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11/08/2019

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá

Amigos de Deus
  
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Fazer do trabalho oração

Costumo dizer com frequência que, nestes momentos de conversa com Jesus, que nos vê e nos ouve do sacrário, não podemos cair numa oração impessoal.
E observo também que, para meditar de modo a que se inicie imediatamente um diálogo com o Senhor, não é preciso pronunciar palavras.
Precisamos, sim, de sair do anonimato e de nos pôr na sua presença tal como somos, sem nos escondermos na multidão que enche a igreja, nem nos diluirmos num palavreado oco, que não brota do coração mas de um costume desprovido de conteúdo.

Posto isto, acrescento agora que também o teu trabalho deve ser oração pessoal e há-de converter-se numa grande conversa com o Nosso Pai do Céu.
Se procuras a santificação na tua actividade profissional e através dela, terás necessariamente de te esforçar para que ela se converta numa oração sem anonimato.
E nem sequer estes teus afãs podem cair na obscuridade anódina de uma tarefa rotineira, impessoal, porque nesse mesmo instante teria morrido o aliciante divino que anima o teu trabalho quotidiano.

Vêm-me neste momento à memória as minhas viagens às frentes de batalha durante a Guerra Civil Espanhola.
Sem contar com qualquer meio humano, acudia aonde houvesse alguém que necessitasse do meu trabalho de sacerdote.
Naquelas circunstâncias tão peculiares, talvez propícias a que muitos justificassem os seus abandonos e os seus descuidos, não me limitava a sugerir um conselho simplesmente ascético.
Movia-me então a mesma preocupação que sinto agora e que estou a procurar que o Senhor desperte em cada um de vós.
Interessava-me pelo bem das suas almas e também pela sua alegria aqui na terra.
Por isso, animava-os a aproveitarem o tempo com tarefas úteis, evitando que a guerra se tornasse numa espécie de parêntesis na sua vida.
Pedia-lhes que não se desleixassem e fizessem o possível por não converter a trincheira e a guarita numa espécie de sala de espera das estações de caminhos de ferro da época, onde a gente matava o tempo à espera daqueles comboios que parecia que nunca mais chegariam...

Sugeria-lhes concretamente que se ocupassem com alguma actividade proveitosa, compatível com o seu serviço de soldados, como, por exemplo, estudar ou aprender línguas, aconselhando-os também a que nunca deixassem de ser homens de Deus e procurassem que toda a sua conduta fosse operatio Dei, trabalho de Deus.
E ficava comovido ao comprovar que esses rapazes, em situações nada fáceis, correspondiam tão maravilhosamente, que se notava a solidez da sua têmpera interior.

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Lembro-me também da temporada da minha estadia em Burgos, durante essa mesma época.
Aí apareciam tantos e tantos para passar alguns dias comigo nos períodos de licença, além daqueles que estavam destacados nos quartéis da zona.
Como casa, compartilhava com alguns filhos meus o mesmo quarto de um hotel muito fraco.
Apesar de carecermos até do mais imprescindível, organizávamo-nos de modo a que não faltasse o necessário aos que vinham para descansar e recompor as forças.
E eram centenas!

Tinha o costume de sair a passear pela margem do Arlanzón, enquanto conversava com eles, ouvia as suas confidências e procurava orientá-los com o conselho oportuno que os confirmasse ou lhes abrisse horizontes novos de vida interior.
E, sempre com a ajuda de Deus, animava-os, estimulava-os e abrasava-os na sua conduta de cristãos.
Às vezes as nossas caminhadas chegavam ao mosteiro de Las Huelgas.
E noutras ocasiões íamos até à Catedral.

Gostava de subir a uma torre para que vissem de perto a pedra trabalhada das cumieiras, um autêntico rendilhado de pedra, fruto de um trabalho paciente e custoso.
Nessas conversas fazia-lhes notar que aquela maravilha não se via de baixo.
E para concretizar o que lhes tinha explicado com repetida frequência, comentava: isto é o trabalho de Deus, a obra de Deus: acabar a tarefa pessoal com perfeição, com beleza, com o primor destas delicadas rendas de pedra.
Compreendiam, perante essa realidade que entrava pelos olhos, que tudo isso era oração, um formoso diálogo com o Senhor.
Aqueles que tinham gasto as suas energias nessa tarefa sabiam perfeitamente que das ruas da cidade ninguém veria e apreciaria o resultado do seu esforço: era só para Deus.

Compreendes agora como a vocação profissional pode aproximar do Senhor?
Faz tu o mesmo que aqueles canteiros e o teu trabalho será também operatio Dei, um trabalho humano com entranhas e perfis divinos.

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Convencidos de que Deus se encontra em toda a parte, nós cultivamos os campos louvando ao Senhor, sulcamos os mares e trabalhamos em todas as outras nossas profissões, cantando as suas misericórdias.
Desta maneira estamos unidos a Deus a todo o momento.
Mesmo quando vos encontrardes isolados, fora do vosso ambiente habitual - como aqueles rapazes na trincheira - vivereis metidos no Senhor, através desse trabalho pessoal e esforçado, contínuo, que soubestes converter em oração, porque o haveis começado e concluído na presença de Deus Pai, de Deus Filho e de Deus Espírito Santo.

Não esqueçais, contudo, que estais também na presença dos homens e que estes esperam de vós - de ti! - um testemunho cristão.
Por isso, na ocupação profissional, temos de actuar de tal maneira, do ponto de vista humano, que não fiquemos envergonhados nem façamos corar quem nos conhece e nos ama.
Se vos conduzirdes de acordo com este espírito que procuro ensinar-vos, além de não desiludirdes aqueles que confiam em vós, não ficareis com a cara ruborizada e nem sequer vos acontecerá como àquele homem da parábola que se propôs edificar uma torre: depois de lançar os alicerces, não podendo concluí-la, começaram todos os que a viram a zombar dele, dizendo: "Este começou a construir e não pôde chegar ao fim".

Garanto-vos que, se não perderdes a visão sobrenatural, poreis o coroamento na vossa tarefa, acabareis a vossa catedral, até colocar a última pedra.

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Possumus!

Podemos vencer também esta batalha com a ajuda do Senhor. Convencei-vos de que não se torna difícil converter o trabalho num diálogo de oração.
Basta oferecê-lo a Deus e meter mãos à obra, pois Ele já nos está a ouvir e a alentar.
Assim, nós, no meio do trabalho quotidiano, conquistamos o modo de ser das almas contemplativas, porque nos invade a certeza de que Deus nos olha, sempre que nos pede uma nova e pequena vitória: um pequeno sacrifício, um sorriso à pessoa importuna, começar pela tarefa menos agradável e mais urgente, ter cuidado com os pormenores de ordem, ser perseverante no dever quando era tão fácil abandoná-lo, não deixar para amanhã o que temos de terminar hoje...
E tudo isto para dar gosto ao Nosso Pai Deus!
Entretanto, talvez sobre a tua mesa ou num lugar discreto que não chame a atenção, para te servir de despertador do espírito contemplativo, pões o crucifixo, que já se tornou para a tua alma e para a tua mente o manual onde aprendes as lições de serviço.

Se te decidires - sem fazer coisas esquisitas, sem abandonar o mundo, no meio das tuas ocupações habituais - a entrar por estes caminhos de contemplação, sentir-te-ás imediatamente amigo do Mestre e com o encargo divino de abrir os caminhos divinos da terra a toda a humanidade.
Sim, com esse teu trabalho contribuirás para que se estenda o reinado de Cristo em todos os continentes e seguir-se-ão, uma atrás da outra, as horas de trabalho oferecidas pelas longínquas nações que nascem para a fé, pelos povos do leste barbaramente impedidos de professar com liberdade as suas crenças, pelos países de antiga tradição cristã onde parece que se obscureceu a luz do Evangelho e as almas se debatem nas sombras da ignorância...
Que valor adquire então essa hora de trabalho, esse continuar com o mesmo empenho durante um pouco mais de tempo, alguns minutos mais, até rematar a tarefa.

Convertes assim, de um modo prático e simples, a contemplação em apostolado, como necessidade imperiosa do coração, que pulsa em uníssono com o dulcíssimo e misericordioso Coração de Jesus, Nosso Senhor.

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Fazer tudo por Amor

E como é que vou conseguir - parece que me perguntas - actuar sempre com esse espírito, que me leve a concluir com perfeição o meu trabalho profissional?

A resposta não é minha.
Vem de S. Paulo: Trabalhai varonilmente, sede fortes. Que tudo, entre vós, se realize na caridade. Fazei tudo por Amor e livremente. Nunca actueis por medo ou por rotina: servi ao Nosso Pai Deus.

Gosto muito de repetir - porque tenho experimentado bem a sua mensagem - aqueles versos pouco artísticos, mas muito gráficos:

Minha vida é toda amor;
Se em amor sou entendido,
Foi pela força da dor,
Pois ninguém ama melhor
Que quem muito haja sofrido.

Ocupa-te dos teus deveres profissionais por Amor.
Faz tudo por Amor - insisto - e comprovarás as maravilhas que produz o teu trabalho, precisamente porque amas, embora tenhas de saborear a amargura da incompreensão, da injustiça, da ingratidão e até do próprio fracasso humano.
Frutos saborosos, sementes de eternidade!


(cont)



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