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07/03/2020

Leitura espiritual



JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR 7

Iniciação à Cristologia


PRIMEIRA PARTE


A PESSOA DE JESUS CRISTO

Capítulo III


A REALIDADE DA ENCARNAÇÂO DO FILHO DE DEUS


4. O nome de «Filho de Deus» na Sagrada Escritura


a) O título de «Filho de Deus»

O Antigo Testamento dá o título de «Filho de Deus» aos anjos (cf. Dt 32,8), ao povo eleito (cf. 4,22) e aos seus reis (cf. Sam 7,14). Significa então uma filiação adoptiva, umas relações de uma intimidade particular entre Deus e a sua criatura. Por isso, quando se chama «Filho de Deus» ao Messias (cf. Sal 2,7) os judeus entendiam que o designava como um simples homem singularmente bendito por Deus[1]

De modo semelhante, os seguidores do racionalismo dizem que Cristo de pode chamar «filho de Deus» nesse sentido geral, pois n’Ele se desenvolveu de forma singular a consciência da Filiação Divina e se deixou conduzir exemplarmente pelo Espírito divino; quer dizer, viveu a Filiação Divina com especial intensidade, mas não é filho de Deus em sentido próprio e ontológico. Todavia tal não é assim. Vejamo-lo.


b) Jesus é o Filho único de Deus, da mesma natureza do Pai

É suficiente o dito sobre a pré-existência de Jesus, sobre a sua igualdade com o Pai, etc., para ver que Jesus quando se declara Filho de Deus significava que era verdadeiro Deus nascido do Pai. Assim o entendiam os que o escutavam: «Por isto os judeus procuravam com mais afinco matá-lo, pois (…) dizia que Deus era eu Pai, fazendo-se igual a Deus» (Jo 5,17-25) e por isso o condenaram por blasfemo (cf. Mt 26,63-65). Vejamos agora alguns exemplos de Novo Testamento nos quais a expressão «Filho de Deus» manifesta de modo claro o carácter novo e transcendente da sua Filiação Divina.


Jesus distingue sempre a sua filiação ao Pai da filiação dos demais homens com respeito a Deus.

Quando fala com os discípulos não diz jamais «nosso Pai» mas sim «vosso Pai» ou «meu Pai», excepto para lhes ordenar «vós, pois, orai assim: pai-nosso» (Mt 6,9); e sublinhou esta distinção: «Meu Pai e vosso Pai» (Jo 20,17).
E na parábola dos vinhateiros homicidas, referindo-se claríssimamente a si próprio e à morte que o esperava, compara-se com o filho único do dono da vinha, que se distingue dos servos enviados anteriormente pelo dono (cf. Mt 21,33-46)[2].


Jesus é o Filho único de Deus, o Unigénito do Pai.

Ele é o «próprio filho» do Pai (Rom 8,3.32), o Filho único de Deus, o Unigénito do Pai (cf. Jo 3,16,18).


Jesus é o Filho que tem uma identidade de natureza com o Pai:

«Ninguém conhece o Filho senão o Pai, nem ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar» (Mt 11,25-30). Esta identidade de conhecimento infinito entre o Pai e o Filho implica uma identidade de natureza: Jesus é o Filho que tem a mesma natureza de Deus Pai; Ele não é filho adoptivo de Deus, mas o Filho de Deus por natureza.


Capítulo IV

O MISTÉRIO DA UNIDADE PESSOAL DE JESUS CRISTO


Até agora temos visto que Jesus é verdadeiro Deus, engendrado pelo Pai antes do tempo; e que é verdadeiro homem, engendrado por sua Mãe Maria no tempo; consubstancial ao Pai segundo a divindade e consubstancial connosco segundo a humanidade. Perfeito Deus e perfeito homem.

Agora temos que ver como se unem o divino e o humano em Nosso Senhor. Também aqui estudaremos os principais problemas históricos que se colocaram, e depois daremos algumas explicações para clarificar os conceitos e podermos entender um pouco melhor este profundíssimo mistério que ultrapassa sempre toda a capacidade humana.


1.   A união das duas naturezas na única pessoa de Jesus Cristo
  

a) A unidade em Cristo

    A heresia nestoriana e o concílio de Éfeso


O nestorianismo.

Nestório, patriarca de Constantinopla (séculos IV-V), pregou que o título de Theotokos (Mãe de Deus) não era aplicável a Santa Maria. Via em Cristo uma pessoa humana juntamente com a pessoa divina do Filho de Deus, como duas pessoas distintas; a Virgem seria a Mãe dessa pessoa humana, de Cristo, mas não do Filho de Deus.

Nestório sustenta que a união entre as naturezas divina e a humana de Cristo não é segundo a hypóstasis (segundo a pessoa), mas só uma união moral entre dois sujeitos (como um casal). Por esta união o Verbo comunicaria à pessoa humana de Jesus a sua dignidade, ao mesmo tempo que também existiria entre eles uma identidade de vontade e de acção: o Verbo inabitaria em Cristo e obraria milagres por meio dele. Por isso não admite que se atribuam ao Verbo as acções e paixões que segundo ele são da pessoa humana de Jesus: não se poderia dizer que o Filho de Deus nasceu de Maria, nem que morreu, etc.

Nestório foi refutado sobretudo por São Cirilo de Alexandria, e condenado no concílio de Éfeso.


O concílio de Éfeso (ano 431).

Face à heresia nestoriana, este concílio declarou que a humanidade de Cristo não tem mais sujeito que a pessoa divina do Filho de Deus, que assumiu essa natureza humana e a fez sua desde a sua concepção. Por isso Maria é com toda a verdade «Mãe de Deus», não porque o Verbo de Deus tenha tomado dela a sua natureza divina, mas porque dela (…) nasceu o Verbo segundo a carne[3].

Este concílio põe a força dos seus ensinamentos na união das duas naturezas de Jesus Cristo num único sujeito pessoal, na união segundo a hypóstasis: trata-se de uma união incompreensível mas que é real e ontológica. O Verbo na verdade tornou sua a natureza humana, de tal forma que lhe pertence realmente, não só moralmente. O Verbo é o único sujeito de todos os actos divinos e humano de Cristo, como ensina o símbolo de Niceia (o Filho de Deus eterno, pelo qual se fizeram todas as coisas, encarnou de Maria Virgem, foi crucificado, foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, etc.).
A doutrina da maternidade divina de Santa Maria é o reflexo desta doutrina cristológica.


b) A dualidade de natureza. A heresia monofisista e o concílio de Calcedónia

O monofisismo.

Eutiques superior de um mosteiro de Constantinopla (século V), afirmou que Cristo tem uma só natureza composta de duas naturezas distintas. Antes da Encarnação poder-se-ia falar de duas naturezas distintas, a divina e a humana; mas depois da Encarnação em Cristo só há uma[4]. Cristo procederia ex duabus naturis, mas de facto não estaria subsistindo in duabus naturis: teria uma só natureza composta pelas duas, ainda que na realidade, a humanidade teria sido absorvida na infinita pessoa do Filho de Deus.

O Papa São Leão Magno e o concílio de Calcedónia condenaram esta doutrina.


O concílio de Calcedónia (451).

O quarto concílio ecuménico ensinou, contra o monofisismo, que «há que confessar a um só e mesmo Filho e Senhor nosso Jesus Cristo: perfeito na divindade, e perfeito na humanidade; verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem (…) Há-de reconhecer-se a um só e o mesmo Cristo Senhor, Filho único do Pai, em duas naturezas (in duabus naturis), sem confusão, sem troca, sem divisão, sem separação. A diferença de naturezas de nenhum modo fica suprimida pela sua união, antes ficam a salvo as propriedades de cada uma das naturezas e confluem num só sujeito e em só pessoa»[5].

As duas naturezas unem-se em Cristo sem confusão e sem troca ou transmutação entre elas: Deus é transcendente, permanece imutável e não se converte em criatura, a passo que o humano permanece humano e não se transforma em Deus. Jesus Cristo não é uma mistura intermédia de ambos os modos de ser: não existe uma natureza composta pela divina e a humana. Não se apagou de modo algum a infinita diferença e distância entre o Criador e a criatura. E, além disso, as duas naturezas em Cristo unem-se sem divisão e sem separação, como uma união profundíssima e misteriosa, na pessoa do Verbo.

A chave do ensinamento do concílio de Calcedónia está na distinção entre pessoa e natureza: em Cristo duas são as naturezas e uma é a pessoa. Esta distinção não nasce da filosofia helénica mas sim, pelo contrário, nasce da fé e transcende por completo o pensamento grego. Além disso, estes termos não são tomados num sentido tecnicamente filosófico, antes se usam no amplo significado corrente que distingue entre o que é um (sua natureza ou modo de ser que é comum a outros: por ex. um ser humano), e quem um é (a sua pessoa que é individual: p. ex. Pedro).

Os teólogos posteriores explicarão também que se tornaria impossível a união da divindade e da humanidade numa única natureza misturada de ambas, pois a divindade é imutável e absolutamente simples, e não pode deixar de ser o que era e começar a ser outra coisa, nem pode ser parte de uma natureza composta. Além disso, tal união iria contra a fé, pois Cristo já não seria Deus, e tampouco seria verdadeiro homem, mas outra coisa[6]

    
2. Algumas explicações sobre o mistério da unidade ontológica de Cristo


Vimos que a Tradição e o Magistério da Igreja chamam a Jesus Cristo pessoa ou hypóstasis, e empregam, em troca, o termo natureza para designar a sua divindade e a sua humanidade. E é evidente que falaram da unidade de Cristo em chave ontológica, com termos de significado objectivo e real. Procuremos conhecer um pouco mais o significado destes termos.


a) Explicação de algumas noções relativas ao dogma

Pessoa e hypóstasis.

Uma «hypóstasis» o indivíduo é ma substância individual completa, subsistente em si mesma, independente no seu ser de outros indivíduos. Chama-se também «pessoa» quando se trata dos indivíduos mais dignos nos quais se verifica de modo mais perfeito a noção de subsistir (ser por si mesmo): este é o caso dos seres racionais que são donos dos seus actos; p. ex. este homem, Pedro.

Boécio definiu a pessoa como rationalis naturae individua substancia (substância individual de natureza racional), assinalando assim que é uma realidade completa no seu ser (substancia), individual e diferente no que respeita aos outros (individua), e que se caracteriza por ser racional ou intelectual (rationalis naturae).
A pessoa é pois um indivíduo, íntegro e independente no seu ser, que se possui a si mesmo pelo conhecimento e a liberdade. Quando afirmamos que é individual e independente no seu ser não queremos dizer que seja um ser fechado em si mesmo, pois a pessoa só se realiza perfeitamente na abertura e na relação com os outros.


Natureza.

«Natureza» significa a essência específica, quer dizer, aquilo que especifica e define o que uma coisa é; p. ex. a natureza de Pedro é ser homem, a sua humanidade, ser da espécie humana. Também significa o princípio interno pelo qual esse sujeito actua do modo que lhe é próprio, quer dizer, a essência enquanto é o princípio das operações; p. ex. a natureza de Pedro é a sua condição humana com as suas faculdades próprias pelas quais actua como homem.

Vicente Ferrer Barriendos

(Tradução do castelhano por ama)



[1] Cf. CCE, 441.
[2] Esta mesma distinção entre Jesus, o Filho, e os outros servos de Deus aparece em Heb 1,1-3.
[3][3] CONC. DE ÉFESO, DS, 251.
[4] Em grego «fysis» significa natureza. O termo monofisismo, provem de «uma natureza».
[5] CONC. DE CALCEDÓNIA, DS, 301-302.
[6] Cf. S. TH. III,2.1.

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António Mexia Alves

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