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21/03/2020

Leitura espiritual



JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR 21

Iniciação à Cristologia

d) A Ressurreição, além de ser um facto histórico, é também uma verdade de fé, um mistério, que transcende a história

    «Acontecimento histórico demonstrável pelo sinal do sepulcro vazio e pela realidade dos encontros dos apóstolos com Cristo Ressuscitado, nem por isso a Ressurreição pertence menos ao centro do mistério da fé naquilo que transcende e ultrapassa a história»[1].

 Este facto histórico é ao mesmo tempo um mistério que transcende a história naqueles assuntos que se relacionam com a vida e a acção de Deus Uno e Trino.

    Em primeiro lugar, a Ressurreição de Cristo é objecto de fé enquanto intervenção transcendente do próprio Deus na história, enquanto é obra da Santíssima Trindade.

    Em segundo lugar, é um facto misteriosamente transcendente no que se refere à glorificação de Cristo, à perfeita participação da sua humanidade na vida divina.

    E, em terceiro lugar, é objecto de fé enquanto ao sentido e ao valor salvífico que tem para nós: Cristo ressuscitado revela-se definitivamente como nosso Deus e Senhor; Ele é o nosso Salvador que nos livra do pecado e nos comunica a vida de Deus.

    Assim, pois a Ressurreição de Cristo, que é em si mesma um facto plenamente histórico (não a-histórico» ou «meta-histórico»), tem também alguns aspectos transcendentes (ou meta-históricos, se se quiser chamá-los assim) que superam a pura dimensão histórica.

2. A Ressurreição de Cristo é uma obra do poder divino

    A Ressurreição de Cristo é uma obra do infinito poder divino, da omnipotência divina comum às três divinas Pessoas da Santíssima Trindade (cf. 2 Cor 13,4).
    É Um facto que, segundo as Escrituras, «se realiza pelo poder do Pai que ressuscitou Cristo seu Filho (cf. Act 2,24)»[2]

    Também dizemos que o Filho ressuscita por sua própria virtude e poder: pois um mesmo é o poder divino do Pai e do Filho, e uma mesma operação de ambos.
Com efeito, a escritura também se refere à Ressurreição como um ressurgir de Cristo em virtude do seu próprio poder:

«Nós cremos que Jesus morreu e ressuscitou» (1 Tes 4,14).
E Jesus afirma expressamente: «dou a minha vida», para recobrá-la de novo… Tenho poder para dá-la e poder para recobrá-la de novo» (Jo 10,17-18).
Também numerosos símbolos da fé confessam explicitamente esta realidade[3].

    E também dizemos que o Espírito Santo, pelo poder divino que tem em comum com o Pai e o Filho, vivificou a humanidade de Jesus e o chamou ao estado glorioso de Senhor (cf. Rom 8,11).

3. O estado glorioso a humanidade de Cristo ressuscitado

    A Ressurreição de Cristo não foi um simples regresso à vida terrena como no caso das ressurreições da ficha de Jairo, ou do jovem de Naim, ou de Lázaro.
Cristo ressuscitado tem na sua humanidade outra vida mais para além do tempo e do espaço, houve uma transformação da sua vida.

    As propriedades ou dotes da sua humanidade gloriosa.

Jesus nas suas aparições aos apóstolos mostra-lhes claramente que o seu «corpo autêntico e real possui ao mesmo tempo as novas propriedades de um corpo glorioso: não está situado nem no espaço nem no tempo, mas pode fazer-se presente à sua vontade onde quer e quando quer (cf. Lc 24,15.36); Jo 20,14.19.26) (…)
Jesus ressuscitado é soberanamente livre de aparecer como quer: sob a aparência de um jardineiro (cf. Jo 20,14-15) ou ‘sob outra figura’ (Mc 16,12) diferente da que era familiar aos discípulos (cf. Jo 20,14.16; 21,4.7))»[4].

    Desde a sua ressurreição, o corpo de Jesus, que é autêntico e material, ao mesmo tempo fez-se «espiritual» (cf. 1 Cor 15,44-46), quer dizer, inteiramente submetido ao espírito (segue a sua vontade em tudo; por exemplo, para parecer onde, quando e como quer, etc.).

Este é o sentido imediato das propriedades de agilidade e subtileza que se costumam enumerar para os corpos ressuscitados.

    Mas por sua vez essas novas propriedades procedem da perfeita participação da vida divina na sua humanidade:

agora, Cristo ressuscitado é «glorioso» (cf. 1 Cor 15,43) e é «homem celestial» (cf. 1 Cor 15,47-49).

Devido a essa plena divinização da sua humanidade, o corpo de Cristo ressuscitado participa também das propriedades divinas e ultrapassa as barreiras terrenas do tempo e do espaço: é incorruptível e imortal, está cheio de poder, etc. (cf. 1 Cor 15,42-43).

É este o sentido das propriedades de glória e impassibilidade que também se costumam enumerar para os corpos ressuscitados.

4. Sentido salvífico da Ressurreição de Cristo

    A partir do século XVI, bastantes autores tendiam a resumir o mistério da nossa salvação na morte de Cristo na cruz de tal modo que a sua Ressurreição parecia uma simples consequência sem conteúdo redentor.
Mas um estudo mais atento do NT e da Tradição patrística manifesta que – ainda que afirmando o pleno valor redentor do sacrifício da cruz - se deve reconhecer também o valor salvífico da Ressurreição, inseparável de Morte de Cristo:

Não só fomos salvos em atenção aos méritos da sua Paixão, como fomos salvos por Cristo ressuscitado.
Assim pois, a glorificação de Cristo depois da sua Morte não deve entender-se como algo que aconteceu uma vez cumprida a redenção do género humano, mas sim que é parte integrante da obra redentora, parte essencial do mistério pascal ao mesmo tempo que a sua Paixão e Morte.

    «A Ressurreição de Jesus é a verdade culminante da nossa fé em Cristo, acreditada e vivida pela primeira comunidade cristã como verdade central, transmitida como fundamental pela Tradição, estabelecida nos documentos do Novo Testamento, pregada como parte essencial do mistério pascal ao mesmo tempo que a cruz»[5].

a) A Ressurreição revela que Cristo é Deus e o Messias salvador do mundo

    A Ressurreição de Cristo revela a sua divindade.

Ele tinha dito:

«Quando tenhais levantado o Filho do homem, então sabereis que Eu Sou» (Jo 8,28).

A Ressurreição demonstrou que Ele era verdadeiramente «Eu Sou», Deus todo-poderoso, Senhor da vida e da morte[6].
Assim o vemos no caso do apóstolo Tomé, que somente quando comprovou a realidade da Ressurreição lhe confessou:

«Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20,28).

    Mas faz falta a fé para captar e confessar esta realidade, pois Jesus apresenta-se aos discípulos com o seu corpo transformado, mas humano: a divindade não é visível.

    A Ressurreição revela que Cristo é o Salvador do mundo.

Com a Ressurreição não só se inaugura uma nova forma de existência de Jesus – sua existência gloriosa -, como também começa uma nova forma ou etapa da sua acção como Messias e Salvador.
 Como diz São Paulo, Jesus revela-se definitivamente como «Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade, pela sua Ressurreição dentre os mortos» (Rom 1,3-4).
A Ressurreição manifesta o poder divino de Cristo para a nossa salvação.

    A Ressurreição de Cristo é desta forma uma confirmação da parte de Deus Pai do valor da sua entrega redentora.

Como poderia a Morte de Cristo ser uma vitória sobre o pecado e a morte sem a sucessiva Ressurreição?

Por isso, Deus o exaltou como Senhor acima de toda as coisas (cf. Flp 2,8-10; Heb 2,9).
Com a sua Ressurreição é declarado por Deus Pai como Senhor, Redentor de todos e salvador do mundo.

    Ainda que desde a sua Encarnação Jesus fosse Filho de Deus e o Messias, na sua Ressurreição manifestou-se a sua condição de Salvador poderoso de todos os que crêem n’Ele.

b) A Ressurreição de Cristo confirma a veracidade da sua doutrina

    A sua Ressurreição é o sinal que Jesus havia prometido para confirmar a autenticidade da sua missão e das suas palavras: é o sinal de Jonas (cf. Mt 12,38-42).
E também tinha dado outro sinal aos judeus: a reconstrução em três dias do templo que será destruído (cf. Jo 2,19).
São João anota que Jesus «falava do santuário do seu corpo.
Quando ressuscitou dentre os mortos, os seus discípulos recordaram-se que tinha dito isso, e acreditaram» (Jo 2,20-21).
Os judeus também entenderam perfeitamente o sentido das suas palavras, e por isso puseram guarda no sepulcro e o selaram (cf. Mt 27,62-66).

    «Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa pregação, vã também a vossa fé» (1 Cor 15,14).

Evidentemente, São Paulo vê na Ressurreição a confirmação definitiva da sua autoridade divina, tal como tinha prometido.
A Ressurreição de Cristo é o fundamento da fé cristã e a chave da abóbada de todo o edifício de doutrina e de vida levantado sobre a sua palavra.

c) A Ressurreição de Cristo é a causa da nossa ressurreição e da nova vida da alma

    A Ressurreição é para Cristo a vitória sobre a morte e o começo de uma nova vida na sua humanidade plenamente divinizada.
E como Ele é a nossa Cabeça, a sua vitória e essa nova vida estão assim destinadas a ser nossas:

Cristo não só ressuscitou, mas também é para nós «a ressurreição e a vida» (Jo 11,25).

    A Ressurreição de Cristo é princípio e causa da nossa ressurreição futura.

«A Ressurreição de Cristo – e o próprio Cristo ressuscitado – é princípio e fonte da nossa ressurreição futura: ‘Cristo ressuscitou dentre os mortos como primícias dos que adormeceram; (…) do mesmo modo que em Adão morrem todos, assim também todos reviverão em Cristo’ (1 Cor 15,20-22)»[7].

O próprio Jesus, pelo seu poder divino, realizará a nossa ressurreição corporal que será à semelhança da sua: Ele «transfigurará este nosso miserável corpo num corpo glorioso como o seu» (Fil 3,21).

    A Ressurreição de Cristo é a causa da nossa ressurreição e da nova vida da alma.

Cristo ressuscitado é o princípio da nossa própria ressurreição espiritual, que começa agora já pela justificação da nossa alma:

«Foi entregue pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação» (Rom 4,25).

    A graça que nos liberta do pecado e nos faz justos provém do Ressuscitado, consiste numa participação da vida divina à semelhança da sua vida gloriosa (cf. Rom 8,29) e, por isso, faz-nos filhos de Deus.

    Jesus padeceu por parte dos judeus e dos gentios; por parte das autoridades, da multidão e, do que é mais penoso, por parte dos seus íntimos: de Judas que o entregou, Pedro que o negou, e os seus que o abandonaram.

    Padeceu interiormente na sua alma até entrar em agonia pela tristeza e o temor ante a morte certa.
Teve uma imensa pena pelos peados de todo o género humano, assim como pela ruína do seu povo, pela queda Judas e pelo escândalo dos seus discípulos.
Sofreu também moralmente pelas humilhações, injustiças, troças e insultos... de todos os que o perseguiam.

    E padeceu tremendamente no seu corpo pelas terríveis feridas da flagelação, a coroação de espinhos, a dolorosíssima crucifixão com todos os sofrimentos físicos que comportava e a horrível agonia na cruz até à morte.

    Isaías já tinha profetizado os padecimentos do Servo de Yahwé, que parecia «desprezível e desprezado pelos homens, varão de dores e sabedor de dolências (...) Tivemo-lo por açoitado, ferido de Deus e humilhado.
Ele foi ferido pelas nossas rebeldias, moído pelas nossas culpas» (Is 53,3-5).




Vicente Ferrer Barriendos

(Tradução do castelhano por ama)


[1] CCE, 647.
[2] CCE, 648; cf. Act 3,15; 4,10; 10,40; etc.
[3] Cf. PAULO VI, Solemnis professio fidei, 30.VI,68, n. 12; CONC. XI DE TOLEDO, DS, 539.
[4] CCE, 645.
[5] CCE, 638.
[6] Cf. CCE, 653.
[7] CCE, 655.

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