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24/08/2018

Tratado das virtudes


Questão 67: Da duração das virtudes depois desta vida.

Art. 4 — Se a esperança perdura, depois da morte, no estado da glória.

O quarto discute-se assim. — Parece que a esperança perdura depois da morte, no estado da glória.

1. — Pois, a esperança aperfeiçoa, de modo mais nobre, o apetite humano, do que as virtudes morais. Ora, estas permanecem depois desta vida, como está claro em Agostinho [2]. Logo, com maior razão a esperança.

2. Demais. — O temor opõe-se à esperança. Ora, ele perdura depois desta vida: nos bem-aventurados, o temor filial, que permanece sempre; nos condenados, o das penas. Logo, pela mesma razão, pode permanecer a esperança.

3. Demais. — Como a esperança, também o desejo tem por objecto o bem futuro. Ora, os bem-aventurados têm tal desejo, tanto em relação à glória do corpo, que as almas deles desejam, conforme diz Agostinho [3], como em relação à da alma, segundo a Escritura (Ecle 24, 29): Aqueles que me comem terão ainda fome, e os que, me bebem terão ainda sede, e ainda (1 Pd 1, 12): ao qual os mesmos anjos desejam ver. Logo, a esperança pode existir, nos bem-aventurados, depois desta vida.

Mas, em contrário, o Apóstolo diz (Rm 8, 24): o que qualquer vê, como o espera? Ora, os bem-aventurados vêm o objecto da esperança, que é Deus. Logo, não esperam.


SOLUÇÃO. — Como já dissemos [4], o que por essência implica à imperfeição do sujeito não pode coexistir num sujeito perfeito pela perfeição oposta. Isso se vê claramente no movimento que, implicando por essência a imperfeição do sujeito, pois, é o acto do existente em potencia, como tal [5], cessa quando a potência se actualiza; assim, o que já se tornou branco não pode ainda embranquecer. Ora, a esperança implica um certo movimento para o que ainda não possuímos, como ficou claro pelo que acima dissemos da paixão da esperança5. Portanto, quando possuirmos o que esperamos, i. é, a fruição devida, já não poderá existir a esperança.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A esperança é mais nobre do que as virtudes morais, por ser Deus o seu objecto. Ora, o acto dessas virtudes não repugna, como o acto da esperança, à perfeição da felicidade, senão talvez quanto à matéria, quanto à qual não perduram. Pois as virtudes morais não aperfeiçoam o apetite só no atinente ao objecto ainda não possuído, mas também no actualmente já possuído.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Há um duplo temor: o servil e o filial, como a seguir se dirá [6]. Aquele é o da pena, e não poderá existir na glória, onde não existe nenhuma possibilidade de pena. Este comporta dois actos: temer a Deus, e neste ponto permanece; e temer a separação dele, e neste não permanece, pois separar-se de Deus implica o mal, e, no caso presente, não se pode temer nenhum mal, conforme a Escritura (Pr 1, 33): Gozaremos da abundância, sem receio de mal algum. Ora, o temor opõe-se à esperança, por oposição do bem e do mal, como já dissemos [7]. E portanto, o temor que perdura na glória, não se opõe à esperança. Nos condenados porém pode haver o temor da pena mais do que, nos bem-aventurados, a esperança da glória; porque neles haverá sucessão de penas, o que implica a ideia de futuro, objecto do temor. Ao passo que na glória dos santos não há sucessão, pois é uma como participação da eternidade, sem pretérito nem futuro, mas só presente. E contudo também nos condenados não haverá temor, propriamente falando. Pois, como já dissemos [8], o temor nunca existe sem alguma esperança de libertação, a qual nos danados, absolutamente não existirá; portanto, também neles não haverá temor, senão comumente falando, no sentido em que se chama temor a qualquer expectativa de mal futuro.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Quanto à glória da alma, os bem-aventurados não podem ter desejo, no concernente ao futuro, pela razão já exposta. Dizemos que eles têm fome e sede, para afastar a ideia de tédio. E pela mesma razão dizemos que os anjos têm desejo. No concernente porém à glória do corpo, pode por certo haver desejo nas almas dos santos, não porém, esperança, propriamente falando. Mas não, enquanto a esperança é uma virtude teologal, pois então o seu objecto é Deus e não, qualquer bem criado. Nem tomada em sentido comum, porque, nesse caso o seu objecto é o que é árduo, como já dissemos [9]. Ora, o bem, cuja causa certa já possuímos, não tem para nós nada de árduo; por isso, propriamente falando, não dizemos que quem tem dinheiro espera poder possuir uma certa coisa, pois pode possuí-la imediatamente, comprando-a. E semelhantemente, os que já têm a glória da alma não podem, propriamente falando, esperar a glória do corpo, mas só desejá-la.

 (Revisão da versão portuguesa por AMA)



[1] (IIª. lIae, q. 18, a. 2 ; II Sent., dist. XXVI, q. 2, a. 5, qª 2 ; dist. XXXI, q. 2, a. 1, qª 2; De Virtut., q.4. a. 4).
[2] XIV De Trinit. (cap. IX).
[3] XII Super Genes. ad litt. (cap. XXXV).
[4] Q. 67, a. 3.
[5] III Physic. (lect. II).
[6] Q. 40, a. 1, 2.
[7] IIa IIae, q. 19, a. 2.
[8] Q. 23, a. 2; q. 40, a. 1.
[9] Q. 42, a. 2.

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