Páginas

20/07/2018

Tratado das virtudes


Questão 65: Da conexão das virtudes.

Art. 5 — Se a caridade pode existir sem a fé e a esperança.

O quinto procede-se assim. 
— Parece que a caridade pode existir sem a fé e sem a esperança.

1. — Pois, a caridade é o amor de Deus. Ora, Deus pode ser amado por nós naturalmente, mesmo sem pressupor a fé ou a esperança da futura beatitude. Logo, a caridade pode existir sem a fé e sem a esperança.

2. Demais. — A caridade é a raiz de todas as virtudes, conforme a Escritura (Ef 3, 17): arraigados e fundados em caridade. Ora, a raiz às vezes não produz ramos. Logo, a caridade pode, às vezes, existir sem a fé, a esperança e as outras virtudes.

3. Demais. — Cristo teve caridade perfeita, e contudo não teve fé nem esperança, porque foi compreensor perfeito, como a seguir se dirá. Logo, a caridade pode existir sem a fé e sem a esperança.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Heb 11, 6): sem a fé é impossível agradar a Deus, o que pertence, por excelência, à caridade, conforme aquilo (Pr 8, 17): Eu amo aos que me amam. E a esperança também leva à caridade, como já dissemos. Logo, não podemos ter a fé sem a esperança e a caridade.


SOLUÇÃO. — A caridade significa não só amor de Deus, mas também uma certa amizade para com ele, a qual acrescenta ao amor a retribuição acompanhada de comunicação mútua, como se disse. E que isto pertence à caridade consta com clareza na Escritura (1 Jo 4, 16): aquele que permanece na caridade permanece em Deus, e Deus nele; e ainda (1 Cor 1, 9): Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à companhia de seu filho Jesus Cristo. E esta sociedade do homem com Deus que é, de algum modo, uma conversação familiar com ele, começa na vida presente pela graça e se completará na futura, pela glória. E ambas essas coisas nós obtemo-las pela fé e pela esperança. Donde, assim como não poderemos ter amizade com alguém se descrermos ou desesperarmos de poder ter com o mesmo alguma sociedade ou familiar conversação, assim não poderemos ter amizade com Deus, que é a caridade, se não tivermos a fé, que nos faz crer nessa sociedade e conversação com Deus, e se não esperarmos pertencer a essa sociedade. E portanto, sem a fé e a esperança a caridade não pode existir de nenhum modo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. 
— A caridade não é qualquer amor de Deus, mas o pelo qual o amamos como objecto da beatitude, ao qual nos ordenamos pela fé e pela esperança.

RESPOSTA À SEGUNDA. 
— A caridade é a raiz da fé e da esperança, porque lhes dá a perfeição da virtude; mas, a fé e a esperança, por sua própria natureza, são pressupostas à caridade, como já dissemos; e, portanto, a caridade não pode existir sem elas.

RESPOSTA À TERCEIRA. 
— Cristo não teve fé nem esperança no que há numa e outra de imperfeito; mas em lugar de fé teve a visão plena, e em lugar da esperança, a plena compreensão. E portanto, teve caridade perfeita.

(Revisão da versão portuguesa por AMA)


Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.