novo. Efectivamente o que nele se contém poderia ser resumido dizendo: Amai os outros! Quem anda por este mundo desinteressado do que se passa à sua volta, do que acontece aos outros, as suas carências e dificuldades, os problemas e dificuldades que enfrentam – numa palavra – quem não usa de misericórdia não tem, obviamente, que esperar misericórdia no dia em que mais precisará dela: No dia do encontro final com Cristo. Tive sede e fome, estive doente e na prisão, sofri carências e necessidades e, tu, que fizeste? Olhaste de lado? Seguiste o teu caminho se te deter um momento por breve que fosse para te inteirares de como poderias valer-me? E esperas, então, com que direito, que o Senhor se detenha ao pé de ti considerando as dificuldades que tiveste, as necessidades que ainda tens? Não! Seguramente, Ele, que é o Supremo Juiz, porá num prato da balança o que recebeste e, noutro, o que deste e ao ver o enorme desequilíbrio que pensas que fará?
Eis aqui o Segundo Mandamento da Lei de Deus: Amar o próximo como a si mesmo! Não se trata de amar no sentido lato e subjectivo, mas, sim, de amar em concreto com obras concretas e bem definidas. O Senhor enumera algumas das obras de misericórdia com que mais frequentemente nos urge o nosso amor aos outros: ajudar, ser solidário, vestir, abrigar, dar de comer e beber, amparar, apoiar. Cada um de nós cristãos, devemos considerar-nos como pequenas "empresas de carácter social", concretizando em actos o que o coração nos dita. A alegria que se sente quando praticamos qualquer destas obras - pequenas ou grandes - que expressam o nosso amor é, só por si, paga mais que suficiente para o eventual esforço ou sacrifício que foi preciso fazer, mas, a "paga" que o Senhor nos tem reservada - por um simples copo de água - é de valor tão incomensurável que não se compreende como podemos deixar de as praticar.
Este trecho de São Mateus bem poderia chamar-se o “Evangelho das obras de Misericórdia”, ou, se quisermos, “Evangelho do Segundo Mandamento”. De facto o Senhor enumera repetidamente as obrigações de solidariedade e de serviço de uns pelos outros, não só por amor ao próximo mas, também, ao próximo por amor de Deus. Quem se esquece do outro e vai pela vida solitário e como que imune às necessidades concretas do seu semelhante não pode esperar senão repúdio e desinteresse por parte do Senhor. Não poderia ser mais claro!
Muitas vezes, preocupados e pesarosos com o mal que praticámos, esquecemo-nos de confessar as faltas de omissão que foram surgindo ao longo dos dias. Não fazer o bem quando podemos – e devemos – são faltas de que, como se vê no presente Evangelho, nos serão pedidas estreitas contas. Porque o não fizemos? Poderá haver inúmeras explicações ou desculpas mas, na verdade, o que está em causa é o nosso desinteresse, a nossa falta de amor pelo próximo.
Este discurso de Jesus tem, claramente, o principal objectivo de nos elucidar sobre o Julgamento Universal que ocorrerá no Final dos Tempos. Desde logo – Universal – porque todos, vivos na Terra ou na Vida Eterna, estarão presentes e tudo, absolutamente, será revelado e, portanto, será completo e definitivo. Pelas próprias palavras de Cristo o que – em palavras humanas – será escrutinado serão as Obras de Misericórdia que praticámos ou não.

(AMA, 2018)


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