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16/08/2019

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá

Amigos de Deus

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Vamos considerar, durante alguns instantes, os textos desta Missa de Terça-Feira de Paixão, para aprendermos a distinguir o endeusamento bom do endeusamento mau.

Vamos falar de humildade, porque esta é a virtude que nos ajuda a conhecer simultaneamente a nossa miséria e a nossa grandeza.

A nossa miséria salta à vista com demasiada evidência.
Não me refiro às limitações naturais: a tantas aspirações grandes com as quais o homem sonha e que porventura nunca conseguirá realizar, mesmo que seja só por falta de tempo.
Penso em tudo o que fazemos mal, nas quedas, nos erros que poderiam evitar-se e não se evitam.
Estamos a experimentar constantemente a nossa ineficácia.
Mas, às vezes, parece que todas estas coisas se juntam e se nos manifestam com um relevo maior, para que nos apercebamos de quão pouco somos.

Que fazer?

Expecta Dominum, espera no Senhor; vive de esperança, sugere-nos a Igreja, com amor e com fé. Viriliter age, porta-te varonilmente.
Que importa que sejamos criaturas de lodo, se temos a esperança posta em Deus?
E se alguma vez a alma sofre uma queda, um retrocesso - não é necessário que isso aconteça - aplica-se-lhe o remédio, como se procede normalmente com a saúde do corpo, e recomeça-se de novo!

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Não reparastes como as famílias que possuem alguma peça frágil e decorativa de valor - um jarrão, por exemplo - o rodeiam de cuidados para que não se quebre?
Até que um dia, o menino, ao brincar, atira-o ao chão e aquela recordação preciosa parte-se em bocados. O desgosto é grande, mas logo a seguir procura-se arranjá-lo. Recompõe-se, colam-se os pedaços com todo o cuidado e, uma vez restaurado, fica tão bonito como dantes.

No entanto, se o objecto é de louça ou simplesmente de barro cozido, habitualmente bastam uns gatos, uns arames de ferro ou de outro metal, que mantêm unidos os bocados.
E a peça, assim reparada, ganha um encanto original.

Levemos isto à vida interior.

Perante as nossas misérias e os nossos pecados, perante os nossos erros - mesmo que sejam, pela graça de Deus, de pouca monta - recorramos à oração e digamos ao nosso Pai: Senhor, na minha pobreza, na minha fragilidade, neste meu barro de vasilha quebrada, põe-me, Senhor, uns gatos e - com a minha dor e o Teu perdão - serei mais forte e mais gracioso do que dantes!
Uma oração consoladora para a repetirmos quando se parta este nosso pobre barro.

Não nos admiremos por sermos tão fracos; não fiquemos chocados pelo facto de verificarmos que quebramos por coisas de nada. Confiemos no Senhor, que tem sempre auxílio preparado: o Senhor é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei?
A ninguém.
Tratando deste modo com o nosso Pai do Céu, não sintamos medo de ninguém nem de nada.

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Para ouvir Deus

Se recorrermos à Sagrada Escritura, veremos como a humildade é um requisito indispensável para nos dispormos a ouvir Deus.
Onde há humildade há sabedoria, explica o livro dos Provérbios.
A humildade consiste em nos vermos como somos, sem disfarces, com verdade.
E ao compreendermos que não valemos quase nada, abrimo-nos à grandeza de Deus.
Esta é a nossa grandeza.

Que bem o compreendia Nossa Senhora, a Santa Mãe de Jesus, a criatura mais excelsa de todas as que existiram e hão-de existir sobre a terra!

Maria glorifica o poder do Senhor, que depôs do trono os poderosos e elevou os humildes.
E canta que n'Ela se realizou uma vez mais esta providência divina: porque olhou para a baixeza da sua escrava; portanto, eis que, de hoje em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada.

Maria manifesta-se santamente transformada, no seu coração puríssimo, em face da humildade de Deus: o Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
E, por isso mesmo, o Santo que há-de nascer de ti será chamado Filho de Deus.
A humildade da Virgem é consequência desse abismo insondável de graça, que se opera com a Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade nas entranhas da sua Mãe sempre Imaculada.

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Quando S. Paulo evoca este mistério, irrompe também num hino de júbilo, que hoje poderemos saborear com vagar: Tende nos vossos corações os mesmos sentimentos de Jesus Cristo, o qual, tendo a natureza de Deus, não foi por usurpação, mas por essência, o ser igual a Deus; e, não obstante, aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens e reduzido à condição de homem. Humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte, e morte de Cruz.

Jesus Cristo, Nosso Senhor, propõe-nos com muita frequência na sua pregação o exemplo da sua humildade: aprendei de mim que sou manso e humilde de coração, para que tu e eu aprendamos que não há outro caminho; que só o conhecimento sincero do nosso nada é capaz de atrair sobre nós a graça divina.
Por nós, Jesus veio padecer fome e alimentar-nos, veio sentir sede e dar-nos de beber, veio vestir-se da nossa mortalidade e vestir-nos de imortalidade, veio pobre para nos tornar ricos.

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Deus resiste aos soberbos, mas aos humildes dá a sua graça, ensina o Apóstolo S. Pedro.
Em qualquer época, em qualquer situação humana, não existe - para viver vida divina - senão o caminho da humildade. Será que o Senhor se regozija com a nossa humilhação?
Não.
Que lucraria com o nosso abatimento Aquele que tudo criou, e mantém e governa tudo o que existe?
Deus só deseja a nossa humildade, que nos esvaziemos de nós próprios para ele nos poder encher; pretende que não lhe levantemos obstáculos, a fim de que - falando ao modo humano - caiba mais graça sua no nosso pobre coração.
Porque o Deus que nos inspira a ser humildes é o mesmo que transformará o nosso corpo de miséria, fazendo-o semelhante ao seu corpo glorioso, com aquele poder com que pode também sujeitar a si todas as coisas.
Nosso Senhor faz-nos seus, endeusa-nos com um endeusamento bom.

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A soberba, o inimigo

E o que é que impede esta humildade, este eudeusamento bom?
A soberba.
Esse é o pecado capital que leva ao eudeusamento mau.
A soberba induz-nos a seguir, talvez até nas questões mais pequenas, a insinuação que Satanás fez aos nossos primeiros pais: abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, conhecedores do bem e do mal .
Lê-se também na escritura que o princípio da soberba é afastar--se de Deus.
Na verdade, este vício, uma vez arreigado, influi em toda a existência do homem, até se converter no que S. João chama superbia vitae, soberba da vida.

Soberba?
De quê?
A Escritura Santa mostra-nos alguns traços, simultaneamente trágicos e cómicos, para estigmatizar a soberba: de que te ensoberbeces, pó e cinza?

Já em vida vomitas as entranhas.
Uma ligeira enfermidade: o médico sorri.
O homem que hoje é rei, amanhã estará morto.

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Quando o orgulho se apodera da alma, não é estranho que atrás dele, como pela arreata, venham todos os vícios: a avareza, as intemperanças, a inveja, a injustiça.
O soberbo procura inutilmente arrancar Deus - que é misericordioso com todas as criaturas - do seu trono para se colocar lá ele, que actua com entranhas de crueldade.

Temos de pedir ao Senhor que não nos deixe cair nesta tentação.
A soberba é o pior dos pecados e o mais ridículo.
Se consegue atormentar alguém com as suas múltiplas alucinações, a pessoa atacada veste-se de aparências, enche-se de vazio, envaidece-se como o sapo da fábula, que inchava o papo, cheio de presunção, até que rebentou.
A soberba é desagradável, mesmo humanamente, porque o que se considera superior a todos e a tudo está continuamente a contemplar-se a si mesmo e a desprezar os outros, que lhe pagam na mesma moeda, rindo-se da sua fatuidade.

(cont)


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