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09/04/2019

Leitura espiritual


EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA

CAPÍTULO VII

REFORÇAR A EDUCAÇÃO DOS FILHOS.

Sim à educação sexual.

O Concílio Vaticano II apresentava a necessidade de «uma educação sexual positiva e prudente» oferecida às crianças e adolescentes «à medida que vão crescendo» e «tendo em conta os progressos da psicologia, pedagogia e didáctica».

Deveríamos perguntar-nos se as nossas instituições educativas assumiram este desafio. É difícil pensar na educação sexual num tempo em que se tende a banalizar e empobrecer a sexualidade. Só se poderia entender no contexto duma educação para o amor, para a doação mútua; assim, a linguagem da sexualidade não acabaria tristemente empobrecida, mas esclarecida. É possí- vel cultivar o impulso sexual num percurso de conhecimento de si mesmo e no desenvolvimento duma capacidade de autodomínio, que podem ajudar a trazer à luz capacidades preciosas de alegria e encontro amoroso.[i]

A educação sexual oferece informação, mas sem esquecer que as crianças e os jovens ainda não alcançaram plena maturidade. A informação deve chegar no momento apropriado e de forma adequada à fase que vivem. Não é útil saturá-los de dados, sem o desenvolvimento do sentido crítico perante uma invasão de propostas, perante a pornografia descontrolada e a sobrecarga de estímulos que podem mutilar a sexualidade. Os jovens devem poder dar-se conta de que são bombardeados por mensagens que não procuram o seu bem e o seu amadurecimento. Faz falta ajudá-los a identificar e procurar as influências positivas, ao mesmo tempo que se afastam de tudo o que desfigura a sua capacidade de amar. De igual modo, devemos aceitar que « a necessidade duma linguagem nova e mais adequada se apresenta especialmente no momento de introduzir as crianças e os adolescentes no tema da sexualidade».[ii]

Tem um valor imenso uma educação sexual que cuide um são pudor, embora hoje alguns considerem que é questão doutros tempos. É uma defesa natural da pessoa que resguarda a sua interioridade e evita ser transformada em mero objecto. Sem o pudor, podemos reduzir o afecto e a sexualidade a obsessões que nos concentram apenas nos órgãos genitais, em morbosidades que deformam a nossa capacidade de amar e em várias formas de violência sexual que nos levam a ser tratados de forma desumana ou a prejudicar os outros.

Frequentemente a educação sexual concentra-se no convite a «proteger-se», procurando um «sexo seguro». Estas expressões transmitem uma atitude negativa a respeito da finalidade procriadora natural da sexualidade, como se um possível filho fosse um inimigo de que é preciso proteger-se. Deste modo promove-se a agressividade narcisista, em vez do acolhimento. É irresponsável qualquer convite aos adolescentes para que brinquem com os seus corpos e desejos, como se tivessem a maturidade, os valores, o compromisso mútuo e os objectivos próprios do matrimónio. Assim, são levianamente encorajados a utilizar a outra pessoa como objecto de experiências para compensar carências e grandes limites. É importante, pelo contrário, ensinar um percurso pelas diversas expressões do amor, o cuidado mútuo, a ternura respeitosa, a comunicação rica de sentido.
Com efeito, tudo isto prepara para uma doação íntegra e generosa de si mesmo que se expressará, depois dum compromisso público, na entrega dos corpos. Assim a união sexual no matrimónio aparecerá como sinal dum compromisso totalizante, enriquecido por todo o caminho anterior.

É preciso não enganar os jovens, levando-os a confundir os planos: a atracção «cria, por um momento, a ilusão da “união”, mas, sem amor, tal união deixa os desconhecidos tão separados como antes».

A linguagem do corpo requer uma aprendizagem paciente que permita interpretar e educar os próprios desejos em ordem a uma entrega de verdade. Quando se pretende entregar tudo duma vez, é possível que não se entregue nada. Uma coisa é compreender as fragilidades da idade ou as suas confusões, outra é encorajar os adolescentes a prolongarem a imaturidade da sua forma de amar.
Mas, quem fala hoje destas coisas?
Quem é capaz de tomar os jovens a sério?
Quem os ajuda a preparar-se seriamente para um amor grande e generoso? Não se toma a sério a educação sexual.

A educação sexual deveria incluir também o respeito e a valorização da diferença, que mostra a cada um a possibilidade de superar o confinamento nos próprios limites para se abrir à aceitação do outro. Para além de compreensíveis dificuldades que cada um possa viver, é preciso ajudar a aceitar o seu corpo como foi criado, porque «uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio sobre a criação. (...) Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente. Assim, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus criador, e enriquecer-se mutuamente».[iii]

Só perdendo o medo à diferença é que uma pessoa pode chegar a libertar-se da imanência do próprio ser e do êxtase por si mesmo. A educação sexual deve ajudar a aceitar o próprio corpo, de modo que a pessoa não pretenda «cancelar a diferença sexual, porque já não sabe confrontar-se com ela».

Também não se pode ignorar que, na configuração do próprio modo de ser – feminino ou masculino –, não confluem apenas factores biológicos ou genéticos, mas uma multiplicidade de elementos que têm a ver com o temperamento, a história familiar, a cultura, as experiências vividas, a formação recebida, as influências de amigos, familiares e pessoas admiradas, e outras circunstâncias concretas que exigem um esforço de adaptação.[iv]

É verdade que não podemos separar o que é masculino e feminino da obra criada por Deus, que é anterior a todas as nossas decisões e experiências e na qual existem elementos biológicos que é impossível ignorar. Mas também é verdade que o masculino e o feminino não são qualquer coisa de rígido. Por isso é possível, por exemplo, que o modo de ser masculino do marido possa adaptar-se de maneira flexível à condição laboral da esposa; o facto de assumir tarefas domésticas ou alguns aspectos da criação dos filhos não o torna menos masculino nem significa um falimento, uma capitulação ou uma vergonha. É preciso ajudar as crianças a aceitar como normais estes «intercâmbios» sadios que não tiram dignidade alguma à figura paterna. A rigidez torna-se um exagero do masculino ou do feminino, e não educa as crianças e os jovens para a reciprocidade encarnada nas condições reais do matrimónio. Tal rigidez, por seu lado, pode impedir o desenvolvimento das capacidades de cada um, tendo-se chegado ao ponto de considerar pouco masculino dedicar-se à arte ou à dança e pouco feminino desempenhar alguma tarefa de chefia. Graças a Deus, isto mudou; mas, nalguns lugares, certas ideias inadequadas continuam a condicionar a legítima liberdade e a mutilar o autêntico desenvolvimento da identidade concreta dos filhos e das suas potencialidades.

(cont)

(revisão da versão portuguesa por AMA)


[i] Francisco, Catequese (20 de Maio de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 21/V/2015), 20. 298 Idem, Catequese (9 de Setembro de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 10/IX/2015), 16. 299 Relatio Finalis 2015, 68. 300 Ibid., 58. 301 Decl. sobre a educação cristã Gravissimum educationis, 1.
[ii] Relatio Finalis 2015, 56.
[iii] Erich Fromm, The Art of Loving (Nova York 1956), 54
[iv] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de Maio de 2015), 155. 305 Idem, Catequese (15 de Abril de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 16/IV/2015), 20.

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