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05/10/2018

Cenas da vida corrente – 1


Resultado de imagem para vida correnteE agora: que é que eu faço? Que é que eu digo?

Ontem, ao fim da tarde, fui mais uma vez abordado por um sujeito que amiúde me pede ajuda.

Com brusquidão respondi-lhe mais ou menos:

‘Mas ó homem! Ainda há dois dias te dei cinco euros! Disseste que estavas com fome e querias comer qualquer coisa’.

Respondeu-me:
‘Sim, é verdade, mas sabe, olhe que comi como um senhor! Os cinco euros deram para duas sopas e uma sandes das grandes.’

Disse-lhe:
‘Pois ainda bem ao menos ficaste satisfeito. E, agora, que é que queres mais?’

Com toda a naturalidade disse-me:
‘Bem… já lá vão dois dias e hoje estou outra vez com fome, mas… atalhou rapidamente hoje dois euritos chegam, como uma sandes e já está.’

Com toda rapidez transferi do meu bolso para a sua mão as moedas que tinha comigo. Ele nem contou mas eu calculo que deveriam ser uns três euros, mais ou menos.

‘Olha, agora vê lá! Eu não posso estar a dar-te dinheiro todos os dias.’

‘Eu sei… eu sei… também não lhe peço todos os dias pois não? Muito obrigado.’


E agora: que é que eu faço? Que é que eu digo?


Não faço nada! Não digo nada!
Que posso eu fazer? Que posso eu dizer?

Sim, todos os dias eu janto confortavelmente sem parcimónia nem – muitas vezes – contenção.
Não me preocupa minimamente o que irei jantar amanhã ou noutro dia qualquer.

No frigorífico há sempre algo disponível.

Pois… mas o Victor – assim se chama o sujeito – não tem frigorífico e, mesmo que tivesse seria perfeitamente inútil porque não teria nada para colocar lá dentro.

Esta situação incomoda-me, entristece-me.


E agora: que é que eu faço? Que é que eu digo?


Ocorre-me, então, que pelo menos, posso dizer:

‘Senhor, olha que o Victor também é Teu filho!


AMA, cenas da vida corrente, Outubro 2018

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