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12/03/2019

Leitura espiritual



EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL

AMORIS LÆTITIA

DO SANTO PADRE FRANCISCO

AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS

ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA  

CAPÍTULO III

O OLHAR FIXO EM JESUS: A VOCAÇÃO DA FAMÍLIA


A transmissão da vida e a educação dos filhos.

O matrimónio é, em primeiro lugar, uma «íntima comunidade da vida e do amor conju­gal», que constitui um bem para os próprios esposos; e a sexualidade «ordena-se para o amor conjugal do homem e da mulher». Por isso, também «os esposos a quem Deus não concedeu a graça de ter filhos podem ter uma vida conjugal cheia de sentido, humana e cristãmente falando». Contudo, esta união está ordenada para a geração «por sua própria natureza».[i]
O bebé que chega «não vem de fora juntar-se ao amor mútuo dos esposos; surge no próprio coração deste dom mútuo, do qual é fruto e complemento». Não aparece como o final dum processo, mas está presente desde o início do amor como uma característica essencial que não pode ser negada sem mutilar o próprio amor. Desde o início, o amor rejeita qualquer impulso para se fechar em si mesmo, e abre-se a uma fecundidade que o prolonga para além da sua própria existência. Assim nenhum acto sexual dos esposos pode negar este significado, embora, por várias razões, nem sempre possa efectivamente gerar uma nova vida.
O filho pede para nascer, não de qualquer maneira, mas deste amor, porque ele «não é uma dívida, mas uma dádiva», que é «o fruto do acto específico do amor conjugal de seus pais».
Com efeito, «segundo a ordem da criação, o amor conjugal entre um homem e uma mulher e a transmissão da vida estão ordenados reciprocamente[ii].
Deste modo, o Criador tornou participantes da obra da sua criação o homem e a mulher e, ao mesmo tempo, fê-los instrumentos do seu amor, confiando à sua responsabilidade o futuro da humanidade através da transmissão da vida humana»[iii].
Os Padres sinodais referiram que «não é difícil constatar como se está espalhando uma mentalidade que reduz a ge­ração da vida a uma variável dos projectos individuais ou dos cônjuges».
A doutrina da Igreja «ajuda a viver de maneira harmoniosa e consciente a comunhão entre os cônjuges, em todas as suas dimensões, juntamente com a responsabilidade geradora. É preciso redescobrir a mensagem da Encíclica Humanae vitae de Paulo VI, que sublinha a necessidade de respeitar a dignidade da pessoa na avaliação moral dos métodos de regulação da natalidade. (...) A escolha da adopção e do acolhimento exprime uma fecundidade particular da experiência conjugal».
Com particular gratidão, a Igreja «apoia as famílias que acolhem, educam e rodeiam de carinho os filhos deficientes».
Neste contexto, não posso deixar de afirmar que, se a família é o santuário da vida, o lugar onde a vida é gerada e cuidada, constitui uma contradição lancinante fazer dela o lugar onde a vida é negada e destruída. É tão grande o valor[iv] duma vida humana e inalienável o direito à vida do bebé inocente que cresce no ventre de sua mãe, que de modo nenhum se pode afirmar como um direito sobre o próprio corpo a possibilidade de tomar decisões sobre esta vida que é fim em si mesma e nunca poderá ser objecto de domínio doutro ser humano. A família protege a vida em todas as fases da mesma, incluindo o seu ocaso. Por isso, «quem trabalha nas estruturas sanitárias, lembra-se a obrigação moral da objecção de consciência. Da mesma forma, a Igreja não só sente a urgência de afirmar o direito à morte natural, evitando o excesso terapêutico e a eutanásia», mas também «rejeita firmemente a pena de morte».
Os Padres quiseram sublinhar também que «um dos desafios fundamentais que as famílias enfrentam hoje é seguramente o desafio educativo, que se tornou ainda mais difícil e complexo por causa da realidade cultural actual e da grande influência dos meios de comunicação».
«A Igreja desempenha um papel precioso de apoio às famílias, a começar pela iniciação cristã, através de comunidades acolhedoras». Mas parece-me muito importante lembrar que a educação integral dos filhos é, simultaneamente, «dever gravíssimo» e «direito primário» dos pais.[v] Não é apenas um encargo ou um peso, mas também um direito essencial e insubstituível que estão chamados a defender e que ninguém deveria pretender tirar-lhes. O Estado oferece um serviço educativo de maneira subsidiária, acompanhando a função não-dele­gável dos pais, que têm direito de poder escolher livremente o tipo de educação – acessível e de qualidade – que querem dar aos seus filhos, de acordo com as suas convicções. A escola não substitui os pais; serve-lhes de complemento. Este é um princípio básico: « qualquer outro participante no processo educativo não pode operar senão em nome dos pais, com o seu consenso e, em certa media, até mesmo por seu encargo».
Infelizmente, «abriu-se uma fenda entre família e sociedade, entre família e escola; hoje, o pacto educativo quebrou-se; e, assim, a aliança educativa da sociedade com a família entrou em crise».
A Igreja é chamada a colaborar, com uma acção pastoral adequada, para que os próprios pais possam cumprir a sua missão educativa; e sempre o deve fazer, ajudando-os a valorizar a sua função específica e a reconhecer que quantos recebem o sacramento do matrimónio são transformados em verdadeiros ministros educativos, pois, quando formam os seus filhos, edificam-na e, fazendo-o, aceitam uma vocação que Deus lhes propõe.[vi]

A família e a Igreja.

«Com íntima alegria e profunda consolação, a Igreja olha para as famílias que permanecem fiéis aos ensinamentos do Evangelho, agradecendo-lhes pelo testemunho que dão e encorajando-as. Com efeito, graças a elas, torna-se credível a beleza do matrimónio indissolúvel e fiel para sempre. Na família, “como numa igreja doméstica”[vii], amadurece a primeira experiência eclesial da comunhão entre as pessoas, na qual, por graça, se reflecte o mistério da Santíssima Trindade. “É aqui que se aprende a tenacidade e a alegria no trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e sempre renovado, e sobretudo o culto divino, pela oração e pelo oferecimento da própria vida”».[viii]
A Igreja é família de famílias, constantemente enriquecida pela vida de todas as igrejas domésticas. Assim, «em virtude do sacramento do matrimónio, cada família torna-se, para todos os efeitos, um bem para a Igreja. Nesta perspectiva, será certamente um dom precioso, para o momento actual da Igreja[ix], considerar também a reciprocidade entre família e Igreja: a Igreja é um bem para a família, a família é um bem para a Igreja. A salvaguarda deste dom sacramental do Senhor compete não só à fa­mília individual, mas a toda a comunidade cristã».
O amor vivido nas famílias é uma força permanente para a vida da Igreja. «O fim unitivo do matrimónio é um apelo constante a crescer e aprofundar este amor. Na sua união de amor, os esposos experimentam a beleza da paternidade e da maternidade; partilham projectos e fadigas, anseios e preocupações; aprendem a cuidar um do outro e a perdoar-se mutuamente.
Neste amor, celebram os seus momentos felizes e apoiam-se nos episódios difíceis da história da sua vida. (...)
A beleza do dom recíproco e gratuito, a alegria pela vida que nasce e a amorosa solicitude de todos os seus membros, desde os pequeninos aos idosos, são apenas alguns dos frutos que tornam única e insubstituível a resposta à vocação da família», tanto para a Igreja como para a sociedade inteira.[x]

(cont)

(revisão da versão portuguesa por AMA)



[i] 79 Ibid., 51. 80. 82 Catecismo da Igreja Católica, 2360. 83 Ibid., 1654.
[ii] (cf. Gn 1, 27-28)
[iii] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 48. 85 Catecismo da Igreja Católica, 2366. 86 Cf. Paulo VI, Carta enc. Humanae vitae (25 de Julho de 1968), 11-12: AAS 60 (1968), 488-489. 87 Catecismo da Igreja Católica, 2378. 88 Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. sobre o respeito da vida humana nascente e a dignidade da procriação Donum vitae (22 de Fevereiro de 1987), II, 8: AAS 80 (1988), 97
[iv] Relatio Finalis 2015, 63. 90 Relatio Synodi 2014, 57. 91 Ibid., 58. 92 Ibid., 57.
[v] Relatio Finalis 2015, 64. 94 Relatio Synodi 2014, 60. 95 Ibid., 61. 96 Código de Direito Canónico, c. 1136; cf. Código dos Cânones das Igrejas Orientais, 627.
[vi] Pont. Conselho para a Família, Sexualidade humana: verdade e significado (8 de Dezembro de 1995), 23. 98 Francisco, Catequese (20 de Maio de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 21/V/2015), 20. 71 Igreja
[vii] (Lumen gentium, 11)
[viii] (Catecismo da Igreja Católica, 1657)
[ix] Cf. João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio (22 de Novembro de 1981), 38: AAS 74 (1982), 129. 100 Cf. Francisco, Discurso à Assembleia diocesana de Roma (14 de Junho de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 18/VI/2015), 6. 101 Relatio Synodi 2014, 23.
[x] Relatio Finalis 2015, 52. 103 Ibid.,

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