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03/07/2018

Tratado das virtudes


Questão 64: Do meio-termo das virtudes.

Art. 4 — Se a virtude teológica consiste num meio termo.
([1])

O quarto discute-se assim. — Parece que a virtude teológica consiste num meio-termo.

1. — Pois, o bem das outras virtudes consiste num meio-termo. Ora, a virtude teológica as excede em bondade. Logo, com maioria de razão, consiste num meio-termo.

2. Demais. — O meio-termo da virtude moral está em ser o apetite regulado pela razão, enquanto o da virtude intelectual, em ser o nosso intelecto medido pelo objecto. Ora, a virtude teológica tanto aperfeiçoa o intelecto como o apetite, como já se disse ([2]). Logo, também consiste num meio-termo.

3. Demais. — A esperança, que é uma virtude teologal, é o meio-termo entre o desespero e a presunção; semelhantemente, a fé manifesta-se como meio-termo entre heresias contrárias, como diz Boécio ([3]). Assim, confessando que em Cristo há uma só pessoa e duas naturezas, estamos num termo médio, entre a heresia de Nestório, que ensina existirem nele duas pessoas e duas naturezas, e a de Eutíquio, que só admite uma pessoa e uma natureza. Logo, a virtude teológica consiste num meio-termo.

Mas, em contrário.
— Em todos os casos em que a virtude consiste num meio-termo, podemos pecar por excesso ou por defeito. Ora, em relação a Deus, objecto da virtude teológica, não podemos pecar por excesso; pois, diz a Escritura (Ecle 43, 33): Bendizendo vós ao Senhor, exaltai-o quando podeis; porque ele é maior que todo louvor. Logo, a virtude teológica não consiste num meio-termo.


Como já dissemos ([4]), o meio-termo da virtude é considerado por conformidade com a sua regra ou medida, que podemos ultrapassar ou não alcançar. Ora, a virtude teológica é susceptível de dupla medida
— Uma fundada na própria noção de virtude. E assim a medida e a regra da virtude teológica é o próprio Deus. Porque a nossa fé é regulada pela verdade divina; a caridade, pela sua bondade; e a esperança, enfim, pela grandeza do seu poder e do seu amor. Ora, esta medida excede toda a faculdade humana. Donde, o homem não poderá nunca amar a Deus, nele crer e nele esperar, tanto quanto deve. E portanto, com maior razão, não poderá haver aí nenhum excesso. Logo, o bem da virtude teologal não pode consistir num meio-termo, mas será tanto melhor quanto mais se aproximar do sumo bem.
— A outra regra ou medida da virtude teologal se funda em nós; porque, embora não possamos nos dar a Deus tanto quanto devemos, devemos contudo, crendo, esperando e amando-o, nos aproximar dele conforme a capacidade da nossa condição. Por onde, acidentalmente, podemos, quanto ao que nos diz respeito, distinguir na virtude teológica um meio e extremos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O bem das virtudes intelectuais e morais consiste num meio-termo conforme a uma regra ou medida que podemos ultrapassar. O que não se dá com as virtudes teologais, em si mesmas consideradas, como já dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — As virtudes morais e intelectuais aperfeiçoam o nosso intelecto e o nosso apetite, em relação a uma medida e a uma regra criada; ao passo que as virtudes teológicas o fazem em relação à medida e à regra incriada. Logo, não há semelhança.

RESPOSTA À TERCEIRA.
— A esperança é um meio-termo entre a presunção e o desespero, no que se refere a nós. Assim, dizemos que presume quem espera de Deus um bem que lhe excede a condição; e desespera por não esperar o que, por sua condição, poderia esperar. Mas não poderá haver superabundância de esperança, relativamente a Deus, cuja bondade é infinita.
— Semelhantemente, a fé é um meio-termo entre heresias contrárias, não por comparação com o seu objecto, que é Deus, em quem não podemos crer com excesso; mas enquanto a opinião humana mesma é um meio-termo entre opiniões contrárias, como do sobredito resulta.

(Revisão da versão portuguesa por AMA)




[1] (IIª-IIªe,q. 17, a.5, ad 2; III Sent., dist. XXXIII,q. 1, a. 3.q 4ª; De Virtut., 1, a. 13; q. 2, a. 2, ad 10, 13 ;q. 4. a. 1, ad 7: Rom., cap. XII, lect 1).
[2] Q. 62, a. 3.
[3] In lib. De duabus naturis (c. VII). 
[4] Q. 64, a. 1.

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