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18/03/2020

Leitura espiritual


JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR 18

Iniciação à Cristologia

    Os milagres são sinais da sua missão e da sua divindade.

Os milagres de Jesus testemunham, que o Pai o enviou (cf. Jo 5,26; 10,25), e convidam a acreditar em Jesus (cf. Jo 10,38): são sinais da sua missão divina e da autenticidade da sua doutrina.
E ainda mais, testemunham que Ele é o Filho de Deus (cf. Jo 10,31-38) porque os realiza com o seu próprio poder (cf. Lc 6,19), poder divino comum com Deus Pai (cf. Jo 14,10-11).

    Os milagres são começo e sinal da libertação definitiva.

Os milagres, de modo especial a expulsão dos demónios, constituem a derrota do reino de Satanás:

«Se pelo Espírito de Deus eu expulso os demónios, é que chegou a vós o reino de Deus» (Mt 12,28).

Os milagres antecipam a grande vitória de Jesus sobre «o príncipe deste mundo» (Jo 12,31) que será definitivamente estabelecida com a cruz[1].

e) A convocação dos discípulos

    Os discípulos são o gérmen e o começo do Reino.

Cristo inaugurou o Reino reunindo os homens em seu torno:

«O gérmen e o começo do reino são o ‘pequeno rebanho’ (Lc 12,32), que Jesus veio convocar em seu torno e dos quais Ele mesmo é pastor»[2].

Desde o princípio da sua vida pública Jesus chama a alguns para que o sigam: estes são seus discípulos.
Assim sucede com Pedro e André, Tiago e João (cf. Lc 9,57-62), com José Barsabás e com Matias (cf. Act 1,21-26), e com muitos outros.
E entre os discípulos encontramos homens e mulheres, como as que o seguiam desde a Galileia e o serviam. (cf. Lc 8,1-3).

    Os discípulos serão também os instrumentos da extensão do Reino:
eles têm que ser o sal da terra e a luz do mundo (cf. Mt 5,13-16). Por isso Jesus foi gradualmente fazendo-os partícipes da sua missão (cf. Lc 10,1).

    Os doze apóstolos.

O Senhor foi organizando gradualmente a sua comunidade de modo que quando Ele voltasse para o Pai esta pudesse ser instrumento da salvação do mundo.

A eleição dos doze apóstolos dentre os seus discípulos é o ponto principal desta estruturação: a eles vai confiando progressivamente algumas tarefas de responsabilidade e outorga-lhes alguns poderes especiais; e eles serão seus enviados («apóstolos») para implantar o seu Reino em todo o mundo.

No colégio dos doze, Pedro ocupa o primeiro lugar (cf. Mc 3,16; 1 Cor 15,5), e a ele, Jesus confia uma missão única: a de confirmar os seus irmãos na fé (cf. Lc 22,32) e a de pastorear em seu nome toda a grei (cf. Jo 21,16-17).

***

    São João diz no final do seu Evangelho:

«Há, além do mais, muitas outras coisas que Jesus fez, e que se se escrevessem uma por uma, penso que nem ainda o mundo poderia conter os livros que se teriam que escrever» (Jo 21,25).

Com muita maior razão podemos aplicar essas palavras ao presente livro e especialmente este capítulo sobre os mistérios da vida terrena de Jesus.

Temos de conhecer bem e de meditar todas as acções do Senhor – também as que não mencionámos – pois todas são redentoras, nos revelam Deus e nos dão exemplo para viver como filhos de Deus.

    Agora devemos passar a estudar o mistério pascal, da Morte e Ressurreição do Senhor, no qual se consuma a obra da redenção.

Capítulo X

A PAIXÃO E MORTE DE CRISTO E A NOSSA REDENÇÃO

1. O desígnio de Deus Pai sobre a paixão e Morte de Cristo

a) O desígnio divino e a Morte de Cristo

    A Morte de Jesus pertence ao misterioso desígnio de Deus, como explica São Pedro: «foi entregue segundo determinado desígnio e presciência de Deus» (Act 2,23).
E assim também o dizem os primeiros cristãos cheios do Espírito Santo:

«Aliaram-se nesta cidade contra o teu santo servo Jesus, que tu ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos com as nações gentias e os povos de Israel (cf. Sal 2,1-2), para levar a cabo quanto o teu poder e a tua sabedoria tinham previsto que ocorresse» (Act 4,27-28).

    Na Morte de Jesus, acima das causas históricas imediatas – o Sinédrio, Pilatos, os soldados – há uma causa de nível mais alto que só pode ser conhecida pela revelação: o plano e a disposição de Deus que permitiram os actos nascidos da cegueira dos homens para realizar o desígnio da nossa salvação (cf. Act 3,17-18)[3].

b) Porquê a cruz, nos planos divinos?

    Já dissemos que a salvação é uma intervenção do amor misericordioso de Deus na situação humana de pecado, que enviou o seu Filho para nos salvar por meio da sua Paixão e Morte.
E porque quis Deus a cruz de Cristo?
Ainda que nos seja difícil responder essa pergunta, tentemos ver algum ponto de luz neste mistério.

    Deus quer o homem se arrependa do seu pecado e expresse o seu arrependimento interior com obras externas de penitência (como é próprio da condição humana, composta de corpo e alma). Só assim pode tomar parte na Nova Aliança e receber o perdão.

Para demonstrar o amor a Deus e o arrependimento devemos renunciar ao «homem velho», ao desonrado amor por nós mesmos que nos levou a desobedecer a Deus.
O homem tem que manifestar este amor penitente com obras de entrega rendida à vontade divina, e em primeiro lugar com a aceitação voluntária das penalidades que Deus permite.

    As penas derivadas do pecado ordenam-se à reparação do mesmo.

 Deus não faz nem quer o mal, nem a morte:

«Acaso me comprazo eu na morte do malvado – palavra do Senhor – e não antes que se converta da sua conduta e viva?» (Ez 18,23; cf. Sab 1,13). Deus ama tudo o que criou, e ama o pecador (cf. Rom 5,8; Jo 3,16).

    Portanto, se Deus permite que o homem experimente as penalidades derivadas do pecado, estas são remédios e ordenam-se a um bem maior: a vida sobrenatural que é muito mais valiosa que a vida natural[4].
Essas penas não constituem propriamente um castigo, nem são uma retribuição directa pelo pecado de cada um (cf. Jo 9,2-3; Lc 13,1-5). No plano divino a dor tem lugar para purificar a alma, para tirar o obstáculo da vontade própria que nos afastou de Deus; serve, com a Judá da graça divina, para reparar a desordem do pecado no homem: e isto é o que, em teologia, chama-se «satisfazer»[5].

    Mas nem todas as penas derivadas do pecado servem para a restauração do homem, mas só as que afectam bens temporais e corporais[6].
E a principal pena satisfatória devida ao pecado comum da humanidade é a morte, á qual se ordenam e em que se consumam todas as penas físicas:

«o salário do pecado é a morte» (Rom 6,23)[7].

    A reparação plena dos pecados do género humano dá-se pela Paixão e Morte de Cristo.

Deus dispôs que a satisfação pelo pecado do género humano fosse completa, enquanto devia tirar o pecado e todas as suas consequências, e enquanto devia afectar todos os homens.

Já vimos no capítulo VII que ninguém pode reparar o pecado por si mesmo sem a graça, e ainda que com ela, nenhum homem podia reparar o pecado de toda a humanidade.
    Assim pois, Cristo, como novo Adão e Cabeça do género humano, livremente e por amor assumiu o sofrimento derivado do pecado comum até à sua culminação na morte:

Ele emendou e substituiu a desobediência de Adão com o seu amor e a sua obediência, e sofreu a morte para reparar a desordem introduzida em todos os homens pelo pecado original.

c) Deus Pai não é causa directa da Morte do seu Filho; somente a permite

    Poderia parecer que Deus Pai fora a causa ou o autor da Paixão e Morte de Cristo, já que na revelação divina se afirma que «não pedrou o seu próprio Filho, antes o entregou por nós» (Rom 8,32). Mas realmente o Pai é só a sua causa indirecta ou permissiva:

não quer a sua mote, nem muito menos a causa, antes a tolera.

    Se a permitiu, ainda que não a causasse, é porque daí proviria um bem maior.

Mas é imaginável algo melhor que a vida corporal do seu Filho?
A resposta é um mistério que de todo não podemos compreender, sobretudo se o olhamos com uma visão simplesmente humana. Todavia, com a cruz da fé podemos entrever que a glória e a exaltação de Cristo que se seguiu á sua morte são muito mais valiosas que os sofrimentos que padeceu (cf. Lc 24,26; Flp 2,8-11). E também podemos admirar neste mistério o valor imenso que a salvação das almas tem para Deus.
    Então, em que sentido se pode dizer que o Pai entregou o seu Filho por nós?
Podemos dizer que o Pai entregou Cristo à Paixão e Morte porque segundo a sua eterna vontade dispôs a Paixão para reparar os pecados do género humano; também, enchendo Jesus de caridade, o inspirou a vontade de padecer por nós; e, em terceiro lugar, porque na Paixão não o protegeu, podendo, dos perseguidores.

2. Os autores da Paixão e Morte de Cristo

    Os autores da paixão de Cristo – sua causa eficiente – são os que tinham a intenção de o matar e o fizeram sofrer os tormentos que produziram a sua morte[8].
E estes foram Judas, o Sinédrio, Pilatos, etc.
E a Escritura acrescenta que por detrás de todos eles actua Satanás, príncipe das trevas, que é homicida desde o princípio (cf. Jo 8,44).

    Os falsos motivos que os judeus aduziam para o rejeitar foram principalmente, como assinala muito bem o Catecismo da Igreja Católica: o valor da Lei de Moisés, o sentido do templo de Jerusalém, e a declaração de Jesus de ser Filho de Deus[9].

    A responsabilidade subjectiva de cada um dos autores da Paixão só Deus a conhece, e, além disso, temos de ter presente que Jesus pediu perdão para eles.
Todavia, podemos assinalar algumas situações objectivamente diferentes:

- Judas, o traidor, um dos Doze, um dos amigos íntimos do Mestre, que conhecia bem a sua vida e doutrina e o entregou aos judeus: a sua culpa é gravíssima.

- As autoridades judias, o Sinédrio, tiveram a informação suficiente para saber que Jesus era o Messias prometido e rejeitaram-no[10]. Certamente alguns deles acreditaram em Cristo (como Nicodemos e José de Arimateia), mas a maioria, por ódio e inveja (cf. Jo 15,24; Mt 27,18), não acreditou n’Ele, declaram-no réu de morte, e forçaram Pilatos para que o crucificasse.
Na Escritura reconhece-se que tiveram alguma ignorância, mas também se diz que não tiveram desculpa do seu pecado[11]:

Deus saberá calibrar a sua culpa.

- Pilatos pecou condenando o justo por temor mundano a César (Jo 19,12-16), ainda que como disse Jesus: «Os que me entregaram a ti têm maior pecado» (Jo 19,11).
A culpa do Procurador foi menor, pois não conhecia que Jesus era o Messias o Filho de Deus.

- A multidão dos judeus, que pediu a gritos a crucifixão do Senhor (cf. 15,11) e ratificou e aprovou a sua condenação por Pilatos (cf. Mt 27,25), tinha um conhecimento menor que os seus chefes e, além do mais, foi guiada e manipulada pelas autoridades legítimas do seu povo: por isso, a sua culpa, foi menor.

- Todavia, como o Concílio Vaticano II assinala:

«Ainda que as autoridades dos judeus com os seus seguidores reclamassem a morte de Cristo o que se perpetuou na sua Paixão não pode ser imputado indistintamente a todos os judeus que viviam então nem aos judeus de hoje (…) Não se há-de assinalar os judeus como reprovados por Deus e malditos como se tal coisa se deduzisse da Sagrada Escritura»[12].



Vicente Ferrer Barriendos

(Tradução do castelhano por ama)


[1] Cf. CCE, 550.
[2] CCE, 764.
[3] Cf. CCE, 599, 600.
[4] Torna-se sempre difícil encontrar uma resposta para a dor, mas é impossível a quem considera como valores supremos os bens materiais (por exemplo, a saúde e o bem-estar material). Sem uma visão de fé o homem não pode entender que a possessão da vida eterna vale muito mais que ganhar todo o mundo.
[5] CF. CONC. DE TRENTO, DS, 1690; CCE, 1472, 1459.
[6] Os defeitos morais, que também drivam do pecado (a privação da graça, a ignorância, a desordem moral, etc.), não servem para reparar ao homem caído mas antes são impedimentos; mais, são parte da desordem que há que eliminar (cf. S. TOMÁS DE AQUINO, S. Th. III,14,1; III,46,4, ad 2; Compendium theologiae, cap 226, nn. 471-474).
[7] Cf. 1 Cor 15,56; CCE, 602; S. TOMÁS DE AQUINO, S. Th. III,14,1; III,46,4, ad 2; Compendium theologiae, cap 227, n. 475).
[8] Convém ter em conta que quando a Sagrada Escritura diz que Jesus morreu «por nós» ou «por todos» (cf. Rom 5,8; 2 Cor 5,15) ou «pelos nossos pecados» (cf. 1 Cor 15,3; Gal 1,4), expressa o motivo que teve a morte de Cristo, ou seja, a «causa final» da sua Paixão, que é a salvação dos homens e a libertação do pecado, como vimos no capítulo II. E quando diz que padeceu e foi reprovado «pelos judeus» (cf. Lc 9,22; 17,25), expressa quem foram os autores desses padecimentos, quer dizer, a «causa eficiente» da sua Paixão, constituída pelos que o crucificaram, seus executores.
[9] Cf. CCE, 574-594.
[10] Cf. A parábola dos vinhateiros infiéis de Lc 20,9-19, ou a proposta de Caifás de Jo 11,49-50.
[11] Por um lado tiveram ignorância, pois o próprio Jesus disse: «Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem» (Lc 23,34; cf. Act 3,17). Mas por outro lado foram culpados, como também o Senhor assinala: «Não têm desculpa do seu pecado (…) Se não tivesse feito entre eles obras que nenhum outro fez, não teriam pecado; mas agora não só viram, como me aborreceram a mim e a meu Pai» (Jo 15,22-24).
[12] CONC. VATICANOII, Nostra aetate,

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