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20/03/2020

Leitura espiritual


JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR 20

Iniciação à Cristologia

A Paixão de Cristo é um sacrifício perfeitíssimo.

O sacrifício de Cristo é maximamente aceito por Deus e tem como efeito a reconciliação de todos os homens com Deus.

Seguindo Santo Agostinho, vejamos algumas razões da sua perfeição e eficácia[1].

Em primeiro lugar, o oferente é o próprio Filho de Deus feito homem, que oferece o sacrifício em plena liberdade e por amor, movido pelo Espírito Santo (cf. Heb 9,14).
E como Ele é um com o Pai, a quem se oferecia, o seu sacrifício não pode ser rejeitado.

Em segundo lugar, o oferecido era a vida humana do Filho de Deus: «Entregou-se a si mesmo» (Ef 5,2), a sua alma e o seu corpo.
E como esta vítima oferecida tinha uma dignidade infinita, era maximamente aceitável por Deus.

E em terceiro lugar se consideramos por quem se oferecia, veremos que Cristo não ofereceu o seu sacrifício em favor de si mesmo, pois não tinha necessidade de reconciliar-se com se Pai, mas por nós, «pelos pecados de todo o mundo» (1 Jo 2,2), como nossa Cabeça e fazendo-se por amor um de nós.
E como é uno com o Pai e, ao mesmo tempo, se faz um connosco, pelos quais se oferecia, o seu sacrifício é maximamente eficaz e alcança o seu fim, que é a nossa reconciliação com Deus.

d) Carácter eficiente da Paixão e Morte de Cristo

    Jesus não só mereceu que Deus Pai nos outorgue a graça que tira o pecado e nos reconcilia com Ele, como que o mesmo Cristo é quem nos comunica essa graça.
Com efeito, a salvação de cada um dos homens procede da nossa Cabeça, como a vida dos sarmentos procede da vide.
Como ensinam os Padres da Igreja, sobretudo os orientais, a causa eficiente da graça da salvação só pode ser Deus; mas Deus produz esta graça em nós mediante a humanidade de Jesus Cristo que é o instrumento da divindade para comunicar – e não só para merecer – todas as graças aos homens.

    Referimo-nos à eficiência actual de Cristo glorioso em nós e a eficiência sempre actual dos mistérios da sua existência terrena par nos comunicar a salvação.
Não se trata, evidentemente, de que Jesus Cristo seja hoje, de alguma forma, um menino, ou que hoje esteja morrendo na cruz, nas sim que as acções realizadas por Cristo no passado têm um poder divino e alcançam com a sua eficiência toda a história[2].

    A Paixão de Cristo e todos os mistérios da sua vida obram eficientemente a nossa salvação quando nos unimos a Ele pela fé viva e os sacramentos.
Assim por exemplo, no baptismo Cristo faz-nos participes da sua Morte e Ressurreição (cf. Rom 6,3-4).

6. A contemplação da Paixão de Cristo

    A contemplação da Paixão de Cristo fez muitos santos.
Oxalá seja também este o nosso caso!
Oxalá possamos parecer-nos com são Paulo, que dizia:

«Não me gloriei entre vós de saber outra coisa senão a Jesus Cristo, e a este, crucificado» (1 Cor 2,2).

    Para isto temos de juntar a piedade com a doutrina; temos de meditar atentamente e com carinho esses acontecimentos de modo que nos interpelem pessoalmente, sabendo que Jesus, durante a sua vida e a sua Paixão nos tinha presentes e nos amava a todos; por cada um de nós ofereceu-se e padeceu esses sofrimentos:

«o Filho de Deus amou-me e entregou-se a si mesmo por mim’ (Gal 2,20)»[3]

    Deste modo, a contemplação da Paixão de Cristo move-nos a amá-lo, já que Ele nos deu provas da verdade e da grandeza do seu amor: «Ninguém tem maior amor que o de dar a sua vida pelos seus amigos» (Jo 15,13).

E amor com amor se paga.

    Por isso mesmo a contrição, a conversão movem-nos a evitar o pecado, já que apreciamos mais claramente a malícia do pecado e o que lhe custámos:

«Fostes comprados mediante um preço; glorificai, portanto, a Deus no vosso corpo» (1Cor 6,20; Pd 1,18-19).

    Também nos move ao desagravo, pois assim como fomos causa do seu pesar (pois Ele via-nos em Getsemani e no Calvário) também podemos ser-lhe causa de algum consolo com a nossa boa conduta.

    A Paixão de Cristo move-nos a segui-lo e a emita-lo:

«Cristo padeceu por vós, dando-vos exemplo para que sigais as suas pegadas» (1 Pd 2,21).

Com efeito, Jesus é exemplo de caridade (cf. Jo 15,13), de fortaleza e paciência, de humildade e obediência (cf. Fil 2,7-8), assim como de toda a virtude.

    A contemplação da Paixão de Cristo também nos move à generosidade para abraçar a vontade de Deus, ainda que por vezes suponha carregar com a cruz.
Para seguir Cristo não há outro caminho:

«Se alguém quer vir após mim negue-se a si mesmo, tome a sua cruz de cada dia e siga-me» (Lc 9,23).

    A paixão de Cristo ensina-nos o sentido da dor e do sofrimento, pois Ele chegou à glória através da sua Paixão:

«Não era mister que Cristo padecesse tudo isto, e entrasse assim na sua glória?» (Lc 24,26).

Desta forma ensinava-nos que «é necessário que passemos por muitas tribulações para entrar no reino de Deus» (Act 14,21).
Jesus não eliminou os nossos sofrimentos nem nos evita a morte, mas transformou todas essas penalidades: agora os nossos sofrimentos não são uma simples pena do pecado, mas sim servem de purificação e de mérito, são participação da sua cruz e da sua obra redentora, são caminho da salvação e da verdadeira vida.

Capítulo XI

A GLORIFICAÇÃO DE CRISTO E O SEU VALOR SALVÍFICO

    A pregação dos Apóstolos sobre Jesus não termina na sua Morte, mas na sua exaltação a partir da sua ressurreição dentre os mortos.
 Por exemplo, São Paulo escreve aos coríntios como um resumo essencial dos seus ensinamentos:

«Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que por minha vez recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as escrituras; que apareceu a Cefas e depois aos Doze» (1 Cor 15,3-4).

1. A Ressurreição de Cristo, acontecimento histórico e transcendente

a) Teorias que negam a realidade histórica da Ressurreição

    Para o racionalismo só são «históricos» aqueles acontecimentos cujas causas e efeitos são intra-mundanos e comprováveis pela experiência.
E, de acordo com essa mentalidade, a crítica histórica rejeitou como mito não histórico o facto da Ressurreição de Cristo.
Segundo esses autores, na mente dos discípulos foi-se abrindo, pouco a pouco, a crença na Ressurreição, que realmente nunca aconteceu: foi a fé em Jesus que criou a ideia da Ressurreição (que seria um «produto da fé ou da credulidade da primeira comunidade cristã), e não a Ressurreição de Cristo que a fé n’Ele engendrou.
Em concreto, para uns, o mito da Ressurreição de Cristo seria uma expressão simbólica da crença em Cristo como Salvador, isto é, expressão da fé no valor redentor da sua Paixão, o que teria sido confirmado por Deus ressuscitando-o.
Para outros, seria um modo figurado de expressar a experiência subjectiva e interior da visão de Cristo que alguns cristãos tiveram (como São Paulo no episódio da sua conversão no caminho de Damasco) que se interpretaram como aparições externas e reais. E para outros, seria o modo figurado de figurar a sobrevivência do influxo da memória de Cristo nos seus discípulos.
Assim, chegam a conceder que Cristo ressuscitou «na fé dos discípulos»[4].

    Por outro lado, há outros autores, também católicos, que ainda que aceitando a verdade da Ressurreição, a qualificam como acontecimento «a-histórico» ou «meta-histórico», e não propriamente «histórico».
Mas empregando essa terminologia – ainda que afirmem o facto da Ressurreição – existe o risco de negar o seu carácter real, já que na linguagem usual o que não é histórico não se pode dizer que tenha ocorrido verdadeiramente.

b) A revelação afirma indubitavelmente a realidade histórica da Ressurreição

    A Escritura insiste de muitas formas na realidade da Ressurreição; p. ex.

«O Senhor ressuscitou realmente e apareceu a Simão!» 8Lc 24,34).

Da mesma forma a Tradição repete que Jesus ressuscitou verdadeiramente, de modo paralelo como afirma que nasceu verdadeiramente de Maria Virgem, e morreu verdadeiramente na cruz.

    A Ressurreição de Cristo é um acontecimento real verificado numa circunstância precisa de lugar e de tempo, que teve manifestações historicamente comprovadas por testemunhos fiáveis que no-lo transmitiram, e que teve os sinais suficientes para poder afirmar que verdadeiramente sucedeu.
Por isso goza pelo menos da mesma historicidade que qualquer outro acontecimento real acontecido no passado.

    O sinal do sepulcro vazio.

A ausência do corpo de Cristo no sepulcro não é em si prova directa da Ressurreição, pois poderia explicar-se de outro modo (cf. Jo 20,13; Mt 28,11-15).
Apesar disso, o sepulcro vazio constitui um sinal essencial e necessário para poder comprovar que realmente tinha ressuscitado.
O sepulcro vazio e as mortalhas no solo preparam os discípulos para o reconhecimento do facto da Ressurreição, como sucedeu em primeiro lugar com as santas mulheres e depois com Pedro.

    A comprovação da Ressurreição pelas aparições de Jesus ressuscitado.

O próprio Jesus, ao qual tinham visto morto, manifestou-se vivo e glorioso aos seus (a sua Mãe, a Maria de Magdala e às santas mulheres; a Pedro; aos dois de Emaús; aos discípulos no cenáculo; outra aparição aos oito dias com Tomé, etc.

    Com as aparições deu-lhes provas concludentes da verdade da sua Ressurreição:

que vive verdadeiramente; que o seu corpo é verdadeiro, de carne e osso, e não um espírito; e que é Ele mesmo, o que tinha sido crucificado (continua levando as marcas da sua Paixão: (cf. Lc 24,40; Jo 20,20.27).

Realmente Cristo voltou á vida: surrexit Dominus vere!

c) A fé na Ressurreição não procede da credulidade dos apóstolos, mas sim da experiência directa da realidade de Jesus ressuscitado

    «Ante estes testemunhos é impossível interpretar a Ressurreição de Cristo fora da ordem física, e não a reconhecer como um facto histórico. Sabemos pelos acontecimentos que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da Paixão e da Morte na cruz do seu Mestre (…) Os Evangelhos, longe de nos mostrar uma comunidade arrebatada por uma exaltação mística, apresentam-nos os discípulos abatidos (‘a cara sombria’: Lc 24,17) e assustados (cf. Jo 20,19). Por isso não acreditaram nas santas mulheres que regressavam do sepulcro e ‘as suas palavras pareciam-lhes como desatinos’ (Lc 24,11; cf. Mc 16,11.13). Quando Jesus se manifesta aos onze na tarde de Páscoa ‘atirou-lhe à cara a sua incredulidade e a sua dureza de cabeça por não terem acreditado naqueles que o tinham visto ressuscitado’ (Mc 16,14)»[5].

    Tão impossível parece este facto aos discípulos que, inclusive postos perante a realidade de Jesus ressuscitado, todavia duvidam (cf. Lc 24,38): julgam ver um espírito (cf. Lc 24,39).

«Não conseguem acreditar por causa da alegria, e estavam assombrados» (Lc 24,41).

Por isto a hipótese segundo a qual a Ressurreição teria sido um produto da fé (ou da credulidade, ou da sugestão) dos apóstolos não tem consistência. «pelo contrário, a sua fé na Ressurreição nasceu – sob a acção da graça divina – da experiência directa da realidade de Jesus ressuscitado»[6].
   




Vicente Ferrer Barriendos

(Tradução do castelhano por ama)


[1] Cf. SANTO AGOSTINHO, De Trinitate, IV: « Considerando que há quatro aspectos em cada sacrifício, isto é: a quem se oferece, quem o oferece, , que se oferece, e por quem se oferece; resulta que o único e verdadeiro Mediador nos reconcilia com deus pelo seu sacrifício de paz, sendo uno com Aquele a quem oferecia, fazendo-se um com aqueles pelos quais oferecia, sendo um mesmo quem oferecia e o que oferecia».
[2] Cf. S. Th. III,56,1, ad 3: «Todas as coisas que Cristo fez ou padeceu na sua humanidade foram-nos saudáveis pelo poder da divindade (…) E este poder alcança com a sua presença todos os lugares e os tempos, e tal contacto virtual basta para explicar esta eficiência». Cf. S. Th. III,52,8; III, 48,6, ad 2.
[3] Cf. CEC, 478.
[4] Esta expressão é um tópico que se difundiu também entre alguns católicos. Para justificar que a Ressurreição não é um facto histórico, aduz-se frequentemente que ninguém foi testemunha ocular desse acontecimento e que nenhum evangelista o descreve: portanto, ninguém poderia dizer como sucedeu fisicamente. Este é um raciocínio tão néscio como negar a realidade histórica da morte de uma pessoa, cujo cadáver estamos contemplando, pela simples razão de não ter visto o transe da sua morte.
[5] CCE, 643.
[6] CCE, 644; cf. 656.

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