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26/07/2019

Leitura espiritual


"Christus vivit": Exortação Apostólica aos Jovens 


Capítulo VIII

A VOCAÇÃO

Vocações para uma consagração especial

274. Se partirmos da convicção de que o Espírito continua a suscitar vocações para o sacerdócio e a vida religiosa, podemos «voltar a lançar as redes» em nome do Senhor, com toda a confiança.
Podemos - e devemos - ter a coragem de dizer a cada jovem que se interrogue quanto à possibilidade de seguir este caminho.

275. Algumas vezes fiz esta proposta a jovens que me responderam quase em tom de zombaria:
«Não! Verdadeiramente não me sinto inclinado para esse lado».
E todavia, anos depois, alguns deles estavam no Seminário.
O Senhor não pode falhar na sua promessa de não deixar a Igreja privada dos pastores, sem os quais não poderia viver nem desempenhar a sua missão.
E, se alguns sacerdotes não dão bom testemunho, não é por isso que o Senhor deixará de chamar.
Pelo contrário, redobra a aposta, porque não cessa de cuidar da sua amada Igreja.

276. No discernimento duma vocação, não se deve excluir a possibilidade de consagrar-se a Deus no sacerdócio, na vida religiosa ou em outras formas de consagração.
Porquê excluí-lo?
Podes ter a certeza de que, se reconheceres uma chamada de Deus e a seguires, será isso que dará plenitude à tua vida.

277. Jesus caminha no meio de nós, como fazia na Galileia.
Passa pelas nossas estradas, detém-Se e fixa-nos nos olhos, sem pressa.
A sua chamada é atraente, fascinante.
Mas, hoje, a ansiedade e a velocidade de tantos estímulos que nos bombardeiam fazem com que não haja lugar para aquele silêncio interior onde se percebe o olhar de Jesus e se ouve a sua chamada. Entretanto receberás muitas propostas bem confeccionadas, que parecem belas e intensas, mas com o passar do tempo, deixar-te-ão simplesmente vazio, cansado e sozinho.
Não deixes que isto te aconteça, porque o turbilhão deste mundo arrasta-te numa corrida sem sentido, sem orientação, nem objectivos claros, e deste modo se malograrão muitos dos teus esforços.
Procura, antes, aqueles espaços de calma e silêncio que te permitam reflectir, rezar, ver melhor o mundo ao teu redor e então sim, juntamente com Jesus, poderás reconhecer qual é a tua vocação nesta terra.

Capítulo IX

O DISCERNIMENTO

278. Sobre o discernimento em geral, já me debrucei na Exortação Apostólica Gaudete et exsultate.
Permiti-me retomar algumas daquelas reflexões, aplicando-as ao discernimento da vocação própria no mundo.

279. Lembro que todos, mas «especialmente os jovens, estão sujeitos a um zapping constante.
É possível navegar simultaneamente em duas ou três telas e interagir, ao mesmo tempo, em diferentes cenários virtuais.
Sem a sapiência do discernimento, podemos facilmente transformar-nos em marionetes à mercê das tendências da ocasião»[i].

E «isto revela-se particularmente importante, quando aparece uma novidade na própria vida, sendo necessário então discernir se é o vinho novo que vem de Deus ou uma novidade enganadora do espírito do mundo ou do espírito maligno»[ii].

280. Este discernimento, «embora inclua a razão e a prudência, supera-as, porque se trata de entrever o mistério daquele projecto, único e irrepetível, que Deus tem para cada um (…).
Está em jogo o sentido da minha vida diante do Pai, que me conhece e ama, aquele sentido verdadeiro para o qual posso orientar a minha existência e que ninguém conhece melhor do que Ele»[iii].

281. Neste contexto, situa-se a formação da consciência, que permite ao discernimento crescer em profundidade e fidelidade a Deus: «Formar a consciência requer o caminho da vida inteira, no qual se aprende a cultivar os mesmos sentimentos de Jesus Cristo, assumindo os critérios das suas opções e as intenções da sua actividade (cf. Flp 2, 5)»[iv].

282. Esta formação implica deixar-se transformar por Cristo e, ao mesmo tempo, uma «prática habitual do bem, verificada no exame de consciência: um exercício no qual não se trata apenas de identificar os pecados, mas também de reconhecer a obra de Deus na própria experiência diária, nas vicissitudes da história e das culturas onde se está inserido, no testemunho de muitos outros homens e mulheres que nos precederam ou acompanham com a sua sabedoria.

Tudo isto ajuda a crescer na virtude da prudência, articulando a orientação global da existência com as opções concretas, na consciência serena dos próprios dons e limites»[v].

Como discernir a tua vocação

283. Uma expressão do discernimento é o esforço por reconhecer a própria vocação.
É uma tarefa que requer espaços de solidão e silêncio, porque se trata duma decisão muito pessoal que mais ninguém pode tomar no nosso lugar.
«Embora o Senhor nos fale de muitos e variados modos durante o nosso trabalho, através dos outros e a todo o momento, não é possível prescindir do silêncio da oração prolongada para perceber melhor aquela linguagem, para interpretar o significado real das inspirações que julgamos ter recebido, para acalmar ansiedades e recompor o conjunto da própria vida à luz de Deus»[vi].

284. Este silêncio não é uma forma de isolamento, pois devemos lembrar-nos de que «o discernimento orante exige partir da predisposição para escutar: o Senhor, os outros, a própria realidade que não cessa de nos interpelar de novas maneiras.
Somente quem está disposto a escutar é que tem a liberdade de renunciar ao seu ponto de vista parcial e insuficiente (…).
Desta forma, está realmente disponível para acolher uma chamada que quebra as suas seguranças, mas leva-o a uma vida melhor, porque não é suficiente que tudo corra bem, que tudo esteja tranquilo.

Pode acontecer que Deus nos esteja oferecendo algo mais e, na nossa cómoda distracção, não o reconheçamos»[vii].

285. Quando se trata de discernir a própria vocação, há várias perguntas que é preciso colocar-se.
Não se deve começar por questionar onde se poderia ganhar mais dinheiro, onde se poderia obter mais fama e prestígio social, mas também não se deveria começar perguntando que tarefas nos dariam mais prazer.
Para não se enganar, é preciso mudar de perspectiva, perguntando: Conheço-me a mim mesmo, além das aparências ou das minhas sensações?
Sei o que alegra ou entristece o meu coração?
Quais são os meus pontos fortes e as minhas fragilidades?
E, logo a seguir, vêm outras perguntas:
Como posso servir melhor e ser mais útil ao mundo e à Igreja?
Qual é o meu lugar nesta terra?
Que poderia eu oferecer à sociedade?
E surgem imediatamente outras muito realistas:
Tenho as capacidades necessárias para prestar este serviço?
Em caso negativo, poderei adquiri-las e desenvolvê-las?

286. Estas questões devem-se colocar não tanto em relação a si mesmo e às próprias inclinações, mas em relação aos outros, em ordem a eles, para que o discernimento enquadre a própria vida referida aos outros.
Por isso, quero lembrar qual é a grande questão:
«Muitas vezes, na vida, perdemos tempo a questionar-nos: “Quem sou eu?” E podes passar a vida inteira a questionar-te, procurando saber quem és. Mas a pergunta que te deves colocar é esta: “Para quem sou eu?”»[viii]

És para Deus, sem dúvida alguma; mas Ele quis que fosses também para os outros, e colocou em ti muitas qualidades, inclinações, dons e carismas que não são para ti, mas para os outros.

Franciscus

Revisão da versão portuguesa por AMA


Notas




[i] Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19 de Março de 2018), 167.
[ii] Ibid., 168.
[iii] Ibid., 170.
[iv] DF108.
[v] Ibid., 108.
[vi] Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19 de Março de 2018), 171.
[vii] Ibid., 172.
[viii] Francisco, Discurso na Vigília de Oração de preparação para a XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Roma – Basílica de Santa Maria Maior 8 de Abril de 2017): AAS 109 (2017), 447.

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