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21/09/2019

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá


Amigos de Deus


312 
      
Vida corrente

Interessa-me afirmar novamente que não me refiro a um modo extra­ordinário de viver cristãmente.
Que cada um de nós medite no que Deus realizou por ele e como tem correspondido.
Se formos valentes neste exame pessoal, perceberemos o que ainda nos falta.
Ontem comovi-me ao saber de um catecúmeno japonês que ensinava o catecismo a outros que ainda não conheciam Cristo.
E envergonhava-me.
Precisamos de mais fé, de mais fé!
E, com a fé, a contemplação.

Recordem com calma aquela divina advertência, que enche a alma de inquietação e, ao mesmo tempo, Lhe traz sabores de favo de mel: redemi te, et vocavi te nomine tuo: meus es tu redimi-te e chamei-te pelo teu nome: és meu!
Não roubemos a Deus o que é Seu.
Um Deus que nos amou até ao ponto de morrer por nós, que nos escolheu desde toda a eternidade, antes da criação do mundo, para sermos santos na sua presença: e que continuamente nos oferece ocasiões de purificação e de entrega.

Se porventura ainda tivéssemos alguma dúvida, receberíamos outra prova dos Seus lábios: não fostes vós que me escolhestes; fui eu que vos escolhi a vós, para que possais ir longe e dar fruto; e permaneça abundante esse fruto do vosso trabalho de almas contemplativas.

Portanto, fé, fé sobrenatural!
Quando a fé fraqueja, o homem tende a imaginar Deus como se estivesse longe, sem se preocupar com os seus filhos.
Pensa na religião como em algo de justaposto, de exterior à vida, que usa quando não há outro remédio; espera, não se sabe porquê, manifestações aparatosas, acontecimentos insólitos.
Quando a fé vibra na alma, descobre-se, pelo contrário, que os passos do cristão não se separam da sua vida humana corrente e habitual.
E que esta santidade grande, que Deus nos exige, se encerra aqui e agora, nas pequenas coisas de cada dia.

313
         
Agrada-me falar de caminho, porque somos caminhantes, dirigimo-nos para a casa do Céu, para a nossa Pátria.
Mas reparemos que um caminho, mesmo que um ou outro trecho apre­sente dificuldades especiais, mesmo que alguma vez nos obrigue a passar a vau um rio ou a atravessar um pequeno bosque quase impenetrável, habitualmente é simples, sem surpresas.
O perigo é a rotina: supor que nisto, no que temos de fazer em cada instante, não está Deus, porque é tão simples, tão vulgar!

Iam os dois discípulos para Emaús.
O seu caminhar era normal, como o de tantas outras pessoas que transitavam por aquelas paragens.
E aí, com naturalidade, aparece-Lhes Jesus e vai com eles, com uma conversa que diminui a fadiga.
Imagino a cena: já bem adiantada a tarde.
Sopra uma brisa suave.
De um lado e de outro, campos semeados de trigo já crescido e as velhas oliveiras com os ramos prateados pela luz indecisa...

Jesus, no caminho!
Senhor, que grande és Tu sempre!
Mas comoves-me quando te rebaixas para nos acompanhares, para nos procurares na nossa lida diária.
Senhor, concede-nos a ingenuidade de espírito, o olhar limpo, a mente clara, que permitem entender-Te, quando vens sem nenhum sinal externo da Tua glória.

314
        
Termina o trajecto ao chegar à aldeia e aqueles dois que - sem o saberem - tinham sido feridos no fundo do coração pela palavra e pelo amor do Deus feito homem, têm pena de que Ele se vá embora. Porque Jesus despede-se como quem vai para mais longe.
Nosso Senhor nunca se impõe.
Quer que O chamemos livremente, desde que entrevimos a pureza do Amor que nos meteu na alma.
Temos de O deter à força e pedir-Lhe: fica connosco, porque é tarde e já o dia está no ocaso, cai a noite.

Somos assim: sempre pouco atrevidos, talvez por falta de sinceridade, talvez por pudor.
No fundo pensamos: fica connosco, porque as trevas nos rodeiam a alma e só Tu és luz, só Tu podes acalmar esta ânsia que nos consome!
Porque entre as coisas belas, honestas, não ignoramos qual é a pri­meira: possuir sempre Deus.

E Jesus fica.
Abrem-se os nossos olhos como os de Cléofas e os do companheiro, quando Cristo parte o pão; e, mesmo que Ele volte a desaparecer da nossa vista, também seremos capazes de empreender de novo a marcha - anoitece - para falar d'Ele aos outros; porque tanta alegria não cabe num só coração.

Caminho de Emaús.
O nosso Deus encheu este nome de doçura. E Emaús é o mundo inteiro, porque Nosso Senhor abriu os caminhos divinos da terra.

315 
       
Com os Santos Anjos

Peço a Nosso Senhor que, durante a nossa permanência neste chão da terra, nunca nos afastemos do caminhante divino.
Para isso aumentemos também a nossa amizade com os Santos Anjos da Guarda.
Todos necessitamos de muita companhia: companhia do Céu e da terra. Sejamos devotos dos Santos Anjos!
A amizade é muito humana, mas também é muito divina; tal como a nossa vida, que é divina e humana.
Temos presente o que diz Nosso Senhor?
Já não vos chamo servos, mas amigos.
Ensina-nos a ter confiança com os amigos de Deus, que já moram no Céu e com as criaturas que convivem connosco, mesmo com as que parecem afastadas de Nosso Senhor, para as atrair ao bom caminho.

Terminarei repetindo com S. Paulo aos Colossenses: não cessamos de orar por vós e de pedir a Deus que alcanceis pleno conhecimento da sua vontade, com toda a sabedoria e inteligência espiritual, sabedoria que nasce da oração, da contemplação, da efusão do Paráclito na alma.

A fim de que tenhais uma conduta digna de Deus, agradando-Lhe em tudo, produzindo frutos de toda a espécie de boas obras e crescendo na ciência de Deus; confortados com toda a fortaleza pelo poder da sua graça, para ter sempre uma perfeita paciência e longanimidade acompanhada de alegria; dando graças a Deus Pai, que nos fez dignos de participar da sorte dos santos, iluminando-nos com a sua luz; que nos arrebatou do poder das trevas e nos transferiu para o reino do seu Filho muito amado

316  
      
Que a Mãe de Deus e nossa Mãe nos proteja a fim de que cada um de nós possa servir a Igreja na plenitude da fé, com os dons do Espírito Santo e com a vida contemplativa.
Cada um, realizando os deveres que lhe são próprios; cada um no seu ofício e profissão e no cumprimento das obrigações do seu estado, honre o Senhor com alegria.

Amemos a Igreja, sirvamo-la com a alegria consciente de quem soube decidir-se a esse serviço por Amor.
E se virmos que alguém anda sem esperança, como os dois de Emaús, aproximemo-nos com fé - não em nome próprio, mas em nome de Cristo - para lhe assegurarmos que a promessa de Jesus não pode falhar, que Ele vela sempre pela sua Esposa: que não a abandona.
Que as trevas passarão, porque somos filhos da luz e estamos chama­dos a uma vida perdurável.

E Deus enxugará dos seus olhos todas as lágrimas, já não haverá morte, nem pranto, nem gritos; não haverá mais dor, porque as primeiras coisas passaram.
E disse o que estava sentado no trono: eis que renovo tudo.
E indicou-me: escreve, porque todas estas palavras são digníssimas de fé e verdadeiras.
E continuou: isto é um facto.
Eu sou o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim.
Àquele que tiver sede dar-Lhe-ei de beber gratuitamente da fonte da água da vida.
Quem vencer possuirá todas estas coisas e eu serei seu Deus e ele será meu filho.





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