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26/12/2018

Leitura espiritual


O HOMEM BOM




A BONDADE NÃO DESPREZA NINGUÉM



Uma atitude que se situa do lado contrário da benignidade é o desprezo.
Quando Cristo quis desmascarar a “bondade” hipócrita dos fariseus, começou por dizer que havia uns homens que confiavam em si mesmos, como se fossem justos, e desprezavam os outros (Lc 18, 9).
O fariseu despreza precisamente porque se considera justo, porque é orgulhoso.
Ao julgar-se perfeito e gabar-se das suas pretensas perfeições, considera inferiores aqueles que, em seu conceito, não as possuem: “Não sou como os outros homens”, diz, inchado de autocomplacência.
É próprio do orgulhoso manifestar uma irritada intolerância com os defeitos do próximo.
Tal é o caso do homem que se aborrece porque a mulher, o colega ou os filhos são desordenados, ou distraídos e lerdos, ou pouco inteligentes, inoportunos, teimosos, rebeldes...
Admirando-se a si mesmo como a um “deus”, julga intolerável que os demais não sejam “à sua imagem e semelhança”.
Por isso, está continuamente a lançar-lhes em rosto, de modo humilhante, os defeitos que é incapaz de compreender: “Você nunca faz nada direito”, “parece mentira que não tenha um pingo de sensatez”, “não há quem o aguente”...
Com essa incapacidade para a compreensão, é natural que o orgulhoso se canse, e esse cansaço em face dos demais é outra forma – não menos dolorosa – de menosprezo.
Frases como “já chega”, “não dá mais”, “desisto de tentar”, aplicadas ao próximo, indicam que a bondade fracassou dentro do coração de quem as pronuncia.
A “decepção” é a morte da bondade.
Mas, vejamos com calma. Por que nos sentimos decepcionados com alguém?
Será, porventura, porque o amamos?
Não, certamente. É porque nos amamos demasiado a nós mesmos, porque nos adoramos como a um pequeno ídolo ridículo, e por isso exigimos dos outros as qualidades que nos satisfazem e que “servem” a nossa satisfação.
Há, por exemplo, pais que se sentem decepcionados com os seus filhos porque não conseguiram moldá-los como argila, de acordo com o modelo que idealizaram para a sua satisfação pessoal.
Tinham feito, como um cineasta, o “roteiro” da vida do “filho ideal”, prevendo todas as etapas e calculando todos os detalhes.
E eis que os filhos, usando da sua liberdade – e, às vezes, secundando o plano que Deus preparou para eles – rasgam o “roteiro” do pai (vai seguir a mesma carreira que eu, vai trabalhar comigo, vai ser rico e importante, etc.) e traçam o seu próprio caminho. Nessa altura, o pai sente que foram cortados os fios com que pretendia comandar os filhos como marionetes, e mergulha na decepção. Mesmo as mais belas opções de vida feitas pelos filhos, se estão à margem do “roteiro” paterno – por exemplo, dedicar-se inteiramente a Deus, escolher uma profissão menos brilhante mas mais aberta ao serviço do próximo, abraçar ideais de pesquisa científica ou de arte –, parecem-lhe tolices, idealismos estúpidos que vão estragar-lhes a vida.
Na realidade, estão estragando apenas os sonhos egoístas do pai.
Também nos cansamos e decepcionamos facilmente com os outros porque não corrigem os seus defeitos – defeitos reais, falhas objectivas – com a rapidez que nós desejaríamos.
Uma e outra vez reincidem nas mesmas faltas, continuam com as mesmas reacções, mantêm inalteradas as arestas do seu carácter. Então, desanimados, só sabemos recriminar, repetindo como um disco rachado: ele fala demais, esquece tudo, chega atrasado, não me escuta, gasta sem controle, etc., etc.
E, ao pensarmos nesses defeitos sempre reiterados, sentimo-nos com o direito de dizer: “Isso cansa”.
Daí a desistir de compreender e ajudar há só um passo, o passo que o “cansado” acaba dando quando se rende à decepção e conclui: “Não tem conserto”.
Extinguiu-se então a confiança e instalou-se no coração o desprezo.
Nas próximas páginas consideraremos como a confiança inabalável nos outros é um dos traços mais belos da bondade.
Francisco Faus [i]


[i] Francisco Faus é licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.


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