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10/03/2019

Leitura espiritual



EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL

AMORIS LÆTITIA

DO SANTO PADRE FRANCISCO

AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS

ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA 

CAPÍTULO III

O OLHAR FIXO EM JESUS: A VOCAÇÃO DA FAMÍLIA

Os Padres sinodais lembraram que Jesus, «ao referir-Se ao desígnio primordial sobre o casal humano, reafirma a união indissolúvel entre o homem e a mulher, mesmo admitindo que, “por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas, ao princípio, não foi assi»[i]. A indissolubilidade do matrimónio[ii] não se deve entender primariamente como “jugo” imposto aos homens, mas como um “dom” concedido às pessoas unidas em matrimónio. (...) A condescendência divina acompanha sempre o caminho humano, com a sua graça, cura e transforma o coração endurecido, orientando-o para o seu princípio, através do caminho da cruz. Nos Evangelhos, sobressai claramente a postura de Jesus, que (...) anunciou a mensagem relativa ao significado do matrimónio como plenitude da revelação que recupera o projecto originário de Deus»[iii]. «Jesus, que reconciliou em Si todas as coisas, voltou a levar o matrimónio e a família à sua forma original[iv]. A família e o[v] matrimónio foram redimidos por Cristo[vi], restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério donde brota todo o amor verdadeiro. A aliança esponsal, inaugurada na criação e revelada na história da salvação, recebe a revelação plena do seu significado em Cristo e na sua Igreja. O matrimónio e a família recebem de Cristo, através da Igreja, a graça necessária para testemunhar o amor de Deus e viver a vida de comunhão. O Evangelho da família atravessa a história do mundo desde a criação do homem à imagem e semelhança de Deus[vii] até à realização do mistério da Aliança em Cristo no fim dos séculos com as núpcias do Cordeiro».[viii] «A postura de Jesus é paradigmática para a Igreja (...). Ele inaugurou a sua vida pública com o sinal de Caná, realizado num banquete de núpcias.[ix] (…) Com­partilhou momentos diários de amizade com a família de Lázaro e suas irmãs[x] e com a família de Pedro.[xi] Escutou o pranto dos pais pelos seus filhos, restituindo-os à vida[xii] e mostrando assim o verdadeiro significado da misericórdia, a qual implica a restauração da Aliança[xiii]. Vê-se isto claramente nos encontros com a mulher samaritana[xiv] e com a adúltera[xv], nos quais a noção do pecado é avivada perante o amor gratuito de Jesus».

A encarnação do Verbo numa família humana, em Nazaré, comove com a sua novidade a história do mundo. Precisamos de mergulhar no mistério do nascimento de Jesus, no sim de Maria ao anúncio do anjo, quando foi concebida a Palavra no seu seio; e ainda no sim de José, que deu o nome a Jesus e cuidou de Maria; na festa dos pastores no presépio; na adoração dos Magos; na fuga para o Egipto, em que Jesus participou no sofrimento do seu povo exilado, perseguido e humilhado; na devota espera de Zacarias e na alegria que acompanhou o nascimento de João Baptista; na promessa que Simeão e Ana viram cumprida no templo; na admiração dos doutores da lei ao escutarem a sabedoria de Jesus adolescente. E, em seguida, penetrar nos trinta longos anos em que Jesus ganhava o pão trabalhando com suas mãos, sussurrando a oração e a tradição crente do seu povo e formando-Se na fé dos seus pais, até fazê-la frutificar no mistério do Reino.

Este é o mistério do Natal e o segredo de Nazaré, cheio de perfume a família! É o mistério que tanto fascinou Francisco de Assis, Teresa do Menino Jesus e Charles de Foucauld, e do qual bebem também as famílias cristãs para renovar a sua esperança e alegria.
«A aliança de amor e fidelidade, vivida pela Sagrada Família de Nazaré, ilumina o princípio que dá forma a cada família e a torna capaz de enfrentar melhor as vicissitudes da vida e da história. Sobre este fundamento, cada família, mesmo na sua fragilidade, pode tornar-se uma luz na escuridão do mundo. “Aqui se aprende (…) uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família, a sua comunhão de amor, a sua austera e simples beleza, o seu carácter sagrado e inviolável; aprendamos de Nazaré como é preciosa e insubstituível a educação familiar e como é fundamental e incomparável a sua função no plano social”[xvi]».

A família nos docu­mentos da Igreja.

O Concílio Ecuménico Vaticano II ocupou-se, na Constituição pastoral Gaudium et spes, da promoção da dignidade do matrimónio e da família[xvii]. «Definiu o matrimónio como comunidade de vida e amor[xviii], colocando o amor no centro da família (...). O “verdadeiro amor entre marido e mulher”[xix] implica a mútua doação de si mesmo, inclui e integra a dimensão sexual e a afectividade, correspondendo ao desígnio divino[xx]. Além disso sublinha o enraizamento dos esposos em Cristo: Cristo Senhor “vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio”[xxi], permanece com eles.
Na encarnação, Ele assume o amor humano, purifica-o, leva-o à plenitude e dá aos esposos, com o seu Espírito, a capacidade de o viver, impregnando toda a sua vida com a fé, a esperança e a caridade. Assim, os cônjuges são de certo modo consagrados e, por meio duma graça própria, edificam o Corpo de Cristo e constituem uma igreja doméstica[xxii], de tal modo que a Igreja, para compreender plenamente o seu mistério, olha para a família cristã, que o manifesta de forma genuína».
Em seguida, «na esteira do Concílio Vaticano II, o Beato Paulo VI aprofundou a doutrina sobre o matrimónio e a família. Em particular, com a Encíclica Humanae vitae, destacou o vínculo intrínseco entre amor conjugal e procriação: “o amor conjugal requer nos esposos uma consciência da sua missão de ‘paternidade responsável’, sobre a qual hoje tanto se insiste, e justificadamente, e que deve também ela ser compreendida com exactidão (...).
O exercício responsável da paternidade implica, portanto, que os cônjuges reconheçam plenamente os próprios deveres para com Deus, para consigo próprios, para com a família e para com a sociedade, numa justa hierarquia de valores”.[xxiii]
Na Exortação apostólica Evangelii nuntiandi, Paulo VI salientou a relação entre a família e a Igreja».[xxiv].
«São João Paulo II dedicou especial atenção à família, através das suas catequeses sobre o amor humano, a Carta às famílias Gratissimam sane e sobretudo com a Exortação apostólica Familiaris consortio. Nestes documentos, o Pontífice definiu a família «caminho da Igreja»; ofereceu uma visão de conjunto sobre a vocação ao amor do homem e da mulher; propôs as linhas fundamentais para a pastoral da família e para a presença da família na sociedade. Concretamente, ao tratar da caridade conjugal[xxv], descreveu o modo como os cônjuges, no seu amor mútuo, recebem o dom do Espírito de Cristo e vivem a sua vocação à santidade».
«Bento XVI, na Encíclica Deus caritas est, retomou o tema da verdade do amor entre o homem e a mulher, que se vê iluminado ple­namente apenas à luz do amor de Cristo crucificado[xxvi]. Sublinha que “o matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano”[xxvii]. Além disso, na Encíclica Caritas in veritate, destaca a importância do amor como princípio de vida na sociedade[xxviii], lugar onde se aprende a experiência do bem comum».[xxix]

(cont)

(revisão da versão portuguesa por AMA)



[i] (Mt 19, 8)
[ii] (“o que Deus uniu não o separe o homem”: Mt 19, 6)
[iii] (cf. Mt 19, 3)
[iv] (cf. Mc 10, 1-12)
[v] 55 Ibid., 14
[vi] (cf. Ef 5, 21-32)
[vii] (cf. Gn 1, 26-27)
[viii] (cf. Ap 19, 9)
[ix] (cf. Jo 2, 1-11)
[x] (cf. Lc 10, 38)
[xi] (cf. Mt 8, 14)
[xii] (cf. Mc 5, 41; Lc 7, 14-15)
[xiii] (cf. João Paulo II, Dives in misericordia, 4)
[xiv] (cf. Jo 4, 1-30)
[xv] (cf. Jo 8, 1-11)
[xvi] (Paulo VI, Alocução em Nazaré, 5 de Janeiro de 1964)
[xvii] (cf. nn. 47-52)
[xviii] (cf. n. 48)
[xix] (n. 49)
[xx] (cf. nn. 48-49)
[xxi] (n. 48) e 58 Ibid., 38
[xxii] (cf. Lumen gentium, 11)
[xxiii] (n. 10)
[xxiv] Relatio Synodi 2014, 17. 60 Relatio Finalis 2015, 43. 58 69
[xxv] (cf. Familiaris consortio, 13)
[xxvi] (cf. n. 2)
[xxvii] (n. 11)
[xxviii] (cf. n. 44)
[xxix] Relatio Synodi 2014, 18. 62 Ibid., 19.

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