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03/09/2018

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá


CRISTO QUE PASSA

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Escutai os vossos filhos, dedicai-lhes também o vosso tempo, mostrai que tendes confiança neles; acreditai em tudo o que vos disserem, mesmo que alguma vez vos enganem; não vos assusteis com as suas rebeldias, pois também vós, na idade deles, fostes mais ou menos rebeldes; ide ao seu encontro, até meio do caminho, e rezai por eles. E vereis que recorrerão aos seus pais com simplicidade - podeis ter a certeza disso, se actuais cristãmente - em vez de irem ter, para satisfazer as suas legítimas curiosidades, com um amigalhote desavergonhado ou brutal.
A vossa confiança, a vossa relação amigável com os filhos, receberá como resposta a sinceridade deles para convosco; e isto, mesmo que não faltem disputas e incompreensões de pouca monta, é a paz familiar, a vida cristã.

Como descreverei - como um escritor dos primeiros séculos - a felicidade desse matrimónio que a Igreja une, que a entrega confirma, que a bênção sela, que os Anjos proclamam e que Deus Pai tem por celebrado?...
Ambos os esposos são como irmãos, servos um do outro, sem que entre eles se dê a separação alguma, nem na carne nem no espírito. Porque verdadeiramente são dois numa só carne e onde há uma só carne deve haver um só espírito...
Ao contemplar esses lares, Cristo alegra-Se e envia-lhes a Sua paz; onde estão dois, aí está também Ele, e onde está Ele não pode haver nada de mau.

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Procurámos resumir e comentar alguns dos traços desses lares em que se reflecte a luz de Cristo e que são, por isso, luminosos e alegres, repito; nos quais a harmonia que reina entre os pais se transmite aos filhos, à família inteira e a todos os ambientes que a envolvem.
Assim, em cada família autenticamente cristã reproduz-se de algum modo o mistério da Igreja, escolhida por Deus e enviada como guia do mundo.

A todos os cristãos, qualquer que seja a sua condição - sacerdotes ou leigos, casados ou solteiros - se aplicam plenamente as palavras do Apóstolo que se lêem precisamente na epístola da festa da Sagrada Família: escolhidos de Deus, santos e amados.
É isso mesmo o que somos todos, cada um no seu lugar e na sua tarefa no mundo: homens e mulheres escolhidos por Deus para dar testemunho de Cristo e levar aos que nos rodeiam a alegria de se saberem filhos de Deus, apesar dos nossos erros e procurando lutar contra eles.

É muito importante que o sentido vocacional do matrimónio nunca falte, tanto na catequese e na pregação como na consciência daqueles a quem Deus quer levar por esse caminho, porque estão real e verdadeiramente chamados a integrar-se nos desígnios divinos da salvação de todos os homens.

Por isso, talvez não possa apresentar-se aos esposos cristãos melhor modelo que o das famílias dos tempos apostólicos: o centurião Cornélio, que foi dócil à vontade de Deus e em cuja casa se consumou a abertura da Igreja aos gentios; Áquila e Priscila, que difundiram o cristianismo em Corinto e em Éfeso, e que colaboraram no apostolado de S. Paulo; Tabita, que com a sua caridade assistiu aos necessitados de Jope...
E tantos outros lares de judeus e de gentios, de gregos e de romanos, nos quais lançou raízes a pregação dos primeiros discípulos do Senhor.

Famílias que viveram de Cristo e que deram a conhecer Cristo. Pequenas comunidades cristãs que foram centros de irradiação da mensagem evangélica.
Lares iguais aos outros lares daqueles tempos, mas animados de um espírito novo que contagiava aqueles que os conheciam e com eles conviviam.
Assim foram os primeiros cristãos e assim havemos de ser os cristãos de hoje: semeadores de paz e de alegria, da paz e da alegria que Cristo nos trouxe.

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Ainda não há muito tempo, tive oportunidade de admirar um baixo-relevo em mármore, que representa a cena da adoração de Deus Menino pelos Reis Magos.
Emoldurando esse baixo-relevo, havia outros: quatro anjos, cada um com seu símbolo - um diadema, o mundo coroado pela cruz, uma espada e um ceptro.
Deste modo, utilizando símbolos bem conhecidos, ilustrava-se plasticamente o acontecimento que hoje comemoramos: uns homens sábios - reis, segundo a tradição - prostram-se diante do Menino, depois de perguntar em Jerusalém: Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?

Também eu, instado por esta pergunta, contemplo agora Jesus, deitado numa manjedoura, num lugar que só é próprio para os animais.
Onde está, Senhor, a tua realeza: o diadema, a espada, o ceptro? Pertencem-lhe e não os quer; reina envolto em panos.
É um rei inerme, que se nos apresenta indefeso; é uma criança. Como não havemos de recordar aquelas palavras do Apóstolo: aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo.

Nosso Senhor encarnou para nos manifestar a vontade do Pai.
E começa a instruir-nos estando ainda no berço. Jesus Cristo procura-nos - com uma vocação, que é vocação para a santidade -, a fim de consumarmos com Ele a Redenção.
Considerai o seu primeiro ensinamento: temos de co-redimir à custa de triunfar, não sobre o próximo, mas sobre nós mesmos.
Tal como Cristo, precisamos de nos aniquilar, de sentir-nos servidores dos outros para os conduzir a Deus.

Onde está o nosso Rei?
Não será que Jesus quer reinar, antes de mais, no coração, no teu coração?
Por isso se fez menino: quem é capaz de ter o coração fechado para uma criança?
Onde está o nosso Rei?
Onde está o Cristo que o Espírito Santo procura formar na nossa alma?
Cristo não pode estar na soberba, que nos separa de Deus, nem na falta de caridade, que nos isola dos homens.
Aí não podemos encontrar Cristo, mas apenas a solidão.

No dia da Epifania, prostrados aos pés de Jesus Menino, diante de um Rei que não ostenta sinais externos de realeza, podeis dizer-lhe: Senhor, expulsa a soberba da minha vida, subjuga o meu amor-próprio, esta minha vontade de afirmação pessoal e de imposição da minha vontade aos outros.
Faz com que o fundamento da minha personalidade seja a identificação contigo.

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O caminho da fé

Não é fácil esta meta da identificação com Cristo.
Mas também não é difícil, se vivemos de acordo com os ensinamentos do Senhor, isto é, se recorrermos diariamente à sua Palavra, se impregnarmos a nossa vida da realidade sacramental - a Eucaristia - que Ele nos deixou como alimento, porque o caminho do cristão é andadeiro, como diz uma antiga canção da minha terra.
Tal como os Reis Magos, descobrimos uma estrela que é luz, rumo certo no céu da nossa alma.

Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.
Também nós vivemos esta experiência.
Também nós sentimos que, pouco a pouco, se acendia na nossa alma uma luz nova: o desejo de ser cristãos em plenitude, o desejo, por assim dizer, de tomar Deus a sério.
Se cada um de nós começasse agora a contar em voz alta o processo interior da sua vocação sobrenatural, não poderíamos deixar de pensar que tudo isso foi divino.
Agradeçamos, pois, a Deus Pai, a Deus Filho, a Deus Espírito Santo e a Santa Maria - por cuja intercessão chegam até nós todas as bênçãos do Céu - este dom, que, a par da fé, é o maior que o Senhor pode conceder a uma criatura: a firme determinação de alcançar a plenitude da caridade, com a convicção de que também é necessária, e não apenas possível, a santidade no meio dos afazeres profissionais, sociais...

Considerai a delicadeza com que o Senhor nos dirige este convite. Exprime-se com palavras humanas, como um apaixonado: Eu chamei-te pelo teu nome... tu és meu.
Deus - que é a Beleza, a Sabedoria, a Grandeza - anuncia-nos que somos seus, que fomos escolhidos como objecto do seu amor infinito. É precisa uma vida forte de fé para não desvirtuar esta maravilha que a Providência depõe nas nossas mãos, uma fé como a dos Reis Magos, que nos leva a ter a certeza de que nem o deserto, nem a tormenta, nem a tranquilidade do oásis nos impedirão de chegar à meta do presépio eterno: a vida definitiva com Deus.

(cont)