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23/03/2020

Leitura espiritual



JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR 23

Iniciação à Cristologia


b) Cristo faz-nos partícipes da vida divina

    Cristo veio para que o mundo «não pereça, mas que tenha a vida eterna» (Jo 3,16).
E conseguiu-nos a vida eterna – a vida do que é eterno, isto é a vida de Deus Pai, Filho e Espírito Santo -, de que agora já participamos verdadeiramente pela graça e que depois possuiremos plenamente no céu.
    Expressando este mesmo afecto com outros enunciados equivalentes, podemos dizer que Jesus nos alcança a justificação (cf. Rom 4,25), pois mediante a graça tira o pecado do coração do homem e fá-lo justo.
O bem que Ele nos abriu as portas do Céu e nos conseguiu o acesso ao reino dos céus, que é o nosso fim último ao qual estamos destinados pelo amor divino.
Mas do qual estávamos excluídos pelo pecado.

c) Outros efeitos da obra de Cristo

    A Sagrada Escritura enumera outros efeitos salvíficos da obra de Cristo que são diferentes aspectos compreendidos nos anteriores ou que derivam deles.
Entre outros frutos da redenção, citemos:

    A reconciliação, a comunhão e a amizade com Deus.

Ao pecar, o homem afastou-se de Deus na sua vontade, e de alguma forma (figuradamente) fez-se inimigo do Senhor enquanto ficou privado, não do amor divino, mas sim do efeito desse amor nele que é a graça.
Cristo reconcilia-nos com Deus enquanto tira o pecado que nos constitui em «inimigos» de Deus, e enquanto nos dá a graça que nos une a Deus, nos faz partícipes da sua vida íntima e nos constitui em seus «amigos»:

«Quando éramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte do seu Filho» (Rom 5,10).

    A renovação interior do homem.

A graça de Cristo não só ordena o coração do homem para Deus e o liberta do pecado, como supõe uma verdadeira renovação de todo o seu ser ao fazê-lo participe da vida divina.
Esta transformação é tão profunda que o pecador é feito como um «homem novo» «criado conforme a Deus em justiça e santidade verdadeiras» (Ef 4,24).
Já não tem somente a condição humana, mas também é agora participe da natureza divina, santo e filho de Deus:

«O que está em Cristo é uma nova criatura» (2 Cor 5,17).

    A libertação da morte e a ressurreição dos corpos.

A morte e tudo o que de dor e frustração se sintetiza nela é pena do pecado (cf. Rom 5,12; cf. Gen 2,17).
Ao destruir o pecado em nós, Cristo também nos liberta da morte que é uma das suas consequências.
Cristo, vencedor da morte, é a causa da nossa ressurreição que terá lugar no final dos tempos, quando «o último inimigo a ser destruído será a morte (…)
Quando este ser corruptível se revista de incorruptibilidade e este ser mortal se revista imortalidade, então se cumprirá a palavra da Escritura:

A morte foi devorada pela vitória. Onde está. Morte, a tua vitória? Onde está, morte, o teu aguilhão?» (1 Cor 15,26.54-55).

d) Atribuição dos diferentes efeitos da redenção aos diversos mistérios de Cristo

    Vimos no capítulo IX que a redenção do homem se deve a todos os mistérios da vida de Cristo, e principalmente ao mistério pascal.

Agora devemos acrescentar que também se atribuem se atribuem diferentemente alguns efeitos da redenção à sua Morte na cruz e outros à sua Ressurreição.
A razão é que a um determinado efeito se lhe atribui como causa própria aquele mistério de Cristo que o origina e que, além disso, tem alguma semelhança com ele, pois cada efeito tem uma semelhança com a sua causa[1].

Vejamos este ponto.

    Na reparação da vida da alma podem considerar-se dois aspectos: a remissão do pecado e a nova vida da alma (ainda que se trate de duas faces da mesma realidade, pois a remissão do pecado realiza-se por infusão da graça).

São Paulo distingue esses dois aspectos e atribui-os a diferentes mistérios de Cristo, pois diz:

«Foi entregue pelos nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação» (Rom 4,15); e também a liturgia: «Com a sua morte, destruiu o pecado; ao ressuscitar deu-nos nova vida»[2].

    Assim pois, a libertação do pecado atribui-se normalmente à Paixão de Cristo (cf. Ap 1,5; cf. Ef 1,7), e a razão é que, além de ser causa eficiente e meritória da nossa salvação e de ser uma manifestação do pecado, é também causa exemplar do morrer-mos nós mesmos, do nosso morrer-mos uma vida segundo a carne ou uma vida segundo o pecado.

    A nova vida da alma, ao invés, atribui-se à Ressurreição de Cristo (cf. Rom 6,4) pois, além de ser causa eficiente da nossa salvação, é também causa exemplar da nossa nova vida sobrenatural e divina.

    E também em reparação da vida corporal se podem considerar dois aspectos: a ressurreição da morte e a restauração da vida.

A destruição da morte atribui-se à Morte de Cristo, e a nova vida do nosso corpo ou ressurreição atribui-se à Ressurreição de Cristo (cf. 1 Cor 15,12ss.), por razões semelhantes às mencionadas. Assim diz a liturgia:

«Morrendo destruiu a nossa morte, e ressuscitando restaurou a vida»[3].

4. Os frutos da redenção já são actuais, ainda que sejam escatológicos na sua plenitude

a) A salvação é uma realidade principalmente escatológica

    «O dia da redenção» (Ef 5,30), o dia da libertação completa do pecado e de todas as suas consequências, é escatológico[4]: dar-se-á quando Cristo reapareça com glória no fim do mundo para estabelecer o seu reino (a «parusía» e todos os seus inimigos sejam postos debaixo dos seus pés (cf. 1 Cor 15,25); então terá lugar a libertação de todo o mal e da morte mediante a ressurreição, que é «a redenção do nosso corpo» (Rom 8,23). Então alcançaremos a plenitude a Filiação Divina (cf. Rom 8,23; 1 Jo 3,3) e a perfeita posse da vida eterna, quando Deus seja tudo em todas as coisas (cf. 1 Cor 15,28). Então a criação inteira será renovada no homem (cf. Rom 8,19-22) e haverá «um novo céu e uma nova terra», frutos da redenção (Ap 21,1).

b) Agora já alcançamos salvação, ainda que todavia não seja completa

    A salvação é uma realidade que «já» começou no tempo presente.

«Agora é o dia da salvação» (2 Cor 6,2). Deus já «nos salvou (…) por meio do banho de regeneração e de renovação do Espírito Santo, que derramou que derramou sobre nós com largueza por meio de Jesus Cristo nosso Salvador» (Tit 3,5).

    Por meio de Cristo, mediante a fé e os sacramentos, já temos acesso ao Pai em comum com o Espírito Santo (cf. Ef 2,18), e já somos partícipes da natureza divina (cf. 2 Pd 1,4), já recebemos a adopção de filhos (cf. Jo 3,1-2), já fomos justificados pela sua graça e recebemos o perdão dos pecados.

    Mas, como dissemos, «todavia não» é completa a salvação do homem.
É que, segundo o desígnio divino, os efeitos da redenção comunicam-se aos membros de Cristo com uma certa ordem, pois estes devem imitar a sua Cabeça.
E assim como Cristo teve primeiro a graça na sua alma juntamente com a passibilidade do corpo, e depois chegou à glória, assim os seus membros recebem primeiro na alma o «espírito de adopção de filhos» (Rom 8,15) vivendo ainda num corpo passível, e depois chegarão à glória imortal:

«Se somos filhos, também herdeiros: herdeiro de Deus, co-herdeiros de Cristo; desde que padeçamos com Ele, para ser com Ele também glorificados» (Rom 8,17)[5].

c) A esperança escatológica dos cristãos

    Para os cristãos a chave da história está na Morte e Ressurreição do Senhor:

O mundo já está salvo, ainda que todavia não se tenha consumado a obra redentora. Certamente, «agora não vemos que tudo esteja já submetido a Cristo» (Heb 2,8), pois neste mundo permanecem as marcas do pecado, mas os poderes do mal foram vencidos na sua raiz pelo mistério pascal[6]; é como uma guerra em que a batalha decisiva já foi ganha e só resta ocupar o território inimigo para o libertar definitivamente.

    A vida da graça que Cristo nos comunica é uma incoação da glória, uma realidade que germinou agora e florescerá perfeita na eternidade (cf. Pd 1,23).
Agora já possuímos realmente essa semente de vida eterna e por isso temos a certeza de receber os seus frutos em plenitude. Como diz São Paulo: «Fomos salvos na esperança» (Rom 8,24; cf. Tit 3,27).
E São Tomás:

«Pela Paixão de Cristo, sua Morte, Ressurreição e Ascensão, fomos libertados do pecado e da morte e adquirimos a justiça e a glória da imortalidade; aquela realmente já e agora, e esta em esperança»[7]

    E assim como tudo o que é imperfeito procura naturalmente o seu fim e perfeição, a Igreja «anela o reino consumado e com todas as suas forças anseia reunir-se com o seu Rei na glória»[8]:

espera a sua plenitude escatológica.

5. A cooperação especial de Maria Santíssima na obra redentora de Cristo

    Segundo o desígnio divino, Maria não só recebeu a mais perfeita participação dos frutos da salvação – foi preservada imune de todo o pecado, cheia de graça, elevada ao céu e glorificada em corpo e alma -, como também foi associada de um modo singular e eminente à pessoa de Cristo e à sua obra redentora.

    A sua cooperação na obra da salvação.

Ela, desde o momento da concepção de Cristo, esteve intimamente unida ao seu Filho e «colaborou de maneira totalmente singular na obra do salvador pela sua fé, esperança e ardente amor, para restabelecer a vida sobrenatural dos homens.

Por esta razão é nossa mãe em ordem da graça»[9].

Toda a vida de Maria, a «escrava do Senhor», foi uma entrega fiel cheia de generosidade e abnegação para servir o plano redentor do seu Filhos.

    E «esta maternidade de Maria perdura sem cessar na economia da graça (…) até à realização plena e definitiva de todos os escolhidos. Com efeito, com a sua assunção aos céus, não abandonou a sua missão salvadora, antes continua a procurar-nos com a sua múltipla intercessão os dons da salvação eterna.[10].

    Maria é Mediadora na obra salvífica de Cristo.

O que dissemos de toda a Igreja, enquanto instrumento de Cristo para comunicar a salvação aos homens, diz-se singularmente de Maria Santíssima, e de um modo mais perfeito, uma vez que a Virgem é modelo e exemplo da própria Igreja[11], e Mãe de todos os fiéis.
    Maria participa de um modo singular na obra salvífica de Cristo, único mediador entre Deus e os homens:

foi feita mediadora unida ao seu Filho e «a Igreja não duvida em atribuir a Maria um tal ofício subordinado: experimenta-o continuamente e recomenda-o ao coração de todos os fiéis para que, apoiados nesta protecção maternal, se unam mais intimamente ao Mediador e Salvador»[12].

Esta «cooperação de Maria (…) participa da universalidade da mediação do Redentor, único Mediador»[13].

Assim, pois, Maria intervém – unida a seu Filho – na salvação de todos e cada um dos homens, na comunicação de todos os frutos da redenção e na dispensa de todas as graças.
Maria é realmente a Mãe que nos comunica a vida sobrenatural e que cuida amorosamente de cada um de nós.

    «Ad Iesum per Mariam»:

É uma lição e como que uma consigna surgidas na vida bimilenária da Igreja.
Por Maria alcançamos a união com o Salvador; por ela temos as graças necessárias para viver como filhos de Deus e alcançar a bem-aventurança eterna; e por ela temos parte na salvação que Deus nos dá por meio de Jesus Cristo.

Vicente Ferrer Barriendos
2005 by Ediciones Bauer, S.A., Alcalá, 28027 Madrid Trad. ama)






(Tradução do castelhano por ama)


[1] Cf. S. TOMÁS DE AQUINO, S. Th. III,50,6; Compendium theologiae, I cap 239, n. 514.
[2] Prefácio dominical IV do tempo comum; cf. CEC, 654; S.Th. III,56,2, ad 4.
[3] Prefácio pascal I; cf. S.Th. III,56,1, ad 3 e ad 4.
[4] O termo «escatologia» deriva do grego (éskata, últimas coisas), e significa a ciência dos acontecimentos dos últimos tempos, dos que terão lugar no final do mundo.
[5] Cf. S.Th. III,49,3, ad 3.
[6] Cf. CCE, 671.
[7] Cf. S. TOMÁS DE AQUINO, S. Th. III,50,6; Compendium theologiae, I cap 241, n. 520.
[8] LG, 5; cf. N. 48.
[9] LG, 61.
[10] Lg, 62.
[11] Cf. LG, 63-65).
[12] LG, 62. «Todo o influxo salvífico da Bem-aventurada Virgem em favor dos homens (…) nasce do divino beneplácito e da superabundância dos méritos de Cristo, apoia-se na sua mediação, dela depende totalmente e da mesma tira toda a virtude; e longe de impedi-la, fomenta a união imediata dos crentes com Cristo» (LG, 60).
[13] JOÃO PAULO II, Enc. Redemptoris Mater, 40.

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