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06/03/2018

Leitura espiritual

Jesus Cristo o Santo de Deus

CAPÍTULO VI

«TU AMAS-ME?»

O AMOR POR JESUS

1.   Porquê amar Jesus Cristo?

…2

Não “são a carne e o sangue”, ou seja, não é a inteligência e a pesquisa humana que revelam Jesus; quem O revela é o «Pai que está nos céus» [i] e o Pai não o revela aos curiosos, mas aos que amam; não o revela nem aos sábios nem aos inteligentes, mas aos mais pequenos [ii].

Finalmente, deve-se amar Jesus, porque só assim é possível cumprir a Sua palavra e pôr em práctica os Seus mandamentos.

«Se Me amais – disse Ele mesmo – cumprireis os Meus mandamentos; quem não Me ama não guarda as Minhas palavras» [iii] .
Isto quer dizer que não é possível ser cristão a sério, isto é, seguir concretamente os ditames e as exigências do Evangelho, sem um verdadeiro amor por Jesus Cristo.
Se, por hipótese, alguém conseguisse fazê-lo, seria igualmente inútil; sem o amor de nada lhe serviria.
Mesmo que alguém entregasse o corpo para ser queimado, mas não tivesse caridade, de nada lhe serviria [iv].
Sem o amor, falta a força para agir e obedecer.
Pelo contrário, a quem ama, lhe parece impossível ou muito difícil.

2.Que significa amar Jesus Cristo

A pergunta ”que significa amar Jesus Cristo?” pode ter um sentido muito prático: saber o que comporta amar Jesus Cristo e em que consiste o amor por Ele.
Neste caso, a resposta é muito simples e é-nos dada pelo próprio Jesus no Evangelho.
Não consiste em dizer: «Senhor, Senhor[v], mas em fazer a vontade do Pai e cumprir a Sua palavra [vi].
Quando se trata de uma criatura – o cônjuge, os filhos, os pais, o amigo – “querer bem” significa procurar o bem da pessoa amada, desejar e diligenciar para ela coisas boas…
Mas que bem podemos nós desejar a Jesus ressuscitado que Ele não possua já?
Querer bem, no caso de Cristo, significa algo de diferente.
O “bem” de Jesus – ou melhor, o Seu alimento -é a vontade do Pai.
Fazê-la cada vez mais plenamente, cada vez mais alegremente.
«Quem cumpre a vontade de Deus – diz Jesus – esse é Meu irmão, Minha irmã e Minha Mãe» [vii].
Todas as qualidades mais belas do amor por Ele estão resumidas naquele acto que é o da fazer a vontade do Pai.

O amor por Jesus não consiste, poderemos então dizer, nas palavras ou em bons sentimentos, mas sim em actos; fazer como Ele fez, que não nos amou somente com palavras, mas com actos!
Humilhou-Se por nós e, de rico que era, fez-SE Pobre.
“Não te amei por brincadeira” ouviu um dia dizer a Jesus a bem-aventurada Ângela de Foligno; quando escutou aquelas palavras, ela sentiu-se morrer de dor, ao ver como, em comparação, o seu amor por Jesus não passava precisamente de uma brincadeira [viii].

Mas eu quero tomar a pergunta “que significa amar Jesus Cristo?” num ponto de vista menos habitual.
São dois os grandes mandamentos acerca do amor.
O primeiro é: «Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma a com toda a tua mente»;
O segundo é: «amarás o próximo como a ti mesmo» [ix].
A qual dos dois mandamentos pertence o amor, de que estamos falando, pela pessoa de Cristo?
E ainda: Cristo é o objecto supremo e último do amor humano, ou o seu termo?

São perguntas de extrema importância para a fé cristã e para a própria vida de oração dos crentes, e é preciso dizer que, sobre elas, há uma grande incerteza e ambiguidade, pelo menos a nível prático.
Existem tratados sobre o amor de Deus (De diligendo Deo), nos quais se fala exaustivamente do amor de Deus, sem apontar, todavia, de que modo se insere nele o amor por Cristo: se se trata da mesma coisa ou se, pelo contrário, o amor de Deus, sem outros acréscimos, significa um grau superior, um objecto mais alto que o amor.
Todos, naturalmente, estão convencidos de que o problema do amor a Deus por parte do homem, não se põe, depois de Cristo, do mesmo modo que se punha antes de Cristo, ou que se põe fora do cristianismo.
A Encarnação do Verbo não trouxe ao mundo, acerca do amor de Deus somente um motivo mais para amar a Deus, ou somente um exemplo a mais, o mais alto deste amor.
Trouxe uma novidade bem maior: revelou um rosto novo de Deus e, portanto, uma maneira nova de O amar e uma nova “forma” do amor de Deus.
Mas nem sempre se extraem desse facto todas as consequências ou, pelo menos, nem sempre elas se tornaram explícitas.

É certo que desde o tempo da regra de S. Bento se repete o provérbio:
«Não antepor absolutamente nada ao amor por Cristo» [x].
A Imitação de Cristo tem um belíssimo capítulo intitulado «Amar Jesus Cristo todas as coisas» [xi], e Santo Afonso Maria de Ligório escreveu um opúsculo muito popular intitulado A prática de amar Jesus Cristo.
Mas em todos estes casos, a comparação é, por assim dizer, de Cristo para baixo, isto é, entre Ele e todas as outras criaturas.
O sentido é não se deve antepor ao amor de Cristo qualquer criatura humana, nem sequer nós mesmos.
Pelo contrário, fica em aberto o problema senão se deve antepor ao amor por Cristo alguma coisa da esfera divina.

Trata-se de um problema real que se põe por causa de alguns precedentes históricos.
Orígenes, de facto influenciado pela visão platónica do mundo, - toda impregnada pela tendência em superar aquilo que se refere a este mundo visível – estabeleceu um princípio que teve um grande peso no desenvolvimento da espiritualidade cristã.
Ele fez entrever uma meta para além do amor de Cristo enquanto Verbo Encarnado; põe mesmo em perspectiva uma fase mais perfeita do amor, que é aquela que se contempla e se ama o Verbo exclusivamente na Sua forma divina, tal como Ele era antes de ter encarnado, ultrapassando, portanto, a Sua forma humana.
Por outras palavras, ama-se propriamente o Verbo de Deus, não a Jesus Cristo.
A Encarnação era necessária, segundo Orígenes, para atrair as almas, do mesmo modo que é necessário o derramamento de um perfume, fora do seu vaso, a fim de que possa ser respirado.
Uma vez atraídas pelo perfume divino, as almas correm para chegarem a alcançar não já um simples perfume divino, mas a sua própria substância [xii].


(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Cfr.Mt 16,17
[ii] Cfr. Mt 25,1
[iii] Jo 14, 15-24
[iv] Cfr. 1Cor 13,3
[v] Cf Mt 7,21
[vi] Cfr. 1Cor 13,3
[vii] Mc3,3-35
[viii] El Libro della B. Angela da Foligno, Quarachi, Grottaferrata, 1985, p,612
[ix] Mt 22, 37-39
[x] Regra de S. Bento, c. IV; cfr. S. Cipriano, De orat, domin. C. 15.
[xi] Imitação de Cristo, 11, 7
[xii] Orígenes, «Comentário ao Cântico dos Cânticos, 1,3-4 (PG 13,93)

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