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31/03/2019

Leitura espiritual

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL

AMORIS LÆTITIA

DO SANTO PADRE FRANCISCO

AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS

ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA 

CAPÍTULO VI

ALGUMAS PERSPECTIVAS PASTORAIS.

Acompanhamento nos primeiros anos da vida matrimonial.

Cada matrimónio é uma «história de salvação», o que supõe partir duma fragilidade que, graças ao dom de Deus e a uma resposta criativa e generosa, pouco a pouco vai dando lugar a uma realidade cada vez mais sólida e preciosa.
Talvez a maior missão de um homem e de uma mulher no amor seja esta: a de se tornarem, um ao outro, mais homem e mais mulher. Fazer crescer é ajudar o outro a moldar-se na sua própria identidade. Por isso o amor é artesanal.
Quando se lê a passagem da Bíblia sobre a criação do homem e da mulher, primeiro vê-se Deus que plasma o homem[i], depois dá-Se conta de que falta alguma coisa essencial e plasma a mulher, e então vê a surpresa do homem: «Ah! Agora sim! Esta sim!» E, em seguida, quase nos parece ouvir aquele estupendo diálogo no qual o homem e a mulher fazem a mútua descoberta. Com efeito, mesmo nos momentos difíceis, o outro volta a surpreender e abrem-se novas portas para se reencontrar, como se fosse a primeira vez; e, em cada nova etapa, tornam a «plasmar-se» um ao outro. O amor faz com que um espere pelo outro, exercitando aquela paciência própria de artesão, que herdou de Deus.
O acompanhamento deve encorajar os esposos a serem generosos na comunicação da vida.
«De acordo com o carácter pessoal e humanamente completo do amor conjugal, o justo caminho para o planeamento familiar pressupõe um diálogo consensual entre os esposos, o respeito dos tempos e a consideração da dignidade de ambos os membros do casal. Neste sentido, é preciso redescobrir a Encíclica Humanae vitae[ii] e a Exortação apostólica Familiaris consortio[iii]  para se reavivar a disponibilidade a procriar, contrastando uma mentalidade frequentemente hostil à vida. (...)

A opção da paternidade responsável pressupõe a formação da consciência que é “o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser”[iv].
Quanto mais procurarem os esposos ouvir, na sua consciência, a Deus e os seus mandamentos[v] e se fizerem acompanhar espiritualmente, tanto mais a sua decisão será intimamente livre de um arbítrio subjectivo e da acomodação às modas de comportamento no seu ambiente.

Continua a ser válido o que ficou dito, com clareza, no Concílio Vaticano II: os cônjuges, «de comum acordo e com esforço comum, formarão rectamente a própria consciência, tendo em conta o seu bem próprio e o dos filhos já nascidos ou que prevêem virão a nascer, sabendo ver as condições de tempo e da própria situação e tendo, finalmente, em consideração o bem da comunidade familiar, da sociedade temporal e da própria Igreja. São os próprios esposos que, em última instância, devem diante de Deus tomar esta decisão».

Por outro lado, «deve promover-se o uso dos métodos baseados nos “ritmos naturais da fecundidade”[vi].
Ponha-se em evidência também que “estes métodos respeitam o corpo dos esposos, estimulam a ternura entre eles e favorecem[vii] a educação duma liberdade autêntica”[viii], insistindo sempre que os filhos são um dom maravilhoso de Deus, uma alegria para os pais e para a Igreja. Através deles, o Senhor renova o mundo».

Alguns recursos.

Os Padres sinodais afirmaram que «os primeiros anos de matrimónio são um período vital e delicado, durante o qual os cônjuges crescem na consciência dos desafios e do significado do matrimónio. Daí a necessidade dum acompanhamento pastoral que continue depois da celebração do sacramento[ix]. Nesta pastoral, tem grande importância a presença de casais de esposos com experiência. A paróquia é considerada como o lugar onde casais especializados podem colocar à disposição dos casais mais jovens a sua ajuda, com o eventual apoio de associações, movimentos eclesiais e novas comunidades. Deve-se encorajar os esposos para uma atitude fundamental de acolhimento do grande dom dos filhos. É preciso sublinhar a importância da espiritualidade familiar, da oração e da participação na Eucaristia dominical, e animar os cônjuges a reunirem-se regularmente para promoverem o crescimento da vida espiritual e a solidariedade nas exigências concretas da vida.
Liturgias, práticas devocionais e Eucaristias celebradas para as famílias, sobretudo no aniversário de matrimónio, foram citadas como vitais para favorecer a evangelização através da família»[x].
Este caminho é uma questão de tempo. O amor precisa de tempo disponível e gratuito, colocando outras coisas em segundo lugar. Faz falta tempo para dialogar, abraçar-se sem pressa, partilhar projectos, escutar-se, olhar-se nos olhos, apreciar-se, fortalecer a relação. Umas vezes, o problema é o ritmo frenético da sociedade, ou os horários impostos pelos compromissos laborais. Outras vezes, o problema é que o tempo transcorrido em conjunto não tem qualidade; limitam-se a partilhar um espaço físico, mas sem prestar atenção um ao outro. Os agentes pastorais e os grupos de famílias deveriam ajudar os casais jovens ou frágeis a aprenderem a encontrar-se nestes momentos, a parar um diante do outro, e inclusive a partilhar momentos de silêncio que os obriguem a sentir a presença do cônjuge.

Os esposos que têm uma boa experiência de «treino» nesta linha, podem oferecer os instrumentos práticos que lhes foram úteis: a programação dos momentos para estar juntos sem nada exigir, os tempos de recreação com os filhos, as várias maneiras de celebrar coisas importantes, os espaços de espiritualidade partilhada. Mas podem também ensinar recursos que ajudam a encher de conteúdo e sentido tais momentos, para se aprender a comunicar melhor.[xi] Isto é da máxima importância quando se apagou a novidade do noivado. Com efeito, quando não se sabe que fazer com o tempo partilhado, um ou outro dos cônjuges acabará por se refugiar na tecnologia, inventará outros compromissos, buscará outros braços, ou escapará duma intimidade incómoda.

Aos casais jovens, deve animar-se também a criar os seus próprios hábitos, que proporcionem uma salutar sensação de estabilidade e protecção e que se constroem com uma série de rituais diários compartilhados. É bom dar-se sempre um beijo pela manhã, benzer-se todas as noites, esperar pelo outro e recebê-lo à chegada, ter alguma saída juntos, compartilhar as tarefas domésticas. Ao mesmo tempo, porém, é bom vencer a rotina com a festa, não perder a capacidade de celebrar em família, alegrar-se e festejar as experiências belas. Precisam de compartilhar a surpresa pelos dons de Deus e alimentar, juntos, o entusiasmo pela vida. Quando se sabe celebrar, esta capacidade renova a energia do amor, liberta-o da monotonia e enche de cor e esperança os hábitos diários.
Nós, pastores, devemos animar as famílias a crescerem na fé. Para isso, é bom incentivar a confissão frequente, a direcção espiritual, a participação em retiros. Mas há que convidar também a criar espaços semanais de oração familiar, porque «a família que reza unida permanece unida».
Entretanto, quando visitamos os lares, devemos convidar todos os membros da família para um momento de oração, a fim de rezar uns pelos outros e entregar a família nas mãos do Senhor. Ao mesmo tempo, convém incentivar cada um dos cônjuges a reservar momentos de oração a sós diante de Deus, porque cada qual tem as suas cruzes secretas. Por que não contar a Deus o que turba o coração ou pedir-Lhe a força para curar as próprias feridas e pedir as luzes necessárias para poder cumprir o próprio compromisso? Os Padres sinodais salientaram também que «a Palavra de Deus é fonte de vida e espiritualidade para a família. Toda a pastoral familiar deverá deixar-se moldar interiormente e formar os membros da igreja doméstica, através da leitura orante e eclesial da Sagrada Escritura. A Palavra de Deus é não só uma boa nova para a vida privada das pessoas, mas também um critério de juízo e uma luz para o discernimento dos vários desafios que têm de enfrentar os cônjuges e as famílias».

(cont)

(revisão da versão portuguesa por AMA)





[i] (cf. Gn 2, 7)
[ii] (cf. nn. 10-14)
[iii] (cf. nn. 14; 28-35)
[iv] (Gaudium et spes, 16)
[v] (cf. Rm 2, 15)
[vi] (Humanae vitae, 11)
[vii] Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 50.
[viii] (Catecismo da Igreja Católica, 2370)
[ix] (cf. Familiaris consortio, parte III)
[x] Relatio Finalis 2015, 63.
[xi] Relatio Synodi 2014, 40.

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