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23/03/2018

Leitura espiritual

TEMA 38. O oitavo mandamento do Decálogo

Com a graça de Cristo, o cristão pode fazer que a sua vida seja dirigida pela verdade. «O oitavo mandamento proíbe falsificar a verdade nas relações com outrem. Esta prescrição moral decorre da vocação do povo santo para ser testemunha do seu Deus, que é e que quer a verdade. As ofensas à verdade exprimem, por palavras ou por actos, a recusa em empenhar-se na rectidão moral» (Catecismo, 2464).

1. Viver a verdade

«Em virtude da sua dignidade, todos os homens, porque pessoas,[...] são impelidos pela sua própria natureza e obrigados por exigência moral a procurar a verdade, em primeiro lugar aquela que diz respeito à religião. São obrigados também a aderir à verdade desde que a conheçam e a regular toda a sua vida segundo as exigências da verdade»[1]. A inclinação do homem por conhecer a verdade e manifestá-la por palavras e obras tem-se retorcido por causa do pecado, que feriu a natureza com a ignorância do intelecto e a malícia da vontade. Como consequência do pecado, diminuiu o amor à verdade e os homens enganam-se uns aos outros, muitas vezes por egoísmo e pelo próprio interesse. Com a graça de Cristo, o cristão pode fazer que a sua vida seja orientada pela verdade. A virtude que inclina a dizer sempre a verdade chama-se veracidade, sinceridade ou franqueza (cf. Catecismo, 2468). Três aspectos fundamentais desta virtude: - sinceridade consigo mesmo: é reconhecer a verdade sobre a sua conduta externa e interna: intenções, pensamentos, afectos, etc.; sem medo de esgotar a verdade, sem fechar os olhos à realidade[2]; - sinceridade com os outros: a convivência humana seria impossível se os homens não tivessem reciprocamente confiança, quer dizer, se não dissessem a verdade uns aos outros ou não se comportassem adequadamente, por exemplo, respeitando os contratos ou, em geral, os acordos, a palavra dada (cf. Catecismo, 2469); - sinceridade com Deus: Deus vê tudo, mas como somos seus filhos quer que Lho manifestemos. «Um filho de Deus trata o Senhor como Pai. Não servilmente, nem com uma reverência formal, de mera cortesia, mas cheio de sinceridade e de confiança. Deus não se escandaliza com os homens. Deus não Se cansa das nossas infidelidades. O nosso Pai do Céu perdoa qualquer ofensa quando o filho volta de novo até Ele, quando se arrepende e pede perdão. Nosso Senhor é tão verdadeiramente pai, que prevê os nossos desejos de sermos perdoados e se adianta com a sua graça, abrindo-nos amorosamente os braços»[3]. A sinceridade no sacramento da Confissão e na direcção espiritual são meios de extraordinária eficácia para crescer na vida interior: na simplicidade, na humildade e nas outras virtudes[4]. A sinceridade é essencial para perseverar na união com Cristo, porque Ele é a verdade (cf. Jo 14, 6)[5].
2. Verdade e caridade

A Sagrada Escritura ensina que é preciso dizer a verdade com caridade (Ef 4, 15). A sinceridade, tal como as outras virtudes, deve-se viver por amor e com amor (a Deus e aos homens): com delicadeza e compreensão. A correcção fraterna: é a prática evangélica (cf. Mt 18, 15) que consiste em fazer notar a outro uma falta cometida ou um defeito para que se corrija. É uma grande manifestação de amor à verdade e de caridade. Em certas ocasiões pode ser um dever grave. A simplicidade na relação com os outros. Há simplicidade quando a intenção se manifesta com naturalidade na conduta. A simplicidade surge do amor à verdade e do desejo de que esta se reflicta fielmente nos próprios actos com naturalidade, sem afectação: isto é o que também se conhece por sinceridade de vida. Como as outras virtudes morais, a simplicidade e a sinceridade hão-de ser dirigidas pela prudência para que sejam verdadeiras virtudes.  Sinceridade e humildade. A sinceridade é caminho para crescer em humildade («caminhar na verdade» dizia Santa Teresa de Jesus). A soberba, que tão facilmente vê as faltas alheias – exagerando-as ou mesmo inventando-as –, não se dá conta das próprias faltas. O amor desordenado da excelência pessoal procura sempre impedir que nos vejamos tal como somos, com todas as nossas misérias.
3. Dar testemunho da verdade

«O testemunho é um acto de justiça que estabelece ou que dá a conhecer a verdade» (Catecismo, 2472). Os cristãos têm o dever de dar testemunho da Verdade que é Cristo. Portanto, devem ser testemunhas do Evangelho, com claridade e coerência, sem esconder a fé. O contrário – a simulação – seria envergonhar-se de Cristo, que disse: «aquele que me negar diante dos homens, também o hei-de negar diante do meu Pai que está no Céu» (Mt 10, 33). «O martírio é o supremo testemunho dado em favor da verdade da fé; designa um testemunho que vai até à morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade» (Catecismo, 2473). Perante a alternativa entre negar a fé (com palavras ou obras) ou perder a vida terrena, o cristão deve estar disposto a dar a vida: «Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida?» (Mc 8, 36). Cristo foi condenado à morte por dar testemunho da verdade (cf. Mt 26, 63-66). Multidões de cristãos têm sido mártires por se manterem fiéis a Cristo, e o «sangue[desses] mártires transformou-se em semente de novos cristãos»[6]. «Se o martírio representa o ápice do testemunho a favor da verdade moral, ao qual relativamente poucos podem ser chamados, há, contudo, um testemunho coerente que todos os cristãos devem estar prontos a dar cada dia, mesmo à custa de sofrimentos e de graves sacrifícios. De facto, diante das múltiplas dificuldades que, mesmo nas circunstâncias mais comuns, pode exigir a fidelidade à ordem moral, o cristão é chamado, com a graça de Deus implorada na oração, a um compromisso por vezes heróico, amparado pela virtude da fortaleza, mediante a qual - como ensina S. Gregório Magno - ele até consegue “amar as dificuldades deste mundo, em vista do prémio eterno” (Moralia in Job, 7, 21, 24)»[7].
4. As ofensas à verdade

”A mentira consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar” (Santo Agostinho, De Mendacio, 4, 5).O Senhor denuncia na mentira uma obra diabólica: “Vós tendes por pai o diabo,[... ] nele não há verdade; quando fala mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44)» (Catecismo, 2482). «A gravidade da mentira mede-se pela natureza da verdade que ela deforma, atendendo às circunstâncias, às intenções de quem a comete e aos danos causados àqueles que são suas vítimas» (Catecismo, 2484). Pode ser matéria de pecado mortal: «torna-se mortal quando lesa gravemente as virtudes da justiça e da caridade» (Ibidem). Falar com ligeireza ou loquacidade (cf. Mt 12, 36), pode conduzir facilmente à mentira (apreciações inexactas ou injustas, exageros, às vezes calúnias). «Falso testemunho e perjúrio. Uma afirmação contrária à verdade feita publicamente reveste-se de gravidade particular: perante um tribunal, é um falso testemunho; quando mantida sob juramento, é um perjúrio» (Catecismo, 2476). Há obrigação de reparar o dano. «O respeito pela reputação das pessoas proíbe toda e qualquer atitude ou palavra susceptíveis de lhes causar um dano injusto» (Catecismo, 2477). O direito à honra e à boa fama – tanto próprio como alheio – é um bem mais precioso do que as riquezas e de grande importância para a vida pessoal, familiar e social. Pecados contra a boa fama do próximo são os seguintes: - O juízo temerário: acontece quando se admite como verdadeiro, sem prova suficiente, um defeito moral do próximo (por exemplo, julgar que alguém tenha actuado com má intenção, sem que assim tenha sido). «Não julgueis e não sereis julgados, não condeneis e não sereis condenados» (Lc 6, 37) (cf. Catecismo, 2477). - A difamação: é qualquer atentado injusto contra a fama do próximo. Pode ser de dois tipos: a detracção ou maledicência (“dizer mal”), que consiste em revelar pecados ou defeitos realmente existentes do próximo, sem uma razão proporcionalmente grave (chamase murmuração quando se realiza nas costas do acusado); e a calúnia, que consiste em atribuir ao próximo pecados ou defeitos falsos. A calúnia encerra uma dupla malícia: contra a veracidade e contra a justiça (tanto mais grave, quanto maior seja a calúnia e quanto mais se difunda). Actualmente, estas ofensas à verdade ou à boa fama são muito frequentes nos meios de comunicação social. Por este motivo, é necessário exercitar um são espírito crítico ao receber as notícias e comentários dos jornais, revistas, televisão, etc. Uma atitude ingénua ou crédula leva à formação de juízos falsos[8].
Sempre que se difame alguém (quer seja com a detracção ou com a calunia), existe a obrigação de utilizar todos os meios possíveis para devolver ao próximo a boa fama que injustamente o lesou. É preciso evitar a cooperação nestes pecados. Coopera na difamação, embora em grau diferente, aquele que ouve com gosto o difamador e se delicia com o que ele diz; o superior que não impede a murmuração sobre o súbdito; e qualquer um que – embora desagradando-lhe o pecado de detracção –, por temor, negligência ou vergonha, não corrige ou rejeita o difamador ou caluniador, e o que propaga com ligeireza insinuações de outras pessoas contra a fama de um terceiro[9]. Atenta também contra a verdade «toda a palavra ou atitude que, por lisonja, adulação ou complacência, estimula e confirma outrem na malícia dos seus actos e na perversidade da sua conduta. A adulação é uma falta grave, se se tornar cúmplice de vícios ou de pecados graves. Nem o desejo de prestar um serviço nem a amizade justificam a duplicidade de linguagem. A adulação é um pecado venial quando apenas se deseja ser agradável, evitar um mal, valer a uma necessidade ou obter vantagens legítimas» (Catecismo, 2480).
5. O respeito da intimidade

«O bem e a segurança de outrem, o respeito pela vida privada e pelo bem comum, são razões suficientes para calar o que não deve ser conhecido ou para usar uma linguagem discreta. Muitas vezes, o dever de evitar o escândalo impõe uma estrita discrição. Ninguém é obrigado a revelar a verdade a quem não tem o direito de a conhecer» (Catecismo, 2489). O direito à comunicação da verdade não é absoluto» (Catecismo, 2488). «O sigilo do sacramento da Reconciliação é sagrado e não pode ser revelado sob pretexto algum. «O sigilo sacramental é inviolável; pelo que o confessor não pode denunciar o penitente, nem por palavras nem porqualquer outro modo, nem por causa alguma» (CDC, 983, §1)» (Catecismo, 2490). Devem-se guardar os segredos profissionais e, geralmente, qualquer segredo natural. Revelar esses segredos representa uma falta de respeito pela intimidade das pessoas e pode constituir um pecado contra a justiça. Deve-se guardar a justa reserva a respeito da vida privada das pessoas. A ingerência na vida privada das pessoas comprometidas em alguma actividade política ou pública para a divulgar nos meios de comunicação social é condenável na medida em que vai contra a sua intimidade e liberdade (cf. Catecismo, 2492). Os meios de comunicação social influenciam decisivamente a opinião pública. São um importantíssimo campo de apostolado para a defesa da verdade e a cristianização da sociedade.

JUAN RAMÓN AREITIO
Bibliografia básica
- Catecismo da Igreja Católica, 2464-2499.
Leituras recomendadas
- S. Josemaria, Homilia «O Respeito Cristão pela pessoa e pela sua liberdade», em Cristo que Passa, 67-72. - T. Trigo, «El bien de la verdad», em A. Sarmiento, T. Trigo, E. Molina, Moral de la persona, Eunsa, Pamplona 2006, Quinta Parte, pp. 302-391.

Notas

[1] Concílio Vaticano II, Decl. Dignitatis Humanae, 2. Cf. Catecismo, 2467. [2]Cf. S. Josemaria, Caminho, 33 e 34; Sulco, 148: «sinceridade selvagem» no exame de consciência. [3]S. Josemaria, Cristo que Passa, 64. [4]Cf. S. Josemaria, Forja, 126-128. [5]«Sinceridade com Deus, com o director, com os teus irmãos, os homens. Assim, estou certo da tua perseverança» (S. Josemaria, Sulco, 325) [6]«Martyrum sanguis est semen christianorum» (Tertulianao, Apologeticus, 50. Cf. S. Justino, Dialogus cum Tryphone, 110: PG 6, 729). [7]S. João Paulo II, Enc. Veritatis Splendor, 6-VIII-93, 93. Cf, S. Josemaria, Caminho, 204. [8]«Os meios de comunicação social (em particular os mass-media) podem gerar uma certa passividade nos utentes, fazendo deles consumidores pouco cautelosos de mensagens e espectáculos. Os utentes devem impor a si próprios moderação e disciplina em relação aos mass-media. Hão-de formar-se uma consciência esclarecida e recta, para resistir mais facilmente às influências menos honestas» (Catecismo, 2496). [9]Cf. S. Josemaria, Caminho, 49. A murmuração é particularmente um inimigo nefasto da unidade no apostolado: «é crosta que suja e entorpece o apostolado. - Vai contra a caridade, tira forças, rouba a paz, e faz perder a união com Deus» Ibidem, 445. Cf. Ibidem, 453).

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