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30/12/2018

Leitura espiritual


O HOMEM BOM




MODOS DE AMAR





Conta-se de um velho almirante da reserva que, quando queria pintar a fachada da sua casa – vivia numa cidade onde era costume pintá-las pela primavera –, mandava o pintor à casa do vizinho que morava em frente, para lhe perguntar de que cor gostaria que a pintasse.
O bom velhinho explicava esse seu modo de proceder dizendo:
“Afinal, ele, o vizinho, é quem ficará vendo a fachada todos os dias; é natural que eu a pinte ao gosto dele”.
É uma delicada transparência do coração do homem bom, que vive sempre voltado para o bem e para a alegria dos outros, e nisso encontra a sua maior satisfação.
Isto faz pensar nas nossas atitudes e, concretamente, na facilidade com que incorremos num erro de perspectiva: com a melhor das boas vontades, dedicamo-nos a amar os outros “ao nosso modo”, mas esquecemo-nos de amá-los “ao modo deles”, o que seria muito melhor.
Entendamo-nos.
Não basta dizer, quando nos preocupamos em ajudar os outros:
“Faço isto pelo seu bem”.
É necessário ter uma fina intuição para fazer “isto” do “modo” que contribua mais eficazmente para o seu bem.
Um pai que corrige o filho, imediata e energicamente, todas as vezes que depara com uma desobediência ou uma irresponsabilidade, pode estar intimamente convencido de que actua “apenas e tão somente” pelo bem desse filho.
E, caso o garoto se lhe torne revoltado, mentiroso e desleal,sentir-se-á profundamente magoado, ao mesmo tempo que se lamenta:
“Depois de tantos desvelos, de tanta dedicação para educá-lo...”
Esse pai, por mais que se sinta magoado e recrimine a ingratidão do filho, não está com a razão.
E não está precisamente porque não foi capaz de amá-lo “ao modo dele”, isto é, procurando o “modo” mais fecundo de lhe fazer o bem.
Com isto, já estamos esclarecendo que, quando dizemos “ao modo dele”, não pensamos que o amor paterno deva acomodar-se a todos os caprichos e vontades do filho.
Se fizesse isso, esse pai cairia naquela “bondosidade mole” que mais destrói do que edifica.
A expressão “ao modo dele” significa, neste caso, o esforço da mente e do coração por acertar com a maneira realmente eficaz de ajudar o filho a ser melhor.
Podemos dar por certo que esse mesmo pai, se tivesse atuado com mais paciência e, sobretudo, se tivesse dedicado mais tempo a fazer-se amigo do filho, conseguiria que as suas correcções fossem construtivas.
É muito fácil “cair em cima” e dizer “eu tenho razão”.
Já foi lembrado por alguém que, por ter razão, até agora ninguém foi para o céu.
É muito mais profícuo guardar a razão, ao menos provisoriamente, no bolso, e pensar seriamente:
“Como posso mesmo ajudá-lo a melhorar?”
Não tenhamos dúvida de que o pai em foco ajudaria imenso se gastasse mais algum tempo no fim do dia, e nos fins de semana, a sair, jogar bola, discutir música e conversar com o filho, tornando-se assim o seu melhor amigo.  
Nesse clima de amizade confiante, poderia orientá-lo e corrigi-lo, quando fosse o caso, com palavras cheias de credibilidade, já que o filho perceberia que, se o pai o contraria, não é por ser um maníaco perfeccionista nem por estar irritado, mas porque gosta dele e o quer ajudar.
É a isto que chamamos amar “ao modo” dos outros.
Uma arte extremamente necessária e certamente nada fácil.
Só o amor generoso é capaz de aprendê-la.

A PEDRA PRECIOSA

Mons. Escrivá, um sacerdote que irradiou bondade, despertando milhares de corações para o bem, costumava dizer que cada pessoa, cada alma, deve ser tratada como uma pedra preciosa.
Não existem duas pedras preciosas idênticas, que possam ser lapidadas da mesma maneira.
O bom lapidador etuda-as uma a uma, e daí tira conclusões sobre o modo de extrair o máximo de perfeição e beleza de cada uma delas.
Assim deve ser com as almas. O estudo atento do lapidador é, neste caso, a afectuosa atenção que prestamos a cada pessoa, esforçando-nos por compreender o seu modo de ser, o porquê das suas arestas e pontos frágeis, as linhas em que melhor pode ser “trabalhada”.
E o modo de tratá-la, de ajudá-la, decorrerá dessa prévia compreensão.
Para tanto, não é necessário possuir conhecimentos muito especializados de psicologia.
Basta a psicologia do afecto, que proporciona uma profunda acuidade aos olhos.
O amor de uma mãe não precisa de manuais de psicologia para intuir, de modo certeiro, o que está acontecendo com o filho.
Basta o carinho, o interesse e a vontade de se dar.
Não esqueçamos, por outro lado, que todo o bom lapidador é paciente, o que significa que tem a consciência de que, para transformar um diamante bruto num esplêndido brilhante, vai precisar de longo tempo, de trabalho minucioso, e que só pouco a pouco irá progredindo no seu lavor.
Eis aqui outra das manifestações da autêntica bondade.
Assim como a bondade mole se compõe de superficiais pinceladas de amabilidade, a verdadeira bondade traduz-se numa dedicação infatigável.
Dá-se sem pausa, espera sem cansaço e não desiste jamais.
Persiste incansavelmente, sem abrandar a generosidade da entrega, até ver despontar finalmente os frutos; e aguarda confiante – permita-se-nos repeti-lo – que as “sementes de bondade” dos outros acabem por germinar.
A doação de um homem bom nunca é estéril.
Francisco Faus [i]


[i] Francisco Faus é licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.


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