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08/06/2019

Leitura espiritual


CARTA ENCÍCLICA

HAURIETIS AQUAS

DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA

SOBRE O CULTO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS


II

LEGITIMIDADE DO CULTO AO SANTÍSSIMO CORAÇÃO DE
JESUS
SEGUNDO A DOUTRINA DO NOVO TESTAMENTO E DA
TRADIÇÃO


4) O simbolismo natural do coração de Jesus Cristo afirmado veladamente na Sagrada Escritura e nos santos Padres



26. Bem verdade é que nem os autores sagrados, nem os Padres da Igreja que citamos, e outros semelhantes, embora provem abundantemente que Jesus Cristo esteve sujeito aos sentimentos e afectos humanos, e que, por isso precisamente, tomou a natureza humana a fim de nos proporcionar a salvação eterna, contudo não atribuem concretamente ditos afectos ao Seu coração fisicamente considerado, apontando nele o símbolo do Seu amor infinito.

Embora os evangelistas e os outros autores sacros não nos descrevam abertamente o coração do nosso Redentor não menos vivo e sensível do que o nosso, e as palpitações e estremecimentos devidos às diversas emoções e afectos da Sua alma e à ardentíssima caridade da Sua dupla vontade, todavia frequentemente põem em relevo o Seu divino amor e as emoções sensíveis relacionadas com ele:

O desejo, a alegria, a tristeza, o temor e a ira, consoante as expressões do Seu olhar, das Suas palavras e dos Seus gestos.

E, principalmente, o rosto adorável de nosso Salvador foi, sem dúvida, o índice e como que o espelho fidelíssimo dos afectos que, comovendo-lhe de vários modos a alma, à semelhança das ondas que se entrechocam, chegavam ao Seu coração santíssimo e Lhe excitavam as pulsações.

Na verdade, a propósito de Jesus Cristo vale também o que o Doutor angélico, ensinado pela experiência, observa em matéria de psicologia humana e dos fenómenos derivados dela:

"A turbação que a ira produz repercute nos membros externos, e principalmente naqueles em que mais se reflecte a influência do coração, como são os olhos, o semblante, a língua".[1]


27. Com muita razão, pois, o coração do Verbo encarnado é considerado índice e símbolo do tríplice amor com que o divino Redentor ama continuamente o Eterno Pai e todos os homens.

Ele é, antes de tudo, símbolo do divino amor, que nele é comum com o Pai e com o Espírito Santo, e que só nele, como Verbo encarnado, se manifesta por meio do caduco e frágil instrumento humano, "pois nele habita corporalmente a plenitude da divindade"[2].

Ademais, o coração de Cristo é símbolo de enérgica caridade, que, infundida em Sua alma, constitui o precioso dote da sua vontade humana, e cujos actos são dirigidos e iluminados por uma dupla e perfeita ciência, a beatífica e a infusa.[3]

Finalmente, e isto de modo mais natural e directo, o coração de Jesus é símbolo do Seu amor sensível, já que o corpo de Jesus Cristo, plasmado no seio imaculado da Virgem Maria por obra do Espírito Santo, supera em perfeição, e portanto em capacidade perceptiva, qualquer outro organismo humano.[4]


28. Instruídos pelos sagrados textos e pelos símbolos da fé acerca da perfeita consonância e harmonia reinante na alma santíssima de Jesus Cristo, e a respeito do facto de ele haver dirigido com finalidade redentora todas as manifestações do seu tríplice amor, com toda segurança podemos contemplar e venerar no coração do Redentor divino a imagem eloquente da Sua caridade e o testemunho da nossa redenção, e como que uma mística escada para subir ao amplexo "de Deus nosso Salvador"[5].

Por isso, nas palavras, nos actos, nos ensinamentos, nos milagres, e especialmente nas obras mais esplendorosas do Seu amor para connosco, como a instituição da divina eucaristia, a Sua dolorosa paixão e morte, a benigna doação de Sua santíssima Mãe, a fundação da Igreja para proveito nosso, e, finalmente, a missão do Espírito Santo sobre os apóstolos e sobre nós, em todas essas obras, repetimos, devemos admirar outros tantos testemunhos do Seu tríplice amor, e meditar as pulsações do Seu coração, com as quais Ele quis medir os instantes da Sua peregrinação terrena até o momento supremo em que, como atestam os evangelistas, "clamando com grande voz, disse: Tudo está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito"[6].

Então o Seu coração parou e deixou de bater, e o Seu amor sensível permaneceu como que suspenso, até que, triunfando da morte, Ele se levantou do sepulcro.

Depois que o Seu corpo conseguiu o estado da glória sempiterna e se uniu novamente à alma do divino Redentor, vitorioso da morte, o Seu Coração Sacratíssimo nunca deixou nem deixará de palpitar com imperturbável e plácida pulsação, nem tampouco cessará de demonstrar o tríplice amor com que o Filho de Deus Se une a Seu Pai eterno e à humanidade inteira, de quem é, com pleno direito, a cabeça mística.


PIO PP. XII.


(Revisão da versão portuguesa por AMA)

Notas:



[1] Summa theol., I-II, q. 48, a. 4; ed. Leon. t. VI,1891, p. 306.
[2] Cl 2,9
[3] Cf. Summa theol., III, q. 9, aa. l-3; ed. Leon. t. XI,1903, p.142.
[4] Cf. ibid., III, q. 33, a.2 até 3; q. 46, a. 6; ed. Leon. t. XI,1903, pp. 342, 433.
[5] Tt 3, 4
[6] Mt 27, 50; Jo 19, 30

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