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21/07/2019

Leitura espiritual


"Christus vivit": Exortação Apostólica aos Jovens 

Capítulo VII

A PASTORAL DOS JOVENS

Ambientes adequados

216. Em todas as nossas instituições, devemos desenvolver e reforçar muito mais a nossa capacidade de recepção cordial, porque muitos dos jovens que chegam encontram-se numa situação profunda de orfandade.
E não me refiro a certos conflitos familiares, mas a uma experiência que atinge igualmente crianças, jovens e adultos, mães, pais e filhos.
Para muitos órfãos e órfãs, nossos contemporâneos - talvez para nós mesmos -, comunidades como a paróquia e a escola deveriam oferecer percursos de amor gratuito e promoção, de afirmação e crescimento.
Hoje, muitos jovens sentem-se filhos do fracasso, porque os sonhos de seus pais e avós acabaram queimados na fogueira da injustiça, da violência social, do «salve-se quem puder». Quanto desenraizamento!
Se os jovens cresceram num mundo de cinzas, não é fácil para eles sustentar o fogo de grandes ilusões e projectos.
Se cresceram num deserto vazio de sentido, como poderão ter vontade de se sacrificar para semear?
A experiência de descontinuidade, desenraizamento e queda das certezas basilares, favorecida pela cultura mediática actual, provoca esta sensação de profunda orfandade à qual devemos responder, criando espaços fraternos e atraentes onde haja um sentido para viver.

217. Criar «lar» é, em última análise, «criar família; é aprender a sentir-se unido aos outros, sem olhar a vínculos utilitaristas ou funcionais, unidos de modo a sentir a vida um pouco mais humana.
Criar lares, “casas de comunhão”, é permitir que a profecia encarne e torne as nossas horas e dias menos rudes, menos indiferentes e anónimos. É criar laços que se constroem com gestos simples, diários e que todos podemos realizar.
Como todos sabemos muito bem, um lar precisa da colaboração de todos.
Ninguém pode ficar indiferente ou alheado, porque cada qual é uma pedra necessária na sua construção.
Isto implica pedir ao Senhor que nos conceda a graça de aprender a ter paciência, aprender a perdoar-nos; aprender cada dia a recomeçar.
E quantas vezes temos de perdoar e recomeçar?
Setenta vezes sete, todas as vezes que for necessário.
Criar laços fortes requer a confiança, que se alimenta diariamente de paciência e perdão.
Deste modo se concretiza o milagre de experimentar que, aqui, se nasce de novo; aqui todos nascemos de novo, porque sentimos a eficácia da carícia de Deus que nos permite sonhar o mundo mais humano e, consequentemente, mais divino»[1].

218. Neste contexto, é preciso oferecer lugares apropriados aos jovens, nas nossas instituições: lugares que eles possam gerir a seu gosto, com a possibilidade de entrar e sair livremente, lugares que os acolham e onde lhes seja possível encontrar-se, espontânea e confiadamente, com outros jovens tanto nos momentos de sofrimento ou de chatice como quando desejam festejar as suas alegrias.
Algo do género foi realizado por alguns oratórios e outros centros juvenis, que em muitos casos são o ambiente onde os jovens vivem experiências de amizade e namoro, onde se encontram e podem compartilhar música, actividades recreativas, desporto e também a reflexão e a oração com pequenos subsídios e várias propostas.
Assim abre caminho aquele indispensável anúncio de pessoa a pessoa, que não pode ser substituído por nenhum recurso ou estratégia pastoral.

219. «A amizade e o intercâmbio, frequentemente mesmo em grupos mais ou menos estruturados, possibilitam reforçar competências sociais e relacionais num contexto onde não se sentem avaliados nem julgados.
A experiência de grupo constitui também um grande recurso para a partilha da fé e a ajuda mútua no testemunho.
Os jovens são capazes de guiar outros jovens, vivendo um verdadeiro apostolado no meio dos seus próprios amigos»[2].

220. Isso não significa que se isolem e percam todo o contacto com as comunidades paroquiais, os movimentos e outras instituições eclesiais.
Mas os jovens inserir-se-ão melhor em comunidades abertas, vivas na fé, desejosas de irradiar Jesus Cristo, alegres, livres, fraternas e comprometidas.
Tais comunidades podem ser os canais que os levam a sentir que é possível cultivar relações preciosas.

A pastoral das instituições educacionais

221. A escola é, sem dúvida, uma plataforma para nos aproximarmos das crianças e dos jovens.
Trata-se de um lugar privilegiado de promoção da pessoa; e, por isso, a comunidade cristã sempre lhe dedicou grande atenção, quer formando professores e directores, quer instituindo escolas próprias, de todo o género e grau.
Neste campo, o Espírito tem suscitado inúmeros carismas e testemunhos de santidade.
Contudo a escola precisa duma urgente autocrítica; basta olhar os resultados da pastoral de muitas instituições educacionais: uma pastoral concentrada na instrução religiosa que, frequentemente, se mostra incapaz de suscitar experiências de fé duradouras.
Além disso, existem algumas escolas católicas que parecem organizadas apenas para conservar a situação presente.
A fobia da mudança torna-as incapazes de suportar a incerteza, impelindo-as a retrair-se perante os perigos, reais ou imaginários, que toda a mudança acarreta consigo.
A escola transformada num «bunker», que protege dos erros «de fora»: tal é a caricatura desta tendência.
Esta imagem reflecte de maneira chocante aquilo que experimentam inúmeros jovens na hora da sua saída de alguns estabelecimentos de ensino: um desfasamento insanável entre o que lhes ensinaram e o mundo onde lhes cabe viver.
As próprias propostas religiosas e morais recebidas não os prepararam para confrontá-las com um mundo que as ridiculariza, e não aprenderam formas de rezar e viver a fé que se possam facilmente sustentar no meio do ritmo desta sociedade.
Na realidade, uma das maiores alegrias de um educador é ver um aluno constituir-se como uma pessoa forte, integrada, protagonista e capaz de se doar.

222. A escola católica continua a ser essencial como espaço de evangelização dos jovens.
É importante ter presente alguns critérios inspiradores, indicados na Constituição Apostólica Veritatis gaudium em ordem a uma renovação e relançamento das escolas e universidades «em saída» missionária, tais como a experiência do querigma, o diálogo a todos os níveis, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, a promoção da cultura do encontro, a necessidade urgente de «criar rede» e a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e abandona[3]; e também a capacidade de integrar os saberes da cabeça, do coração e das mãos.

223. Além disso, não podemos separar a formação espiritual da formação cultural.
A Igreja sempre quis desenvolver, em prol dos jovens, espaços para a melhor cultura; e não deve desistir de o fazer, porque os jovens têm direito a ela.
E, «sobretudo hoje, direito à cultura significa tutelar a sabedoria, ou seja, um saber humano e humanizador.
Demasiadas vezes vivemos condicionados por modelos de vida banais e efémeros, que estimulam a perseguir o sucesso a baixo preço, desacreditando o sacrifício, inculcando a ideia de que o estudo não serve, se não leva imediatamente a algo de concreto. Mas não! O estudo serve para se questionar, para não se deixar anestesiar pela banalidade, para procurar um sentido na vida.
Deve ser reclamado o direito a não fazer prevalecer as muitas sereias que hoje afastam desta busca.
Ulisses, para não ceder ao canto das sereias, que encantavam os marinheiros e os faziam espatifar-se contra os rochedos, amarrou-se ao mastro da nau e fechou os ouvidos dos companheiros de viagem.
Ao contrário, Orfeu, para contrastar o canto das sereias, fez algo diferente: entoou uma melodia mais bonita, que encantou as sereias.
Eis a vossa tarefa: responder aos estribilhos paralisantes do consumismo cultural com escolhas dinâmicas e fortes, com a investigação, o conhecimento e a partilha»[4].

Franciscus

Revisão da versão portuguesa por AMA


Notas



[1] Francisco, Discurso na visita à Casa-família «O Bom Samaritano»(Panamá, 27 de Janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 05/II/2019), 11-12.
[2] DF36.
[3] Cf. Francisco, Const. ap. Veritatis gaudium (8 de dezembro de 2017), 4: AAS 110 (2018), 7-8.
[4] Francisco, Discurso no encontro com os estudantes e o mundo académico (Bolonha 1 de Outubro de 2017): AAS 109 (2017), 1115.

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