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14/08/2018

Tratado das Virtudes


Questão 67: Da duração das virtudes depois desta vida.

Em seguida devemos tratar da duração das virtudes depois desta vida.

E sobre esta questão seis artigos se discutem:

Art. 1 — Se as virtudes morais permanecem depois desta vida.
Art. 2 — Se as virtudes intelectuais perduram depois desta vida.
Art. 3 — Se a fé perdura depois desta vida.
Art. 4 — Se a esperança perdura, depois da morte, no estado da glória.
Art. 5 — Se algo da fé ou da esperança perdura na glória.
Art. 6 — Se a caridade subsiste, depois desta vida, na glória.

Art. 1 — Se as virtudes morais permanecem depois desta vida.

O primeiro discute-se assim.— Parece que as virtudes morais não permanecem depois desta vida.

1. — Pois no estado da glória futura os homens serão como anjos, como diz a Escritura (Mt 22, 30). Ora, é ridículo atribuir aos anjos virtudes morais, como se disse [2]. Logo, também os homens, depois desta vida, não terão virtudes morais.

2. Demais. — As virtudes morais aperfeiçoam o homem na vida activa. Ora, não há actividade na vida futura, como diz Gregório: As obras da vida activa desaparecem com o corpo [3]. Logo, as virtudes morais não permanecem depois desta vida.

3. Demais. — A temperança e a coragem, que são virtudes morais, são relativas às partes irracionais, como diz o Filósofo [4]. Ora, estas partes desaparecem com a desaparição do corpo, por serem actos de órgãos corpóreos. Logo, parece que as virtudes morais não permanecem depois desta vida.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Sb 1, 15): A justiça é perpétua e imortal.


SOLUÇÃO. — Como refere Agostinho [5], Túlio ensinou que, depois desta vida, não mais existem as quatro virtudes cardeais, e que então os homens serão felizes só pelo conhecimento da natureza, que é melhor e mais desejável que tudo, conforme diz Agostinho no mesmo lugar; mas por aquela natureza que criou todas as naturezas. E Agostinho, por sua vez, determina que essas virtudes existem na vida futura, mas de outro modo.

Para prová-lo devemos saber que, essas virtudes têm algo de formal e algo de quase material. O que nelas há de material é uma inclinação da parte apetitiva para as paixões ou operações, segundo um certo modo. Mas como este modo é determinado pela razão, o que há de formal em todas as virtudes é a ordem própria da razão.

Portanto, devemos concluir que as virtudes em questão, pelo que têm de material, não permanecem na vida futura; pois, nela não existirá mais concupiscência nem prazeres do comer ou venéreos; nem temor e coragem provocados pelo perigo da morte; nem distribuições ou comunicações de coisas que servem ao uso da vida presente. Mas quanto ao que há nelas de formal, permanecerão perfeitíssimamente depois desta vida, nos bem-aventurados, sendo então a razão de cada um rectíssima quanto ao que lhe diz respeito, nesse novo estado; e a potência apetitiva se moverá absolutamente obediente à ordem da razão, em tudo o que a esse estado pertence. E por isso Agostinho no mesmo lugar diz que, então, haverá prudência sem nenhum perigo de erro; fortaleza, sem o sofrimento de suportar os males; temperança sem a repugnância da concupiscência; de modo que a prudência consistira em não preferir nenhum bem a Deus nem com ele o igualar; a fortaleza, em se unir com ele fortemente; a temperança, em não se deleitar com nenhum vício nocivo. Quanto à justiça é claro que o ato que dela permanecer será submeter-se a Deus, pois já nesta vida é ato de justiça sujeitarmo-nos aos superiores.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — No lugar aduzido o Filósofo refere-se ao que há de material nessas virtudes morais; i. é, à justiça, quanto à comunicação e à distribuição (dos bens); à fortaleza, quanto ao que nos causa terror e perigo; à temperança, quanto às vis concupiscências.

E semelhantemente se deve responder à segunda. — Tudo o que respeita a vida activa constitui a parte material da virtude.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Há duplo estado depois desta vida: um, anterior à ressurreição, estando as almas separadas do corpo; outro, posterior a ela, quando de novo se unirem aos seus corpos. Neste último estado existirão, como agora, as potências irracionais em órgãos corpóreos; e portanto, poderá existir a fortaleza, no irascível e no concupiscível; a temperança, estando ambas essas potências perfeitamente dispostas a obedecer à razão. Mas no estado anterior à ressurreição as partes irracionais não existirão na alma, actualmente, mas só radicalmente na essência dela, como já dissemos na primeira parte [6]. Por onde, as virtudes de que tratamos só existirão em ato na sua raiz, i. é, na razão e na vontade, onde estão os como que seminários delas, como já dissemos [7]. A justiça porém, que reside na vontade, permanecerá mesmo em ato. E por isso dela especialmente se diz que é perpétua e imortal, seja em razão do sujeito, por ser a vontade incorruptível; seja também pela semelhança do acto, como já antes se disse.

(Revisão da versão portuguesa por AMA)



[1] (IIª. lIae, q. 136, a. 1, ad 1 ; III Sent., dist. XXXIII, q. 1, a. 4 ; De Virtut., q. 5, a. 4).
[2] X Ethic. (lect. XII).
[3] VI Moral. (cap. XXXVII).
[4] III Ethic. (lect. XIX).
[5] XIV De Trin. (cap. IX).
[6] Q. 77, a. 8.
[7] Q. 63, a. 1.

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