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13/07/2019

Leitura espiritual


"Christus vivit": Exortação Apostólica aos Jovens 

Capítulo III

VÓS SOIS O AGORA DE DEUS


Os migrantes como paradigma do nosso tempo

91. Como não lembrar os inúmeros jovens directamente envolvidos nas migrações?
Os fenómenos migratórios não representam uma emergência transitória, mas são estruturais.
«As migrações podem verificar-se dentro do mesmo país ou entre países diferentes. A preocupação da Igreja visa, em particular, aqueles que fogem da guerra, da violência, da perseguição política ou religiosa, dos desastres naturais - devidos também às alterações climáticas - e da pobreza extrema: muitos deles são jovens. Em geral, andam à procura de oportunidades para si e para a sua família. Sonham com um futuro melhor, e desejam criar as condições para que se realize»

[1].

Os migrantes lembram-nos «a condição primordial da fé, ou seja, a de sermos “estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (Heb 11, 13)»[2].

92. Outros migrantes são «atraídos pela cultura ocidental, nutrindo por vezes expectativas irreais que os expõem a pesadas decepções.
Traficantes sem escrúpulos, frequentemente ligados a cartéis da droga e das armas, exploram a fragilidade dos migrantes, que, ao longo do seu percurso, muitas vezes encontram a violência, o tráfico de seres humanos, o abuso psicológico e mesmo físico, e tribulações indescritíveis.
Há que destacar a particular vulnerabilidade dos migrantes menores não acompanhados, e a situação daqueles que são forçados a passar muitos anos nos campos de refugiados ou que permanecem bloqueados muito tempo nos países de trânsito, sem poderem continuar os seus estudos nem expressar os seus talentos.
Em alguns países de chegada, os fenómenos migratórios suscitam alarme e temores, frequentemente fomentados e explorados para fins políticos.
Assim se difunde uma mentalidade xenófoba, de quem se fecha em si mesmo, a que é necessário reagir com decisão»[3].

93. «Os jovens que migram experimentam a separação do seu contexto de origem e, muitas vezes, também um desenraizamento cultural e religioso.
A fractura tem a ver também com as comunidades de origem, que perdem os elementos mais vigorosos e empreendedores, e as famílias, particularmente quando migra um ou ambos os progenitores, deixando os filhos no país de origem.
A Igreja tem um papel importante como referência para os jovens destas famílias divididas.
Mas as histórias dos migrantes são histórias também de encontro entre pessoas e entre culturas: para as comunidades e as sociedades de chegada são uma oportunidade de enriquecimento e desenvolvimento humano integral de todos.
As iniciativas de hospitalidade, que têm como ponto de referência a Igreja, desempenham um papel importante deste ponto de vista e podem revitalizar as comunidades capazes de praticá-las»[4].

94. «Graças à variada proveniência dos Padres [Sinodais], o Sínodo permitiu o encontro de muitas perspectivas relativamente ao tema dos migrantes, sobretudo entre países de partida e países de chegada.
Além disso, ressoou o grito de alarme das Igrejas cujos membros são forçados a fugir da guerra e da perseguição, vendo, nestas migrações forçadas, uma ameaça para a própria existência delas.
O próprio facto de englobar dentro de si mesma todas estas distintas perspectivas coloca a Igreja em condições de exercer, em relação à sociedade, um papel profético sobre o tema das migrações»[5].

Peço especialmente aos jovens que não caiam nas redes de quem os quer contrapor a outros jovens que chegam aos seus países, fazendo-os ver como sujeitos perigosos e como se não tivessem a mesma dignidade inalienável de todo o ser humano.

Acabar com todas as formas de abuso

95. Nos últimos tempos, temos sido fortemente instados a escutar o grito das vítimas dos vários tipos de abuso cometidos por alguns bispos, sacerdotes, religiosos e leigos.
Estes pecados provocam nas suas vítimas «sofrimentos que podem durar a vida inteira e aos quais nenhum arrependimento é capaz de pôr remédio. Este fenómeno, muito difundido na sociedade, toca também a Igreja e representa um sério obstáculo à sua missão»[6].


96. É verdade que o «flagelo dos abusos sexuais contra menores é um fenómeno historicamente difundido, infelizmente, em todas as culturas e sociedades», especialmente dentro das próprias famílias e em várias instituições, cuja extensão foi ressaltada sobretudo «graças à mudança de sensibilidade da opinião pública».
Mas, «a universalidade de tal flagelo, ao mesmo tempo que confirma a sua gravidade nas nossas sociedades, não diminui a sua monstruosidade dentro da Igreja» e, «na ira justificada das pessoas, a Igreja vê o reflexo da ira de Deus, traído e esbofeteado»[7].

97. «O Sínodo reitera o firme empenho na adopção de rigorosas medidas de prevenção que impeçam a sua repetição, começando pela selecção e formação daqueles a quem serão confiadas tarefas de responsabilidade e educativas»[8].

Ao mesmo tempo, não mais deve ser abandonada a decisão de aplicar as necessárias «medidas e sanções»[9].

Em tudo, contando com a graça de Cristo. Não se pode voltar atrás.

98. «Existem diferentes tipos de abuso: abusos de poder, económicos, de consciência, sexuais.
Torna-se evidente a tarefa de erradicar as formas de exercício da autoridade nas quais se entroncam aqueles, e de contrastar a falta de responsabilidade e transparência com que foram geridos muitos casos.
O desejo de dominação, a falta de diálogo e transparência, as formas de vida dupla, o vazio espiritual, bem como as fragilidades psicológicas constituem o terreno onde prospera a corrupção».[10]

O clericalismo é uma tentação permanente dos sacerdotes, que interpretam «o ministério recebido mais como um poder a ser exercido do que como um serviço gratuito e generoso a oferecer; e isto leva a julgar que se pertence a um grupo que possui todas as respostas e já não precisa escutar e aprender mais nada»[11].

Sem dúvida, o clericalismo expõe as pessoas consagradas ao risco de perderem o respeito pelo valor sagrado e inalienável de cada pessoa e da sua liberdade.


99. Quero, juntamente com os Padres Sinodais, expressar com afecto a minha «gratidão a quantos têm a coragem de denunciar o mal sofrido: ajudam a Igreja a tomar consciência do que aconteceu e da necessidade de reagir com decisão»[12].

Mas também merece um reconhecimento especial «o compromisso sincero de inumeráveis leigas e leigos, sacerdotes, consagrados, consagradas e bispos que diariamente se consomem, honesta e dedicadamente, ao serviço dos jovens.

O seu trabalho é como uma floresta que cresce sem fazer barulho.
Também muitos dos jovens presentes no Sínodo manifestaram gratidão àqueles que os têm acompanhado e reafirmaram a grande necessidade de modelos»[13].


100. Graças a Deus, os sacerdotes que caíram nestes crimes horríveis não constituem a maioria; esta mantém um ministério fiel e generoso. Peço aos jovens que se deixem estimular por esta maioria. Em todo o caso, quando virdes um sacerdote em risco, porque perdeu a alegria do seu ministério, porque busca compensações afectivas ou está tomando um rumo errado, tende a ousadia de lhe lembrar o seu compromisso para com Deus e o seu povo, anunciai-lhe vós mesmos o Evangelho e animai-o a permanecer no caminho certo. Assim, prestareis uma ajuda inestimável num ponto fundamental: a prevenção que permite evitar a repetição destas atrocidades. Esta nuvem negra torna-se também um desafio para os jovens que amam Jesus Cristo e a sua Igreja, porque podem contribuir muito para curar esta ferida, se puserem em campo a sua capacidade de renovar, reclamar, exigir coerência e testemunho, voltar a sonhar e reinventar.

101. Este não é o único pecado dos membros da Igreja, cuja história apresenta muitas sombras. Os nossos pecados estão à vista de todos; reflectem-se, impiedosamente, nas rugas do rosto milenário da nossa Mãe e Mestra. Com efeito, desde há dois mil anos que ela caminha compartilhando «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens»[14].

E caminha como é, sem cirurgias estéticas. Não tem medo de mostrar os pecados dos seus membros, que às vezes alguns deles procuram esconder, perante a luz ardente da Palavra do Evangelho que limpa e purifica. E não cessa de repetir cada dia, envergonhada: «tem compaixão de mim, ó Deus, pela tua bondade; (...) tenho sempre diante de mim os meus pecados» (Sal 51/50, 3.5). Lembremo-nos, porém, que não se abandona a Mãe quando está ferida, mas acompanhamo-la para que tire fora de si mesma toda a sua força e capacidade de começar sempre de novo.

102. No meio deste drama que justamente nos fere a alma, «o Senhor Jesus, que nunca abandona a sua Igreja, dá-lhe a força e os instrumentos para um caminho novo».[15]

Assim, este momento sombrio, com «a ajuda preciosa dos jovens, pode verdadeiramente ser uma oportunidade para uma reforma de alcance histórico»[16], para se abrir a um novo Pentecostes e começar um período de purificação e mudança que dê à Igreja uma renovada juventude. Entretanto os jovens poderão ajudar muito mais, se de coração se sentirem parte do «santo e paciente Povo fiel de Deus, sustentado e vivificado pelo Espírito Santo», porque «será precisamente este santo Povo de Deus que nos libertará do flagelo do clericalismo, que é o terreno fértil para todas estas abominações»[17].

Franciscus

Revisão da versão portuguesa por AMA






[1] DF 25.
[2] Ibid., 25.
[3] Ibid., 26.
[4] Ibid., 27.
[5] Ibid., 28.
[6] Ibid., 29;
[7] Francisco, Discurso no termo do Encontro sobre «A protecção na Igreja dos menores e adultos vulneráveis» (24 de Fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 26/II/2019), 12
[8] DF 29.
[9] Francisco, Carta ao Povo de Deus (20 de Agosto de 2018), 2: L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 23/VIII/2018), 8.
[10] DF 30.
[11] Francisco, Discurso na I Congregação Geral da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (3 de Outubro de 2018): L’Osservatore Romano(ed. portuguesa de 4/X/2018), 11.
[12] DF 31.
[13] Ibid., 31.
[14] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 1.
[15] DF 31
[16] Ibid., 31.
[17] Francisco, Discurso no termo do Encontro sobre «A protecção na Igreja dos menores e adultos vulneráveis»(24 de Fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano(ed. portuguesa de 26/II/2019), 13-14.

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