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27/12/2018

Leitura espiritual


O HOMEM BOM





ATENÇÃO AMOROSA


Não desprezar.

Aqui temos o que poderíamos chamar o “primeiro mandamento” da benignidade.
Valorizar e confiar, esta é a versão positiva desse mandamento.
Uma das manifestações mais comoventes da bondade de Cristo é a sua infinita capacidade de prestar uma atenção amorosa e confiante a todos, mesmo aos que parecem mais pervertidos e irrecuperáveis.
É uma atitude que vemos a cada passo nos relatos evangélicos, ao contemplarmos o modo acolhedor e esperançado com que Cristo encara os pecadores, os miseráveis, todos aqueles que aparecem como o rebotalho imprestável do mundo.
Há, concretamente, uma passagem do Evangelho em que essa atitude se revela com grande transparência.
São Lucas pinta a cena com os traços de um drama em que intervêm dois personagens, Cristo e um fariseu chamado Simão.
Ambos contemplam o mesmo facto: a irrupção inesperada de uma mulher pecadora na casa do fariseu, onde Jesus estava à mesa juntamente com outros convidados.
E eis que uma mulher, que era pecadora na cidade, quando soube que Ele estava à mesa em casa do fariseu, levou um vaso de alabastro cheio de bálsamo.
Estando a seus pés, detrás d’Ele, começou a banhar-lhe os pés com lágrimas, enxugava-os com os cabelos da sua cabeça, beijava-os e ungia-os com bálsamo (Lc 7, 37-38). Aquela pobre mulher, tocada na alma pela divina bondade de Cristo, não sabe o que fazer para expressar a sua dor, o seu arrependimento.
Dois pares de olhos fixam-se especialmente nela: os do fariseu Simão e os de Cristo. Ambos observam a mesma cena, a mesma pessoa, os mesmos gestos. Mas vêem coisas inteiramente diferentes.
O fariseu fixa na pecadora o olhar do desprezo: Vendo isto, o fariseu que o tinha convidado disse consigo: Se este fosse profeta, com certeza saberia quem e qual é a mulher que o toca, e que é pecadora. Simão só vê o “lado mau”.
Cristo, pelo contrário, dirige à pecadora o olhar do amor benigno. Mansamente, volta-se para o fariseu e diz-lhe: Simão, tenho uma coisa a dizer-te... E o que Cristo vai dizer-lhe, com um laivo de tristeza, é que Simão ainda não aprendeu a enxergar com bondade, ainda não aprendeu a apreciar o valor dos outros com uma “atenção amorosa”.
Um credor – começa Cristo – tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários, o outro cinquenta. Não tendo ele com que pagar, perdoou a ambos a dívida. Qual deles, pois, mais
o amará? O que equivale a dizer: Simão, onde tu vês um atrevimento despudorado, eu vejo amor.
Esta pobre criatura chora a pena do arrependimento e a alegria do perdão.
E prossegue: Vês esta mulher?... – sim, é necessário, é importante conseguir “ver” os outros –, vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; e esta com as suas lágrimas banhou os meus pés e enxugou-os com os seus cabelos. Não me deste o beijo da paz, mas esta, desde que entrou, não cessou de beijar os meus pés. Não ungiste a minha cabeça com bálsamo, mas esta ungiu com bálsamo os meus pés. Pelo que te digo: São-lhe perdoados os seus muitos pecados porque muito amou (cfr. Lc 7, 40-47).
Como se percebe bem aqui o modo de olhar de Jesus! Mais do que ninguém, Cristo era capaz de penetrar no abismo de mal que o pecado cavara naquela alma. E mais do que ninguém, por ser Ele Deus – Deus feito homem –, podia sentir-se atingido pelo pecado, pois este é, acima de tudo, ofensa a Deus.
Nada disso, porém, passa para o primeiro plano no olhar de Cristo. Na escuridão do pecado que envolve a alma daquela mulher, não detém a vista no que o ofende; só vê brilhar – como a luz que cintila numa noite escura – a bondade que começa a desabrochar naquela alma dolorida.
Apenas vê o “lado bom”, a raiz de bondade que está a despertar e que Ele pode e quer ajudar a O fariseu, sem dúvida, teria expulsado asperamente a pecadora, e com isso certamente a teria ferido, teria abafado a sua esperança, tê-la-ia acorrentado, talvez para sempre, ao seu mal.
Cristo estende-lhe a mão e a salva: A tua fé te salvou; vai em paz (Lc 7, 50).
Na atitude de Cristo encontramos matéria abundante para meditar.
Francisco Faus [i]


[i] Francisco Faus é licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.


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