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13/05/2018

Tratado da vida de Cristo 202

Os sacramentos em geral Mai 13

Questão 63: Do efeito dos sacramentos que é o carácter

Em seguida devemos tratar de outro efeito dos sacramentos que é o carácter. E nesta questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se os sacramentos imprimem algum carácter na alma.
Art. 2 — Se o carácter é um poder espiritual.
Art. 3 — Se o carácter sacramental é o carácter de Cristo.
Art. 4 — Se o carácter está nas potências da alma como no seu sujeito.
Art. 5 — Se o carácter existe na alma indelevelmente.
Art. 6 — Se todos os sacramentos da lei nova imprimem carácter.

Art. 1 — Se os sacramentos imprimem algum carácter na alma.

O primeiro discute-se assim. — Parece que o sacramento não imprime nenhum carácter na alma.

1. — Pois, carácter significa um sinal de cer­to modo distintivo. Ora, a distinção entre os membros de Cristo e os outros se faz pela pre­destinação eterna, que nada implica no predes­tinado, mas só em Deus predestinante, como se estabeleceu na Primeira Parte. Assim, diz o Apóstolo: O fundamento de Deus está firme, o qual tem este selo - o Senhor conhece aos que são dele. Logo, os sacramentos não imprimem carácter na alma.

2. Demais. — O carácter é um sinal distin­tivo. Ora, o sinal, como diz Agostinho, apresenta uma espécie aos sentidos para causar o conhe­cimento de outra coisa no intelecto. Ora, nada há na alma que introduza alguma espécie nos sentidos. Logo, parece que na alma não impri­mem os sacramentos nenhum carácter.

3. Demais. — Assim como pelo sacramento da lei nova distingue-se o fiel do infiel, assim também pelos da lei antiga. Ora, os sacramen­tos da lei antiga não imprimiam nenhum ca­ráter na alma, por isso o Apóstolo lhes chama justiça da carne. Logo parece que nem os sa­cramentos da lei antiga. Mas, em contrário, o Apóstolo: O que nos ungiu é Deus o qual também nos selou e deu em nossos corações a prenda do Espírito. Ora, o carácter nada mais importa senão um certo si­nalamento. Logo, parece que Deus com os seus sacramentos imprime em nós um carácter.

SOLUÇÃO. — Como do sobre dito se colhe, os sacramentos da lei nova se ordenam a dois fins: são remédios contra os pecados e aperfeiçoam a alma no concernente ao culto de Deus segundo o rito da vida cristã. Ora, todos os que se des­tinam a um determinado fim costumam ser para isso sinalados; assim os soldados que eram adscritos à milícia antigamente costumavam ser marcados com certos caracteres corpóreos, por serem destinados a um fim material, Ora, como os homens pelos sacramentos são destinados ao fim espiritual de adorar a Deus, resulta por consequência que por eles os fieis são sinalados por um certo carácter espiritual. Por isso diz Agostinho: Se o que não cumpre os seus deveres militares, apesar de ter o carácter da milícia impresso no seu corpo, arrepende-se do seu procedimento e se, cheio de medo, pedir a clemência do Imperador e derramando-se em súplicas e pedindo perdão, começar a militar, porventura, tendo sido perdoado e estando em regra, vão – no privar do seu carácter em vez de reconhecidamente o aprovarem? Ora, por acaso serão menos impressos os sacramentos cristãos que essa nota material?

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os fiéis de Cristo são por certo destinados ao prêmio da glória futura pelo sinal da predestinação divina. Mas são destinados aos atos convenientes à Igreja presente por um certo sinal espiritual que lhes é impresso e que se chama carácter.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O carácter impresso na alma tem natureza de sinal enquanto impresso por um sacramento sensível; pois sabemos que nos foi impresso o carácter batismal por termos sidos lavados sensivelmente pela água. Contudo, também pode chamar-se carácter ou sinal, por uma certa semelhança, tudo o que torna um ser semelhante a outro, ou distingue um de outro, mesmo se não o for sensivelmente. Assim Cristo é chamado figura ou carácter da substância paterna, pelo Apóstolo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, os sacramentos da lei antiga não tinham em si nenhuma virtude espiritual para produzir algum efeito espiritual. Por isso, nesses sacramentos, não era necessário nenhum carácter espiritual, mas bastava-lhe a circunscisão no corpo, a que o Apóstolo chama sinal.
Art. 6 — Se os sacramentos da lei antiga causavam a graça.
O sexto discute-se assim. – Parece que os sacramentos da lei antiga causavam a graça.

1. Pois como dissemos. os sacramentos da lei nova tiram a sua eficácia da fé na Paixão de Cristo. Ora, a fé na Paixão de Cristo existia na lei antiga, como em a nova, conforme diz o Apóstolo: Pois, nós temos um mesmo espírito de fé. Logo, assim como os sacramentos da lei nova conferem a graça, assim também os da lei antiga a cumpriam.

2. Demais. — A santificação não se faz senão pela graça. Ora, pelos sacramentos da lei antiga os homens eram santificados, como lemos na Escritura: Como Moisés santificasse Arão e seus filhos nos seus vestidos, etc. Logo, parece que os sacramentos da lei antiga conferiam a graça.   

3. Demais. — Beda diz: A circuncisão, na vigência da lei, exercia a mesma cura salutar contra o ferimento do pecado original, que costuma exercer o baptismo no tempo da graça revelada. Ora, o batismo confere a graça. Logo, também a conferia a circuncisão; e pela mesma razão os outros sacramentos da lei nova, assim o era a circuncisão aos sacramentos da lei antiga. Por isso diz o Apóstolo: Protesto a todo homem que se circuncida, que está obrigado a guardar toda a lei.

Mas, em contrário. o Apóstolo: Tornai-vos outra vez aos rudimentos fracos e pobres? E a Glosa: Isto é, à lei, chamada fraca porque não justifica perfeitamente. Logo os sacramentos da lei antiga não conferiam a graça.

Não se pode dizer que os sacramentos da lei antiga conferissem a graça justificante por si mesma, isto é, por virtude própria, porque então a paixão de Cristo não seria necessária, segundo aquilo do Apóstolo: Se a justiça é pela lei, segue-se que morreu Cristo em vão. – Mas nem se pode dizer que da paixão de Cristo tenham a virtude de conferir a graça justificante. Pois, como do sobredito se infere, a virtude da paixão de Cristo se nos aplica pela fé e pelos sacramentos, mas diferentemente. Assim a continuidade fundada na fé resulta de um ato da alma; ao passo que a fundada nos sacramentos resulta do uso exterior das coisas. Ora, nada impede ao que é posterior no tempo mover, antes de existir, enquanto tem precedência, por um ato da alma; assim o fim, posterior no tempo, move o agente, enquanto apreendido e desejado por ele. Mas, o ainda não existente como realidade da natureza, não move pelo uso que disso se faça; por isso a causa eficiente não pode ser posterior na sua existência pela ordem de duração, como a causa final. Assim, pois, é manifesto, que da paixão de Cristo, causa da justificação humana, convenientemente deriva a justificativa para os sacramentos da lei nova, mas não para os da lei antiga. E, contudo pela fé da paixão de Cristo foram justificados os antigos Patriarcas, como o somos nós. Pois, os sacramentos da lei antiga eram uma quase manifestação dessa fé, enquanto sig­nificavam a paixão de Cristo e os seus efeitos. - Por onde é claro que os sacramentos da lei antiga não tinham em si nenhuma virtude pela qual pudessem conferir a graça justificante: mas somente significavam a fé, pela qual se operava a justificação.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Os antigos Patriarcas tinham fé na paixão futura de Cristo, a qual, enquanto já apreendida pela alma, podia justificar. Ao passo que nós temos fé na Paixão de Cristo consumada, que pode justificar mesmo pelo uso real das coisas sacramentais, como se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa santificação era figurada; pois, os sacramentos da lei antiga se consideravam como santificantes por serem apli­cados ao culto divino conforme o dito dessa lei, que toda se ordenava a figurar a paixão de Cristo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Muitas foram as opi­niões a respeito da circuncisão. Assim, certos disseram que não era pela circuncisão conferida a graça, mas apenas delido o pecado. – Isto, porém não é admissível, por­que o homem não é justificado do pecado senão pela graça, segundo aquilo do Apóstolo: Tendo sido justificados gratuitamente por sua graça. Por isso opinavam outros que pela circuncisão era conferida a graça, quanto aos seus efeitos de removerem a culpa, mas não quanto aos efeitos positivos dela. - Mas também esta opinião é falsa. Pois, a circuncisão dava às crianças a faculdade de chegar à glória, que é o último efeito positivo da graça. E, além disso, segundo a ordem da causa formal, os efeitos po­sitivos têm naturalmente prioridade sobre os privativos, embora o contrário se dê segundo a ordem da causa material; pois, a forma não ex­clui a privação, senão informando o sujeito.

E por isso outros dizem que a circuncisão conferia a graça mesmo quanto a um certo efei­to positivo, que é tornar digno da vida. eterna: mas não porque reprimisse a concupiscência, que excita a pecar. E assim me pareceu algum tem­po. - Mas, mais atentamente refletindo, veri­fiquei que também isto não é verdadeiro; porque uma graça mínima pode resistir a qualquer concupiscência e merecer a vida eterna. Por onde e melhor, devemos concluir que a circuncisão era só o sinal da fé justificante. Donde o dizer o Apóstolo: que Abraão recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé. Por isso a circuncisão conferia a graça, enquan­to sinal da futura paixão de Cristo, como a se­guir se dirá.



Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.