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07/08/2018

Tratado das Virtudes


Questão 66: Da igualdade das virtudes.

Art. 5 — Se a sabedoria é a maior das virtudes intelectuais.

O quinto discute-se assim. — Parece que a sabedoria não é a maior das virtudes intelectuais.

1. — Pois, quem dirige é maior que o dirigido. Ora, parece que a prudência impera sobre a sabedoria como diz o Filósofo: esta, i. é, a política, relativa à prudência, segundo ficou dito [2], esta preordena quais as artes que devem existir no Estado, e quais e até que ponto cada um as deve estudar [3]. Ora, como a sabedoria também faz parte da ciência, resulta que a prudência é maior que ela.

2. Demais. — É da essência da virtude ordenar o homem à felicidade, pois, ela é a disposição do que é perfeito para o que é óptimo, como se disse [4]. Ora, a prudência é a razão recta dos actos, pelos quais alcançamos a felicidade; ora, a sabedoria não considera esses actos. Logo, a prudência é maior que ela.

3. Demais. — Tanto mais perfeito, tanto maior é o conhecimento. Ora, podemos ter um conhecimento mais perfeito das coisas humanas, com as quais se ocupa a ciência, do que das divinas, objecto da sabedoria, como diz Agostinho [5]; porque as coisas divinas são incompreensíveis, conforme a Escritura (Job 36, 26): Com efeito, Deus é grande, que sobreexcede a nossa ciência. Logo a ciência é maior virtude que a sabedoria.

4. Demais. — O conhecimento dos princípios é mais digno que o das conclusões. Ora, a sabedoria, como as outras ciências, conclui partindo de princípios indemonstráveis, objecto do intelecto. Logo, o intelecto é maior virtude que a sabedoria.

Mas, em contrário, o Filósofo diz, que a sabedoria é como a cabeça das virtudes intelectuais [6].


SOLUÇÃO. — Como já dissemos [7], a grandeza específica de uma virtude depende do seu objecto. Ora; o objecto da sabedoria tem precedência sobre os objectos de todas as virtudes intelectuais, pois, é Deus, causa altíssima, como já dissemos [8]. E como pela causa julgamos do efeito, e pela causa superior, das inferiores, à sabedoria cabe julgar de todas as outras virtudes intelectuais e ordená-las a todas, e é quase arquitectónica em relação a todas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Versando a prudência sobre as coisas humanas e a sabedoria, sobre a causa altíssima, é impossível seja a prudência maior virtude que a sabedoria, a menos que, como se disse, o homem fosse o que há de maior no mundo [9]. Donde, devemos concluir, conforme também já está dito [10] que a prudência não governa a sabedoria, mas ao inverso, pois, como diz a Escritura (1 Cor 2, 15), o espiritual julga todas as coisas, e ele não é julgado de ninguém. Assim, a prudência não deve se ocupar com as coisas altíssimas, que a sabedoria considera, mas dirige aquilo que se ordena à sabedoria, i. é, se ocupa com o modo pelo qual os homens devem chegar à sabedoria. E por aí a prudência ou política é ministra da sabedoria, pois conduz a ela, preparando-lhe a via, como o ostiário ao rei.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A prudência considera os meios pelos quais chegamos à felicidade, ao passo que a sabedoria considera o objecto mesmo da felicidade que é o inteligível altíssimo. Ora, se a sabedoria fosse perfeita no considerar o seu objecto, nesse acto consistiria a felicidade perfeita. Mas, como o acto da sabedoria nesta vida é imperfeito, em relação ao seu principal objecto que é Deus, esse acto é uma como incoação ou participação da felicidade futura. E portanto, está mais próxima da felicidade que a prudência.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz o Filósofo, um conhecimento é superior a outro, ou porque tem um objecto mais nobre, ou pela sua certeza[11]. Se porém os objectos fossem iguais em bondade e nobreza, a virtude mais certa será a maior. Mas a menos certa porém, com objectos mais altos e mais importantes, é superior a mais certa, mas que tem por objecto coisas inferiores. Por isso o Filósofo diz que é grande coisa poder conhecer algo sobre as coisas celestes, mesmo por uma razão débil e local [12]. E, noutro lugar, Aristóteles diz, que é preferível conhecer um pouco dos seres mais nobres, que conhecer muito de seres inferiores [13]. Donde, a sabedoria, cujo objecto é o conhecimento de Deus, o homem, no estado da vida presente, não pode alcançá-la perfeitamente, de modo a ter-lhe a posse, o que só é próprio de Deus, como se disse [14]. Porém, mesmo esse pequeno conhecimento, que, pela sabedoria, podemos ter de Deus, é preferível a qualquer outro.

RESPOSTA À QUARTA. — A verdade e o conhecimento dos princípios indemonstráveis, depende da natureza dos termos. Assim, quem souber o que é o todo e o que é a parte, imediatamente compreenderá que o todo é maior que a parte. Ora, conhecer em que consiste o ente e o não-ente, o todo e a parte, e tudo o mais que resulta do ser e de que se constituem como termos; os princípios indemonstráveis, isso pertence à sabedoria. Pois, o ser comum é efeito próprio da causa altíssima, i. é, Deus. E portanto, a sabedoria não só se serve dos princípios indemonstráveis, que é o objecto do intelecto, para por eles chegar a conclusões, como o fazem também as outras ciências, mas também os julga e disputa contra os que os negam. Donde se conclui que a sabedoria é maior virtude que o intelecto.

(Revisão da versão portuguesa por AMA)




[1] (Supra, q. 57. a. 2. ad 2 ; VI Ethic., lect. VI).
[2] IV Ethic. (lect. VII).
[3] I Ethic. (lect. II).
[4] VII Physic. (lect. V).
[5] XII De Trinit. (cap. XIV).
[6] VI Ethic. (lect. VI).
[7] Q. 66, a. 3.
[8] Metaph. (lect. I, II).
[9] VI Ethic. (lect. VI).
[10] Ibid (lect. X, XI).
[11] I De anima (lect. I).
[12] II De caelo (lect. XVII).
[13] I De partibus animalium (cap. V).
[14] I Metaph. (lect. II).

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