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07/07/2019

Leitura espiritual


"Christus vivit": Exortação Apostólica aos Jovens

Capítulo I

O QUE A PALAVRA DE DEUS DIZ SOBRE OS JOVENS?


No Novo Testamento

12. Conta uma parábola de Jesus (cf. Lc 15, 11-33) que o filho «mais jovem» quis partir da casa paterna para um país distante (cf. 15, 12-13).
Mas, os seus sonhos de autonomia transformaram-se em libertinagem e devassidão (cf. 15, 13), e provou a dureza da solidão e da pobreza (cf. 15, 14-16). Todavia, foi capaz de reconsiderar e começar de novo (cf. 15, 17-19): decidiu levantar-se (cf. 15, 20).
É típico do coração jovem estar disposto a mudar, ser capaz de levantar-se e deixar-se instruir pela vida.
Como não acompanhar o filho nesta nova tentativa?
Mas o irmão mais velho já tinha o coração envelhecido e deixou-se possuir pela ganância, o egoísmo e a inveja (cf. 15, 28-30).
Jesus louva mais o jovem pecador que retoma o bom caminho do que aquele que se julga fiel, mas não vive o espírito do amor e da misericórdia.

13. Jesus, o eternamente jovem, quer dar-nos um coração sempre jovem. Assim no-lo pede a Palavra de Deus: «Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa» (1 Cor 5, 7).

Ao mesmo tempo convida-nos a despojar-nos do «homem velho» para nos revestirmos do «homem novo» (Col 3, 9.10), do homem jovem[1].

E, quando quer explicar o que é revestir-se desta juventude que «não cessa de se renovar» (3, 10), diz que significa ter «sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro» (3, 12-13).
Isto significa que a verdadeira juventude é ter um coração capaz de amar. Pelo contrário, aquilo que envelhece a alma é tudo o que nos separa dos outros. Por isso mesmo conclui: «Acima de tudo isto, revesti-vos do amor, que é o laço da perfeição» (3, 14).

14. Notemos que Jesus não gostava que os adultos olhassem com desprezo para os mais jovens ou os mantivessem, despoticamente, ao seu serviço. Pelo contrário, pedia: «O que for maior entre vós seja como o menor» (Lc 22, 26).

Para Ele, a idade não estabelecia privilégios; e o facto de alguém ter menos anos não significava que valesse menos ou tivesse menor dignidade.

15. A Palavra de Deus diz que os jovens devem ser tratados «como irmãos» (1 Tm 5, 1), e recomenda aos pais: «Não irriteis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo» (Col 3, 21).

Um jovem não pode estar desanimado; é próprio dele sonhar coisas grandes, buscar horizontes amplos, ousar mais, ter vontade de conquistar o mundo, ser capaz de aceitar propostas desafiadoras e desejar contribuir com o melhor de si mesmo para construir algo superior. Por isso, insisto com os jovens para não deixarem que lhes roubem a esperança, repetindo a cada um: «Ninguém escarneça da tua juventude» (1 Tm 4, 12).

16. Ao mesmo tempo, porém, recomenda-se aos jovens: «Sede submissos aos anciãos» (1 Ped 5, 5).

A Bíblia convida sempre a um respeito profundo pelos idosos, porque abrigam um tesouro de experiência, experimentaram os êxitos e os fracassos, as alegrias e as grandes tribulações da vida, as esperanças e as desilusões, e, no silêncio do seu coração, guardam tantas histórias que nos podem ajudar a não errar nem enganar-nos com falsas miragens. A palavra dum idoso sábio convida a respeitar certos limites e a saber-se dominar a tempo: «Exorta igualmente os jovens a serem moderados» (Tit 2, 6).
Não é bom cair no culto da juventude, nem numa postura juvenil que despreze os outros pelos seus anos ou porque são de outro tempo. Jesus dizia que a pessoa sábia é capaz de tirar do seu tesouro coisas novas e velhas (cf. Mt 13, 52).
Um jovem sábio abre-se ao futuro, mas permanece capaz de valorizar algo da experiência dos outros.

17. No Evangelho de Marcos, aparece uma pessoa que, ao ouvir Jesus recordar-lhe os mandamentos, exclama: «Tenho cumprido tudo isso desde a minha juventude» (10, 20). Já o dizia o Salmo: «Tu és a minha esperança, ó Senhor Deus, e a minha confiança desde a juventude. (...) Instruíste-me, ó Deus, desde a minha juventude e até hoje anunciei sempre as tuas maravilhas» (71/70, 5.17).

Nunca nos arrependeremos de gastar a própria juventude a fazer o bem, abrindo o coração ao Senhor e vivendo contracorrente. De tudo isto, nada nos tira a juventude, antes fortalece-a e renova-a: «É [o Senhor] quem (…) te rejuvenesce como a águia» (Sal 103/102, 5).

Por isso, Santo Agostinho lamentava-se: «Tarde Vos amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde Vos amei!»[2]

Mas aquele homem rico, que fora fiel a Deus na sua juventude, deixou que os anos lhe roubassem os sonhos, preferindo ficar agarrado aos seus bens (cf. Mc 10, 22).

18. Entretanto, na passagem paralela do Evangelho de Mateus, aparece um jovem (cf. Mt 19, 20.22) que se aproxima de Jesus desejoso de mais (cf. 19, 20), com aquele espírito aberto típico dos jovens, que busca novos horizontes e grandes desafios. Na realidade, o seu espírito já não era assim tão jovem, porque se apegara às riquezas e comodidades. Com a boca, dizia querer algo mais, mas, quando Jesus lhe pede para ser generoso e distribuir os seus bens, deu-se conta de que não era capaz de desprender-se do que possuía. «Ao ouvir isto, o jovem retirou-se contristado» (19, 22). Renunciara à sua juventude.

19. O Evangelho fala-nos também de algumas jovens prudentes que estavam prontas e vigilantes, enquanto outras viviam distraídas e adormentadas (cf. Mt 25, 1-13). Com efeito, é possível transcorrer a própria juventude distraído, planando à superfície da vida, dormindo, incapaz de cultivar relações profundas e entrar no coração da vida; deste modo, porém, prepara-se um futuro pobre, sem substância. Ou, pelo contrário, pode gastar-se a juventude cultivando coisas nobres e grandes e, assim, preparar um futuro cheio de vida e riqueza interior.

20. Se perdeste o vigor interior, os sonhos, o entusiasmo, a esperança e a generosidade, diante de ti está Jesus, como parou diante do filho morto da viúva, e o Senhor, com todo o seu poder de Ressuscitado, exorta-te: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta-te!» (Lc 7, 14).

21. Há, sem dúvida, muitos outros textos da Palavra de Deus que nos podem iluminar acerca desta fase da vida. Analisaremos alguns deles nos próximos capítulos.

Capítulo II

JESUS CRISTO SEMPRE JOVEM

22. Jesus é «jovem entre os jovens, para ser o exemplo dos jovens e consagrá-los ao Senhor»[3].

Por isso, o Sínodo disse que «a juventude é um período original e estimulante da vida, que o próprio Jesus viveu, santificando-a»[4].

Que nos refere o Evangelho sobre a juventude de Jesus?

A juventude de Jesus

23. O Senhor «entregou o seu espírito» (Mt 27, 50) numa cruz, quando tinha pouco mais de 30 anos de idade (cf. Lc 3, 23). É importante tomar consciência de que Jesus foi um jovem. Deu a sua vida numa fase que hoje se define como a dum jovem adulto. Em plena juventude, começou a sua missão pública e, assim, brilhou «uma grande luz» (Mt 4, 16), sobretudo quando levou até ao extremo o dom da sua vida. Este final não foi improvisado, mas teve uma preciosa preparação em toda a sua juventude, em cada um dos seus momentos, porque «tudo, na vida de Jesus, é sinal do seu mistério»[5] e «toda a vida de Cristo é mistério de redenção»[6].

24. O Evangelho não fala da meninice de Jesus, mas conta-nos alguns factos da sua adolescência e juventude. Mateus coloca este período da juventude do Senhor entre dois episódios: o regresso da sua família a Nazaré, depois do tempo de exílio, e o seu baptismo no Jordão, onde começou a sua missão pública. As últimas imagens de Jesus menino são a dum pequeno refugiado no Egipto (cf. Mt 2, 14-15) e, depois, a dum repatriado em Nazaré (cf. Mt 2, 19-23). As primeiras imagens de Jesus, jovem adulto, são as que no-Lo apresentam na multidão ao pé do rio Jordão, para ser baptizado pelo primo João Baptista, como qualquer um do seu povo (cf. Mt 3, 13-17).

25. Aquele baptismo não era como o nosso, que nos introduz na vida da graça, mas foi uma consagração antes de começar a grande missão da sua vida. O Evangelho diz que o seu baptismo foi motivo de júbilo e comprazimento do Pai: «Tu és o meu Filho muito amado» (Lc 3, 22). Imediatamente Jesus apareceu cheio do Espírito Santo e foi levado pelo Espírito ao deserto. Assim, estava pronto para ir pregar e fazer prodígios, libertar e curar (cf. Lc 4, 1-14). Cada jovem, quando se sente chamado a cumprir uma missão nesta terra, é convidado a reconhecer dentro de si as mesmas palavras que Deus Pai dissera a Jesus: «Tu és o meu filho muito amado».

26. No intervalo entre estes dois episódios, aparece um que mostra Jesus em plena adolescência: quando regressou para Nazaré com seus pais, depois que estes O perderam e reencontraram no Templo (cf. Lc 2, 41-51). Em Nazaré, diz o texto que Jesus «era-lhes submisso» (Lc 2, 51), pois não tinha rejeitado a sua família. Então Lucas acrescenta que «Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens» (2, 52). Por outras palavras, estava-Se preparando e, naquele período, ia aprofundando a sua relação com o Pai e com os outros. São João Paulo II explicou que não crescia apenas fisicamente, mas «houve em Jesus também um crescimento espiritual», porque «a plenitude de graça em Jesus era relativa à idade: havia sempre plenitude, mas uma plenitude crescente com o crescer da idade»[7].

27. Com base nestes dados evangélicos, podemos afirmar que Jesus, na sua fase juvenil, foi-Se «formando», foi-Se preparando para realizar o projecto que o Pai tinha. A sua adolescência e juventude orientaram-n'O para esta missão suprema.

28. Na adolescência e juventude, a sua relação com o Pai era a do Filho muito amado; atraído pelo Pai, crescia ocupando-Se das coisas d’Ele: «Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (Lc 2, 49).
Mas não devemos pensar que Jesus fosse um adolescente solitário ou um jovem fechado em si mesmo. A sua relação com as pessoas era a dum jovem que compartilhava a vida inteira duma família bem integrada na aldeia. Aprendera o ofício do pai e, depois, substituiu-o como carpinteiro. Por isso no Evangelho, uma vez, é chamado «o filho do carpinteiro» (Mt 13, 55) e, outra, simplesmente «o carpinteiro» (Mc 6, 3).
Este detalhe mostra que era um rapaz da aldeia como os outros, relacionando-Se com toda a normalidade. Ninguém O considerava um jovem estranho ou separado dos outros. Por isso mesmo, quando Jesus começou a pregar, as pessoas não sabiam explicar donde Lhe vinha aquela sabedoria: «Não é este o filho de José?» (Lc 4, 22).

29. A verdade é que «Jesus também não cresceu numa relação fechada e exclusiva com Maria e José, mas de bom grado movia-Se na família alargada, onde encontrava os parentes e os amigos»[8].

Assim se compreende que, ao regressar da peregrinação a Jerusalém, os pais estivessem tranquilos pensando que aquele adolescente de doze anos (cf. Lc 2, 42) Se movia livremente entre as pessoas a ponto de não O verem durante um dia inteiro: «pensando que Ele Se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem» (Lc 2, 44).
Com certeza - supunham eles -, Jesus estaria lá indo e vindo entre os demais, brincando com os da sua idade, ouvindo as histórias dos adultos e compartilhando as alegrias e tristezas da caravana. Para expressar a «caravana» de peregrinos, Lucas usou o termo grego synodía, que indica precisamente esta «comunidade em caminho», na qual se integrou a sagrada Família. Graças à confiança que n’Ele depositam seus pais, Jesus move-Se livremente e aprende a caminhar com todos os outros.

Franciscus

Revisão da versão portuguesa por AMA



[1] O mesmo termo grego que significa «novo», é usado para dizer «jovem».
[2] Confissões, X, 27: PL 32, 795.
[3] Documento Final da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (27/X/2018), 60. A partir de agora, este documento será citado com a sigla DF. É possível consultá-lo no site Vaticano do Sínodo dos Bispos: http://www.vatican.va/
[4] Santo Ireneu, Contra as heresias, II, 22, 4: PG 7, 784.
[5] Catecismo da Igreja Católica, 515
[6] Ibid., 517.
[7] Catequese (Audiência Geral de 27 de Junho de 1990), 2.3: Insegnamenti13,1 (1990), 1680-1681.
[8] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19 de Março de 2016), 182: AAS 108 (2016), 384.

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